Bandeiras tarifárias e reajuste de energia: por que a conta vai continuar alta no Ceará?

A bandeira tarifária de escassez hídrica sai de vigor este mês, mas o aumento anunciado pela Enel supera o alívio nas contas que seria sentido

Escrito por Heloisa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
Legenda: O consumidor deve perceber uma leve redução nas faturas em maio, seguida de uma alta para além do patamar atual em junho
Foto: Thiago Gadelha

Apesar da retirada da taxa extra com o fim da bandeira tarifária de escassez hídrica, o cearense vai continuar pagando mais caro na conta de energia.  

O reajuste de 24,85%, aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nesta terça-feira (19), supera o alívio que seria sentido com o acionamento da bandeira verde. No início do mês, o Governo Federal anunciou que a bandeira tarifária traria uma redução média de 20% nos custos para o consumidor.  

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No Ceará, os consumidores devem perceber uma leve redução nas contas de maio e, em junho, a tarifa deve subir para além dos preços praticados hoje. Novos aumentos podem ocorrer ao longo do ano caso bandeiras tarifárias sejam novamente acionadas.  

De acordo com o diretor de regulação da Enel no Brasil, Luiz Gazulha, o efeito do reajuste nas contas do consumidor será “praticamente anulado” devido à saída da bandeira de escassez hídrica.  

Mas, para o diretor de regulação do Sindicato das Indústrias de Energia do Estado do Ceará (Sindienergia-CE), Bernardo Viana, é esperado um aumento de pelo menos 5%, resultante da sobra entre a baixa da bandeira tarifária e o reajuste da Aneel. 

O efeito das bandeiras tarifárias na conta de energia 

As bandeiras tarifárias foram introduzidas em 2015 como uma forma de repassar para o consumidor de forma imediata os custos da geração de energia, tanto como uma forma de desincentivar o consumo como para evitar reajustes anuais exorbitantes. 

Existem quatro bandeiras tarifárias:  

  • Verde: não estabelece cobrança adicional  
  • Amarela: cobrança de R$ 1,874 a cada 100 kWh consumidos 
  • Vermelha patamar 1: cobrança de R$ 3,971 a cada 100 kWh consumidos 
  • Vermelha patamar 2: cobrança de R$ 9,492 a cada 100 kWh consumidos 

No ano passado, diante da crise hídrica, foi criada uma nova bandeira de caráter emergencial. A bandeira escassez hídrica determinava cobrança de R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos até este mês. 

“Quando os reservatórios estão cheios no Sudeste, o Brasil gera energia limpa e barata e entra a bandeira verde. Quando a gente passa por um período seco, os reservatórios tendem a cair e o governo aciona as bandeiras”, contextualiza Bernardo Viana. 

Segundo o pesquisador do FGV Ceri, Diogo Lisbona, o acionamento da bandeira verde ocorre diante de uma situação favorável dos reservatórios em razão do regime de chuvas acima do esperado. É esperado que as termelétricas sejam bem menos necessárias do que foram em 2021. 

Aumento na conta de luz 

Mesmo com o fim da cobrança adicional, o consumidor ainda deve perceber a conta de luz mais cara neste ano. Ao contrário da bandeira tarifária, que coloca uma cobrança temporária, o reajuste da Aneel é definitivo e dura até o próximo ano — quando uma nova alta deve ser divulgada. 

Lisbona explica que, para alguns estados, o reajuste anual da distribuidora pode nem ser sentido por conta da retirada da bandeira escassez hídrica e, em alguns casos, pode ser notada até uma redução dos custos. Não é o caso, contudo, do Ceará. 

“Em termos de real por kWh, o consumidor pode agora sentir um alívio pequeno, mas no caso da Enel nem vai sentir, porque o reajuste vai ser maior do que a queda, o efeito real para o consumidor é de aumento. Em outras distribuidoras, vai voltar para o patamar anterior”, exemplifica. 

Segundo ele, o reajuste nesse patamar busca cobrir os custos da pandemia e a pressão inflacionária. Ele afirma que a alta poderia ser ainda maior não fosse o empréstimo que a Aneel cedeu às distribuidoras. 

Esse empréstimo, contudo, será cobrado do consumidor a partir de 2023, com juros. Parte do impacto sentido agora no bolso do consumidor, inclusive, é decorrente de um empréstimo pedido em 2020. 

“Foi feito um empréstimo da conta Covid em 2020. Uma parte do que não tivemos de reajuste lá atrás, temos que pagar agora. Da mesma forma, se daqui para frente a situação melhorar, teremos que pagar por agora”, relaciona. 

Bernardo Viana aponta que o consumidor deve perceber o aumento decorrente do reajuste parcialmente em maio, mas só em junho o mês inteiro será apurado com a cobrança nova. A redução da bandeira deve ser notada já no mês que vem. 

Altas futuras 

Um novo reajuste da Aneel só ocorrerá em abril do ano que vem. Mas, nada garante que bandeiras que imprimam custos adicionais não sejam acionadas novamente ao longo do ano, a depender do cenário hídrico.  

“É difícil prever sobre bandeiras, talvez tenha necessidade de acionamento no período seco, mas isso é algo que já está no regulamento das tarifas há 7 anos”, coloca Diogo Lisbona.   

Bernardo Viana considera que havia explicação hidrológica para a bandeira verde no momento, mas que a mudança brusca da situação crítica para a retirada da cobrança tem motivações políticas. Isso confere alguma instabilidade para depois das eleições 

“O que se fala em Brasília é que pelo menos até outubro não vai voltar nenhuma bandeira, mas outubro é eleição. Muito se fala que essa decisão foi para conter inflação e a imagem positiva do governo ficar em alta”, diz. 

O acionamento de cobranças adicionais pode ocorrer caso os reservatórios tenham uma baixa nos índices, seja por um uso maior em razão da retomada da economia ou se o período de chuvas não terminar como esperado. 

Lisbona ressalta que, por mais que não haja uma mudança na cobrança por kWh, os consumidores podem perceber uma redução na conta nos próximos meses em razão da chegada do outono e inverno, que costumam reduzir o consumo das famílias em razão da menor necessidade de ar condicionado, por exemplo. 

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