Cidades da Região Metropolitana de Fortaleza se tornam 'subúrbio americano'; entenda
Movimento é similar ao que ocorre em outras capitais brasileiras, como Belo Horizonte

Fortaleza foi a capital brasileira que mais perdeu população de alta renda do País. Para o especialista Marcelo Néri, diretor da FGV Social, não significa que a Capital deixou de ter a presença da população das classes A e B, e sim que ela foi morar nos arredores da cidade, a exemplo dos subúrbios americanos.
A definição de 'subúrbio americano' é exemplificada por Marcelo Néri principalmente pela crescente ocupação nos últimos anos de áreas de Eusébio e de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Para ele, esse público não saiu do Ceará, só não está mais concentrado necessariamente em Fortaleza. Ele avalia que boa parte dessa população deve ter migrado para municípios como Eusébio e Aquiraz, sobretudo na região do Porto das Dunas.
Essa redução da população de alta renda de Fortaleza faz parte do estudo especial "Classes de Renda no Rio", divulgado no fim de maio e elaborado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE) do Rio de Janeiro com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) anual, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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'Nova Aldeota'
A região do Porto das Dunas ficou conhecida por abrigar diversos empreendimentos comerciais e residenciais de alto padrão, levando serviços oferecidos nas áreas nobres de Fortaleza, como Aldeota e Meireles, e atraindo para morar um público que não quer mais estar na Capital, mas que quer ou precisa permanecer nas proximidades e tem deslocamentos que dependem quase que exclusivamente de veículos particulares.
Às vezes as pessoas moram fora e se deslocam para trabalho, por exemplo. Se as pessoas de alta renda estão indo ficar na região do Beach Park, é possível que isso cause a diminuição e passa a ideia de subúrbio americano. Se pegar o município brasileiro com a maior renda do Imposto de Renda, Nova Lima (MG), é um subúrbio de alta renda de Belo Horizonte, assim como no caso americano.
"Não é só morar onde tem um mercado de trabalho forte, mas onde tem qualidade de vida. A população está envelhecendo no Brasil inteiro, e as facilidades locais ajudam. Houve uma mudança de comportamento devido à pandemia, incluindo trabalho remoto. As pessoas resolveram morar onde tinham casas de praia ou de serra", completa.
Para o especialista, o recorte feito pelo estudo contempla um período de queda brusca na economia marcado pela pandemia de Covid-19 e sua posterior recuperação, e é necessária uma observação ainda mais atenta para avaliar se esses efeitos de redução de moradores de alta renda em Fortaleza serão duradouros.
"É meio contraintuitivo. Entre 2020 e 2023, foi um período onde se tem uma expansão da economia. Tem que se ver até que ponto essa tendência permanece", resume.
Desigualdade social em Fortaleza
Segundo dados da Seção de Disseminação de Informações (SDI), no primeiro trimestre de 2025, a renda média de um fortalezense era de R$ 3.596, o que colocaria a população da capital cearense na classe socioeconômica D. Na Região Metropolitana, o valor cai para R$ 3.107, pouco mais de dois salários mínimos.
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (Caen/UFC), João Mário de França, a redução de pessoas de maior renda morando em Fortaleza não significa necessariamente algo positivo, mas sim um reflexo da desigualdade social mais profunda na Capital.
"Isso indica um movimento de concentração de maior riqueza em um número menor de pessoas na cidade e, portanto, uma maior desigualdade de renda na distribuição toda. Em 2023 a cidade de Fortaleza, pelos dados do IBGE, apresentava, de fato, uma elevada desigualdade de 0,566 (medida pelo índice de Gini) sendo a quarta pior capital da região Nordeste nesse indicador", pontua.
Conforme ele, a migração da população de classes socioeconômicas mais altas para municípios da Região Metropolitana explica "apenas uma pequena parte" da situação, transferindo a pressão para o bolso de uma população mais empobrecida e que ainda não se recuperou completamente dos efeitos causados pela pandemia.
Em termos de PIB, Fortaleza é a principal economia entre as capitais do Nordeste, que está ocorrendo de forma não inclusiva, ou seja, não beneficia equitativamente todos os indivíduos, aumentando assim a desigualdade de rendimentos. Isso ocorre devido a uma série de fatores tais como desigualdades socioeconômicas, discriminação, falta de investimento em educação e saúde para grupos mais vulneráveis.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza (SDE) em busca de detalhes sobre ações feitas pela pasta em meio ao cenário, mas não obteve retorno até a publicação deste material. Quando houver devolutiva dos questionamentos, este material será atualizado.