Enel Ceará está entre os piores desempenhos do País: 'a vela já fica aqui'
A empresa esteve nos últimos três anos nas últimas posições do Desempenho Global de Continuidade (DGC), que mede frequência e duração de quedas de energia
Na casa do vigilante Sidney Barros, de 37 anos, as velas estão sempre a postos: nunca se sabe quando serão necessárias. A chegada do fim de semana deixa os moradores do bairro Ancuri, em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), atentos e temerosos que as luzes possam apagar.
Além do problema da falta de energia na casa de Sidney, a família agora vai enfrentar um reajuste de quase 25% nas contas de luz a partir do dia 22 de abril, segundo anunciou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
“Cada vez que vai se aproximando o final de semana, pensamos que possa acontecer novamente e que teremos que passar mais uma noite sem energia. A vela já fica aqui em local de fácil acesso, para se utilizar a qualquer momento”, conta.
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Da última vez, foram dois dias com faltas de energia de mais de 12 horas. Numa sexta-feira, tudo ficou escuro às 22 horas e a luz voltou apenas às 13 horas do sábado. No domingo à noite, foram 15 quedas praticamente seguidas e a situação só se estabilizou na segunda-feira, já perto da hora do almoço.
Relatos como o dele se multiplicam, da região metropolitana ao interior do Ceará.
A Enel Distribuição Ceará, empresa responsável pela distribuição de energia no estado, tem figurado nos últimos lugares do ranking de Desempenho Global de Continuidade (DGC), medido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em 2021, a empresa teve o índice em 0,97, o quinto pior do país. Em 2020, a pontuação foi a segunda pior do país e, em 2019, a Enel ficou na quarta pior colocação.
O DGC é uma relação do quanto o FEC (Frequência Equivalente por Consumidor) e o DEC (Duração Equivalente por Consumidor), estão próximos aos limites estabelecidos pela Aneel. Quanto menor o índice, melhor o desempenho da distribuidora em relação às metas.
Em 2021, tanto o FEC como o DEC tiveram ligeiras melhoras em relação a 2020. Apesar disso, 64% das regiões analisadas no estado ainda possuem DECs acima do limite – ou seja, ficaram sem fornecimento de energia por um tempo maior do que o máximo estabelecido pela agência reguladora.
O que são FEC e DEC
Um dos fatores que medem a qualidade do serviço da distribuidora é a constância na disponibilização de energia. É justamente isso que medem o FEC e o DEC e, de forma resumida, o DGC.
O DEC mostra quanto tempo em média um consumidor ficou sem energia em um mês e o FEC mostra a frequência dessas interrupções. Individualmente, os consumidores têm mensalmente na conta de luz o DIC e o FIC, que mostram esses indicadores para a residência específica.
Cada distribuidora tem uma meta para o DEC e para o FEC. A Aneel faz o ranking e verifica como cada uma delas se comportou em relação à meta, que é o DGC, desempenho global. O desempenho geral da qualidade vê a relação do DEC e FEC com relação a meta estabelecida pela Aneel, tem uma fórmula de cálculo para esse índice".
Dentro do estado, a Aneel determina conjuntos, que são regiões, bairros ou cidades, abastecidas por uma subestação. Cada um desses conjuntos possui metas individuais de DEC e FEC, sendo considerada uma média para analisar o desempenho do estado.
O coordenador do núcleo de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Joaquim Rolim, explica que o DGC por si só não ilustra uma piora ou melhora na qualidade dos serviços, mas sim o quão próximos eles estão do regulado pela Aneel.
Isso significa que um estado que tenha uma meta de DEC menor pode ter um DGC maior, mesmo que tenha tido uma interrupção de energia por maior tempo.
DEC acima do limite
Dos 113 conjuntos do estado, 73 tiveram DEC acima do limite estabelecido pela Aneel. O maior DEC foi registrado em Amontada, onde os consumidores ficaram em média 43,37 horas sem energia no ano.
A lista de conjuntos com DEC fora do limite inclui localidades na região metropolitana de Fortaleza, como Caucaia, Eusébio e Distrito Industrial de Fortaleza.
O menor DEC foi registrado na Aldeota, onde os consumidores tiveram interrupções no serviço de aproximadamente 3,46 horas no ano – o limite era de 7 horas.
De acordo com o diretor de infraestrutura e rede da Enel, Charles Capdeville, a solução para melhorar o índice é diferente em cada localidade. A empresa tem planos para resolver a situação neste ano.
A gente vê onde está pior o indicador e para cada tipo de conjunto temos algumas ações. No caso de Amontada, é preciso fazer obras estruturais, precisa fazer uma subestação. Alguns [conjuntos] pode ser só manutenção e outros só construir linhas. Aldeota está muito bom porque está no centro, não tem tanta árvore. Mas tem conjuntos que os circuitos tem 200km, então uma ocorrência pode tirar todos os clientes desse circuito".
Ele aponta que em 2020, 66 conjuntos no estado tinham DEC 140% acima do limite e que esse número caiu para 30 em 2021.
Sem energia
A energia na casa da vendedora Camila Dantas, de 32 anos, caiu por volta das 21 horas e voltou apenas de madrugada, às 3 horas. O desconforto de ter de dormir sem ventilador em meio ao calor de Fortaleza já é rotina para a família.
