Fim de isenções da cesta básica pode elevar preço de alimentos

Constatando ineficiência da política de barateamento de itens básicos, TCU recomendou o Governo a encerrar o incentivo fiscal. Setor produtivo alerta que terá que repassar o aumento dos custos de produção para os consumidores

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: Benefício foi implementado com o objetivo de facilitar o acesso da população a itens essenciais
Foto: Fabiane de Paula

O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou ao Governo Federal ontem (5) encerrar as isenções fiscais sobre itens da cesta básica de alimentação. Os incentivos beneficiam toda a cadeia produtiva dos produtos selecionados e têm por objetivo reduzir os preços para o consumidor final, o que não estaria sendo observado. O setor produtivo argumenta, porém, que a retirada das isenções deve elevar o valor dos produtos.

André Siqueira, presidente do Sindicato das Indústrias da Alimentação e Rações Balanceadas no Estado do Ceará (Sindialimentos-CE), lembra que a retirada de qualquer incentivo fiscal acaba recaindo sobre o preço do produto, uma vez que o valor final do item é composto de uma parcela significativa de impostos. "A alegativa de que não está surtindo efeito não faz o menor sentido, porque na hora que tirar esse incentivo, o industrial vai ter que repassar o imposto que ele não pagava antes", afirma.

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Além do fim da isenção em si, ele demonstra preocupação com o momento em que essa possibilidade surge. "Acho muito maléfico, principalmente agora que os alimentos estão em alta de preços. As commodities estão lá em cima por conta da exportação desenfreada, o que acaba influenciando no preço das proteínas animais. O milho dobrou de preço", ressalta.

Siqueira ainda cobra uma maior intervenção governamental para equilibrar o cenário, como um controle sobre as exportações para garantir o abastecimento do mercado nacional. "O Governo precisa agir e ser mais presente nesse momento para encontrar uma saída para equalizar o envio de grãos para fora e custos internos que são crescentes".

Desigualdade

A redução a zero das alíquotas do Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi implementada ainda no governo Dilma, em 2013.

A ideia era que, a partir da redução dos custos de produção, o preço de itens essenciais de alimentação também caíssem e ficassem mais acessíveis às famílias. Além da própria isenção, o setor produtivo ganharia com o aumento do consumo. Alguns produtos, como pasta de dente e sabonete, tinham alíquotas elevadas de PIS/Cofins de 12,5%.

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O supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, endossa o entendimento do TCU. "Para o consumidor, até última informação que temos, não houve quedas significativas de preço com a desoneração", avalia.

Aguiar ainda ressalta que, com essa maior margem de lucro, o setor produtivo teria condições de absorver o aumento de tributos sem repassar aos consumidores. "Eles defendem o capitalismo e a concorrência até a hora que se mexe na isenção fiscal. Aí fica todo mundo desesperado. Com o faturamento crescente, eles têm condições de absorver esse impacto. Além disso, você pode aumentar os preços até certo limite. Depois disso, o mercado não responde mais e as pessoas passam a deixar de consumir", aponta.

Efeito social

A recomendação do TCU ainda sugere que o valor desprendido pelo Governo com as desonerações da cesta básica sejam redirecionados a programas de transferência de renda, que são avaliados como mais eficientes para reduzir a desigualdade social no País. É o caso do Bolsa Família, ou do Renda Cidadã, que deve substituí-lo.

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Dados da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) mostram que o subsídio representa o segundo maior gasto tributário do Governo em 2019, de R$ 32,3 bilhões - mais que os R$ 30,1 bilhões destinados ao Bolsa Família no ano passado.

Aguiar ainda avalia como louvável a proposta de criar uma renda mínima. "Nós já vamos começar a sentir o efeitos (negativos) agora com a redução do valor do auxílio emergencial para R$ 300. Fica a apreensão para o fim do benefício, em janeiro", alerta.

O economista Alex Araújo também defende o fim das isenções e o redirecionamento dos recursos para programas que sejam mais direcionados. "A isenção de itens da cesta básica não tem eficiência, não se observou diferença de preços. Ela já deveria até ter sido revista", destaca.

Ele ainda acredita que, caso haja elevação de preços com o fim dos incentivos, não será significativo. "Nós estamos mais suscetíveis ao impacto maior com a flutuação do dólar do que o efeito que o fim dos benefícios fiscais possam ter", acrescenta.

Araújo ainda acredita que a recomendação de um órgão de controle deva tornar a retirada das isenções mais fácil e com menos desgate político.

"Isso deve destravar o receio político de fazer mudanças que possam impactar em determinados setores, prejudicando um grupo específico. E ainda pode abrir a possibilidade de que outros programas sejam revisitados para ter essa estrutura mais eficiente".

Nesse contexto, o economista, diz ser necessário manter duas questões em evidência: a primeira, a incerteza sobre o que acontecerá no próximo ano com o fim das medidas emergenciais adotadas na pandemia. "Nós não conseguimos dimensionar esse impacto. O auxílio emergencial, por exemplo, possibilitou que alguns setores permanecessem ativos durante a pandemia. Os efeitos do fim do programa serão grandes", pontua.

A segunda, o efeito social que o auxílio trouxe às famílias mais vulneráveis e a classes antes invisíveis, como os informais. "É complicado algumas categorias dependerem apenas da retomada do mercado de trabalho. Esse programa de renda mínima é uma necessidade urgente".

 

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