Apesar do crescimento populacional, desigualdade social cai no Ceará com programas sociais
Segundo o IBGE, o Índice de Gini, indicador utilizado para medir o grau de concentração de renda - do Ceará caiu 4,95% desde 2012
Dados preliminares do Censo Demográfico 2022 mostram que a população do Ceará cresceu 4% desde 2012, atingindo o contingente de 8,79 milhões de pessoas. O novo retrato da população local desperta o questionamento de como estão os indicadores de desigualdade social, tão familiares ao dia a dia dos cearenses.
Apesar de ainda não ter divulgado as informações do Censo sobre rendimentos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dá uma prévia dessa avaliação através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
O levantamento demonstra que o Índice de Gini - indicador utilizado para medir o grau de concentração de renda - do Ceará caiu 4,95% desde 2012, ritmo maior que o crescimento total da população no mesmo período.
A variação também é maior que a média nacional, cuja redução da desigualdade foi de 4,07%. O resultado colocou o Ceará exatamente no mesmo grau de concentração de renda que o País. A última vez que o Estado apresentou desigualdade igual ou menor que a do Brasil foi em 2014.
A melhora do cenário de desigualdade no Estado ocorreu concomitante ao avanço dos programas sociais. Em 2012, havia 1,13 milhão de domicílios que recebiam algum tipo de benefício social, sendo 928 mil contemplados pelo Bolsa Família e outros 106 mil pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Em 2022, já eram 1,29 milhão de residências beneficiadas - diferença de 14,15%. O número de domicílios que recebem o Bolsa Família passou para 989 mil, enquanto os que recebem o BPC saltou para 216 mil.
Como consequência, o número de residentes no Ceará que possuem algum tipo de renda saiu de 4,93 milhões em 2012 - o que representava 56,5% do total da população da época - para 5,55 milhões (59,7%) em 2022.
Veja também
O professor do programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (Caen/UFC), João Mário de França, lembra que, a partir de 2020, os programas sociais foram ampliados, especialmente com o Auxílio Emergencial e com o novo Bolsa Família.
"Conforme os dados do IBGE indicam, há um aumento no número de pessoas recebendo rendimentos, porém nem todos esses rendimentos são provenientes de atividades de trabalho. Para analisar se há mais pessoas economicamente ativas, é necessário examinar os indicadores de taxa de participação no mercado de trabalho", avalia.
O especialista ressalta que, comparando as taxas de participação no mercado de trabalho no fim de 2022 com 10 anos antes, observa-se uma pequena redução. Ainda assim, ele pontua que é importante considerar que esses períodos apresentam contextos econômicos diferentes.
"No final de 2012, a economia estava em um momento favorável, enquanto no final de 2022 ainda estava em processo de recuperação após dois anos de pandemia. A taxa de participação no final de 2022 (4º trimestre) foi de 53%, em comparação com 54,3% no mesmo período em 2012", afirma.
Dados do IBGE ainda mostram que, em 2022, 35,2% do rendimento médio mensal do cearense era proveniente de outras fontes, que inclui aposentadoria, pensão, aluguel, pensão alimentícia e outros rendimentos, incluindo os programas sociais. Em 2012, a participação das fontes que não são provenientes do trabalho era de 30,8%.
Sobre a participação dos programas sociais na melhora do Índice de Gini, França esclarece que as iniciativas governamentais contribuem de forma significativa para o resultado, mas não são a única explicação.
Embora as transferências de renda dos programas sociais sejam de grande importância, principalmente devido ao seu impacto concentrado entre os mais pobres, não são os únicos responsáveis por essa diminuição. Os rendimentos provenientes do mercado de trabalho também se tornaram menos concentrados, conforme evidenciado pela queda do índice de Gini desse tipo de renda (renda do trabalho), que passou de 0,524 para 0,501"
Perspectiva futura
França ainda comenta que o crescimento populacional do Estado levanta preocupações como a maior oferta de diversos serviços como educação, saúde - especialmente devido ao envelhecimento da população, habitação e saneamento.
Ele acrescenta que um cenário que geraria preocupações ocorre quando o crescimento populacional é mais acelerado do que o crescimento na oferta destes serviços. "Nesse cenário, pode ocorrer um aumento na desigualdade de acesso, e resultar em um crescimento de desigualdade de renda no futuro".
O coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vitor Hugo Miro, pontua que o crescimento populacional por si só não aponta mudanças em termos de desigualdade e que, para isso, é necessário considerar os aspectos demográficos e econômicos juntos.
"Obviamente, um crescimento demográfico acelerado, não acompanhado por crescimento de renda, pode se traduzir em maior desigualdade e pobreza. Entre 2010 e 2022, passamos por momentos de recessão e de baixo crescimento econômico. Os valores de renda média são semelhantes aos de 10 anos atrás (comparando 2022 com 2012)".
Conforme o IBGE, o rendimento médio do cearense em 2012 corrigido era de R$ 1.717, enquanto o valor de 2022 é de R$ 1.736.
Miro reitera que o crescimento demográfico exige maior oferta de diversos serviços como educação, saúde, habitação e saneamento e alerta que, quando o crescimento populacional é mais acelerado do que o crescimento na oferta destes serviços, a desigualdade aumenta.
Um aspecto interessante nos dados divulgados (do Censo) é que as cidades com maior crescimento populacional são cidades que na última década passaram por forte dinamização econômica, geralmente por empreendimentos relacionados às atividades de mineração ou agronegócios. Foi o dinamismo econômico o fator que impulsionou um fluxo migratório mais intenso para algumas dessas cidades".
Nesse sentido, França coloca que o avanço da população se traduz em um maior mercado consumidor, que é um dos fatores que contribuem para o crescimento econômico, atraindo investimentos, promovendo o desenvolvimento de empresas, estimulando a geração de empregos.
"No entanto, essa atração de investimentos depende de uma combinação de fatores muito além somente da ampliação do mercado consumidor e inclui outras ações que o Governo do Estado já vem priorizando, mas deve fortalecer sempre mais, tais como a estabilidade fiscal, melhor infraestrutura e logística, recursos humanos qualificados e seguro ambiente de negócios. Esses elementos em conjunto constituem um ambiente atrativo para investidores em busca de oportunidades de crescimento e retorno financeiro".