“Toda semana falta energia aqui. Semana passada faltou sexta-feira, essa semana ainda não faltou, estou esperando para amanhã”, conta.
Segundo ela, as interrupções no serviço costumam ocorrer de noite e não afetam só a sua casa, mas a de diversos vizinhos no bairro Barrocão, em Itaitinga.
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Frequentes, as quedas de energia costumam durar pelo menos 6 horas. No mês passado, os moradores ficaram 13 horas sem abastecimento elétrico em um dia, conta ela.
Aqui na minha casa eles já vieram cortar minha energia por conta de 39 centavos, sendo que essa conta nunca chegou aqui. Eu fiquei uma tarde inteira sem energia, só ligaram no outro dia. Para fazer o corte eles estão bem atentos. Mas, para resolver essa situação de falta de energia, eles não resolvem".
Quando a energia não cai de vez, ocorrem oscilações. A TV da sala da vencedora queimou e ela desconfia que esse seja o motivo. No período da noite, seu micro-ondas não funciona e, segundo ela, o mesmo acontece com outros moradores do bairro.
Em Jaguaribe, a estudante Rayanne Diógenes, de 22 anos, passa por uma situação parecida. No bairro Aloísio Diógenes, onde ela mora, as quedas de energia chegam a durar dois ou três dias.
“A gente liga e sempre é a mesma história. Da última vez, faltou em um sábado pela manhã, falaram que chegaria o suporte no domingo. Liguei lá de novo e falaram que o chamado tinha sido fechado porque o problema tinha sido resolvido, mas não tinha voltado. A energia só voltou na segunda-feira”, relata.
Conforme a estudante, as faltas mais longas ocorrem em média três vezes por ano, mas cortes mais curtos de energia são frequentes. Ela percebe que o problema se tornou recorrente há 8 anos, desde que a Coelce foi privatizada e se tornou Enel.
Serviço da Enel
O presidente do conselho de consumidores da Enel Distribuição Ceará, Erildo Pontes, tem a mesma visão de Rayanne: o serviço piorou desde a entrada da empresa no Ceará.
“Se você olhar dez anos, você vai perceber que a antiga Coelce chegou a ser a melhor do Brasil por pelo menos 5 ou 6 anos e ficou perto de 10 anos entre as melhores do Nordeste. O grupo Enel assumiu nossa empresa do Ceará em 2012, 2013. Se você pegar na história, vai ver que a empresa entrou em queda livre em relação à qualidade de serviço, em DEC, FEC e DGC”, percebe.
Na visão de Erildo, a empresa nunca esteve em situação tão crítica como em 2021. Ele critica o atendimento ao cliente e afirma que nem o aplicativo nem a central telefônica funcionam de forma adequada para atender o cliente.
Ele afirma que o problema não são os gestores do Ceará em si, mas as macrodecisões da empresa italiana. O presidente do conselho de consumidores pontua que os outros estados que tem a Enel como distribuidora, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás, também tiveram resultados ruins de DGC.
“O que está acabando com essa empresa são as macrodecisões. Tem um grupo que injetou dinheiro e está lá querendo dinheiro, não quer saber se tem energia aqui ou não”, acusa.
Para ele, é necessário investimento para conseguir melhorar as condições do serviço da empresa no Ceará.
“Eu sinto muita saudade do tempo que a companhia tinha um posicionamento bom e que os clientes da companhia eram atendidos com melhor qualidade e agilidade. Se você quer investir no Ceará hoje, o grande problema é ter que buscar fontes de energia alternativas”, diz.
Na visão do coordenador do núcleo de energia da Fiec, Joaquim Rolim, o setor empresarial tem percebido a piora nos indicadores nos últimos anos, mas tem expectativas positivas.
“Nós temos percebido que a própria distribuidora tem buscado implementações para sair dessa posição, mas até o momento ainda não conseguiu. Nós temos percebidos esforços para melhorar não só os indicadores formais, mas também os dos consumidores”, coloca.
Investimentos em melhorias
O diretor de infraestrutura e rede da Enel, Charles Capdeville, chama atenção para a melhora do DEC e FEC aferidos no ano passado em relação a 2019 e 2020. Ele atribui isso ao investimento de mais de R$ 1 bilhão em investimentos de infraestrutura e projetos na rede em 2021.
De acordo com Capdeville, foram construídas três novas subestações no Ceará no ano passado, tanto para atender o crescimento da demanda como para proporcionar uma melhor qualidade no serviço. Também foram reformados 200 quilômetros de rede.
“Apesar de ainda não estarmos no patamar que gostaríamos, o investimento que estamos fazendo é bem consistente. Nos últimos 5 anos foram R$ 5 bilhões de investimentos, e a gente continua para melhorar”, garante.
Para 2022, a empresa planeja a construção de mais 6 subestações, incluindo localidades como Baleia, Betânia, Pindoretama e Itaperi. Também é previsto reparo em 45 mil pontos no Ceará que possuem aparelhos degradados.
O diretor de infraestrutura afirma que uma das principais soluções para melhorar os indicadores é a poda de árvores, já que, quando chove, elas podem danificar a fiação. A expectativa é que 350 mil árvores sejam podadas pela Enel neste ano.