‘Voz do papa’: quem é o brasileiro que já dublou 4 pontífices para português 

Há 36 anos no Vaticano, Silvonei José destaca comunicação da Igreja Católica como forma de evangelização.

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
(Atualizado às 10:55)

Um convite de seis meses de trabalho se tornou uma jornada de 36 anos. O paranaense Silvonei José Protz, 61, é conhecido como a “voz oficial do papa” em português do Brasil porque é quem transmite os discursos e pregações do papa Leão XIV para a língua do país com o maior número de católicos no mundo. 

Mas o trabalho começou bem antes, ainda na década de 1980. Ele trabalhou e “dublou” o enérgico João Paulo II (Karol Wojtyła, 1920-2005), hoje santo; passou pela sobriedade de Bento XVI (Joseph Ratzinger, 1927-2022); e viu uma série de mudanças com o “tufão” Francisco (Jorge Mario Bergoglio, 1936-2025).

Jornalista, doutor em Comunicação, professor nas Universidades Gregoriana e Urbaniana, em Roma, reconhecido como Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno e da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém, Silvonei é hoje coordenador da Rádio Vaticano e do Vatican News.

Em passagem por Fortaleza neste mês, para participar da Conecta ArqFor, iniciativa de comunicação da Arquidiocese de Fortaleza, ele conversou com o Diário do Nordeste sobre o trabalho de evangelização ao permitir que o público reze junto com o Papa.

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O senhor nasceu em Guarapuava, no Paraná, uma cidade a mais de 250km de Curitiba. Mas como foi parar no Vaticano?

Eu fui convidado. Era o ano de 1989, quando começaram as transmissões via satélite para o Brasil. Eu trabalhei na TV Aparecida, quando era muito jovem. O padre Ronoaldo Pelaquin (então membro da Rádio Aparecida) foi para o Vaticano e, quando assumiu a Rádio Vaticano, me liga. “Olha, gostaria de saber se você não quer trabalhar com a gente, pelo menos por um período”. Os meus planos eram outros, então disse: “por seis meses eu vou”. Seis meses se tornaram 36 anos.

Como foi lidar com o idioma?

Eu tinha estudado um pouco de italiano, mas quando você chega e entra no dia a dia, vê que não estudou nada por causa da velocidade com que os italianos falam. A única coisa que ajuda é a mão, porque eles se comunicam com a mão. Então, tem uma linguagem paralela. Foram três meses de imersão total para entrar na língua, televisão, rádio, música, leitura, escrita. Depois de três meses com uma dor de cabeça intermitente, o italiano passou a ser parte integrante da minha vida.

Qual foi sua primeira transmissão com um papa?

Foi com João Paulo II e também a primeira vez que o encontrei. Temos, dentro da Basílica de São Pedro, estúdios de transmissão das nossas cerimônias papais. Depois que tínhamos terminado essa primeira transmissão, saindo da Grande Sala que dá entrada a capela Sistina, onde ocorre o conclave, meu colega e responsável pelo programa Hispano-Americano, falou algo em polonês.

Ele (o papa) se virou e disse: “Vocês querem aprender polonês, é isso? Então vou usar polonês”. Tinha aquele cortejo ao lado do papa, e ele conversando com a gente. Ele ensinou algumas expressões e falou: “Amanhã a gente se fala pra saber se vocês aprenderam ou não”. Uma pessoa muito aberta e divertida. Mas o primeiro discurso é tipo o primeiro amor, recordando aqueles dias… Foi na Santa Missa, uma homilia do Papa João Paulo II.

Em uma imagem de tom amarelado, Silvonei José, ainda jovem, encontra o Papa João Paulo II. Os dois estão em perfil, trocando olhares atentos e próximos, num ambiente interno do Vaticano. O Papa veste batina branca e crucifixo dourado; Silvonei usa terno escuro e gravata.
Legenda: Silvonei transmitiu as mensagens de João Paulo II do fim dos anos 1980 até 2005, ano da morte do pontífice.
Foto: Arquivo pessoal.

Quais eram as diferenças de cada pontífice? O senhor modulou a voz para cada a partir de cada personalidade?

A minha maior preocupação, quando nós fazemos as transmissões das cerimônias papais, é fazer com que, quem está do lado de lá, possa rezar junto com o papa. Quer dizer: não é só acompanhar como se fosse um espetáculo televisivo, mas é fazer com que as pessoas tenham uma imersão também na comunicação do que é o rito. Claro, cada rito é um rito diferente. 

A Santa Missa é sempre a Santa Missa, mas o lugar, o motivo, a homilia do papa, o que ele está falando, se é muito mais interior, se é muito mais é teológico, se é muito mais pastoral. Então, tem várias coisas que determinam como é que a gente procura se comunicar. 

E cada papa tem a sua a sua característica e o seu carisma, né? João Paulo II era um comunicador nato, alguém que fez teatro, portanto conhecia muito bem a gestualidade, o dom da voz, o ímpeto que dava para salientar, a insistência que se fazia nos olhares.

Já depois vem o Papa Ratzinger, que é exatamente o contrário. O papa Ratzinger era um homem acadêmico que passou a vida inteira atrás dos livros. Um grande homem de teologia, creio que o maior teólogo do século passado, sem dúvida nenhuma. E ele tinha uma comunicação muito mais acadêmica. Inclusive, pra gente traduzir os textos dele, às vezes, era um pouquinho complicado, porque você tem que fazer a ponte entre o papa e o povo, para tentar colocar assim numa linguagem mais acessível. 

Depois vem o nosso turbilhão, tufão, chamado Francisco, que reinventa o modo de você trabalhar. Porque a gente programava, traduzia os seus textos, chegava no momento, ele botava de lado, improvisava tudo e recomeçava.

E agora temos o nosso Papa Leão. Ele é mais moderado, vamos dizer assim. Tem um tom de voz muito mais tranquilo, passa uma serenidade muito grande, é um homem de simplicidade desarmante, posso dizer para vocês. É uma pessoa muito organizada mentalmente: sujeito, predicado, complemento… funciona sempre.

Silvonei José cumprimenta o Papa Leão XIV em uma cerimônia ao ar livre no Vaticano. Ambos sorriem e trocam um aperto de mãos cordial. O locutor brasileiro veste terno azul e gravata, enquanto o Papa está de branco, usando solidéu. Ao fundo, fiéis e convidados acompanham o encontro na Praça de São Pedro.
Legenda: Silvonei José no primeiro encontro com o Papa Leão XIV, eleito em maio de 2025 após a morte de Francisco.
Foto: Reprodução.

Então é mais fácil de traduzir também.

Muito mais fácil. Eu falei para ele: o senhor está facilitando a nossa vida.

Em mais de três décadas acompanhando os pontificados de São João Paulo II, Bento XVI e Francisco, o que mais mudou na forma como a Igreja se comunica com o mundo? Tem espaço para crescer nas redes sociais?

Veja só. Eu faço parte do Dicastério para a Comunicação, que é uma espécie de Ministério da Comunicação do Vaticano. Nós temos dentro da nossa estrutura, que é no Palácio Pio ou Palácio da Comunicação, 56 línguas diferentes. Nós temos como língua-mãe o italiano para poder nos comunicar. 

E a Igreja entendeu, através também da sensibilidade dos papas, que se nós não estivermos nos meios de comunicação, estivermos comunicando, alguém vai comunicar. E não sabemos o que vai comunicar. Isso é bíblico de São Paulo: “ai de mim se eu não comunicar [o Evangelho]”. Então eu vou para cima dos telhados [referência ao Evangelho de Mateus 10, 27]. É lá que nós temos que estar. Por quê? Porque nós temos a notícia, nós temos a boa-nova. Há 2 mil anos que fazemos isso.

Sua trajetória une fé, jornalismo e ensino. Em que momento o senhor percebe que a comunicação se torna também um ato de evangelização?

Eu tenho a felicidade, a oportunidade e a honra de dar aula na Gregoriana e na Urbaniana, duas Pontifícias Universidades em Roma. A Urbaniana é do ano 1500, para você ter uma ideia. É mais velha do que o Brasil como universidade. Eu procuro fazer com que as pessoas entendam que comunicação, e esse é o meu entendimento, é criar relação. O que é evangelização senão anunciar a boa-nova para criar relação com as pessoas

Então, quando nós provocamos esse efeito e somos, através da comunicação, emotivos, as pessoas entram em empatia conosco e se interessam por aquilo que nós dizemos. Se não interessa, muda de canal ou baixa o volume, você fica apático. E nós procuramos fazer com que essa relação crie uma identidade pessoal da qual necessita todos os dias… Ter aqueles 5, 10, 15, 20 minutos, uma hora, dependendo da necessidade de estar presente, porque se torna uma grande família. 

Dentro da família, a relação é fundamental. É isso que eu penso também através da evangelização. Evangelização é levar a boa-nova. Se eu tenho a capacidade, se eu tenho a possibilidade e os instrumentos, ai de mim se eu não quiser.

Silvonei José posa sorridente em um estúdio moderno do Sistema Verdes Mares, em Fortaleza. Atrás dele, uma tela exibe o logotipo “SVM” em verde. Ele está de terno azul e gravata, com microfone preso ao paletó, transmitindo serenidade e profissionalismo. O ambiente é iluminado e reflete o clima de redação jornalística.
Legenda: Jornalista e locutor mora e trabalha há mais de 30 anos na Itália.
Foto: Pe. Vanderlúcio Souza.

Como são os bastidores do Vaticano? Viver lá o aproxima mais da fé?

Meu pai uma vez, quando foi me visitar em Roma, disse: “Nossa, vir a Roma e não perder a fé é bom, hein?” (risos). Porque é um excesso. Você entra na Basílica de São Pedro e vou dizer para você; eu tenho, certas vezes, dificuldade de rezar dentro da Basílica porque ela é tão bela, é tanta coisa, que você fica admirado e se perde naquele universo. Então você vai na capela do Santíssimo e ali para e pode rezar. 

Quer dizer, é a reafirmação da fé. Eu aprendi muito com o Papa Bento XVI, quando ele pedia para nós: não basta que você diga que é católico e vá à igreja se você não sente a pertença à Igreja. Então, esse pertencimento se torna verdadeiramente algo diferencial.

E eu, como comunicador, não posso abrir a boca e falar aquilo que não sinto. Seria um mentiroso. Eu seria uma fake news. Procuro, então, através desse equilíbrio, daquilo que eu faço, daquilo que eu acredito, de levar às pessoas, da melhor maneira possível, estudando, porque eu acho que a formação é fundamental e essencial.

A gente não para nunca de aprender. Inclusive, o meu slogan é: todo dia é dia de escola. Nós temos que reaprender a nos adaptarmos à situações. É o que a Igreja está fazendo nesse momento, graças a Deus.

Como é que o senhor enxerga o papel da comunicação da Igreja Católica nesses tempos de tanta desinformação, de intolerância, de ódio e de guerra, contra a qual o próprio Papa vem lutando contra?

O Papa Francisco nos falava que temos que nos comunicar com o coração. Ninguém grita “eu te amo” quando tem uma pessoa que ama na frente. Você sussurra: "Eu te amo". Mas quando você está distante do coração, grita porque quer que o outro sofra o impacto da sua voz. Eu tenho que gritar para que a pessoa possa entender. Não é assim. Nós comunicamos com o coração para falar que o pilar do que a gente faz é a verdade. 

A verdade é a beleza da comunicação, é a beleza do Evangelho. Por isso que as fake news hoje se tornam midiáticas: é muito fácil você fazer um clique para fazer parte da “Maria vai com as outras”. Eu participo desse grupo para não ficar fora, mas a minha opinião não existe mais. Eu simplesmente entro nessa dimensão para criar empatia, mas somos antipáticos quando fazemos isso. Então para nós, a essência da comunicação é a comunicação da verdade, sem a qual, para nós, absolutamente não existe

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