Vestígios de presídio do século 18 são encontrados por pesquisadores em praia do Ceará; veja imagens
Registros históricos e objetos antigos no local indicam existência de novo sítio arqueológico
Um “novo” pedaço da história do Ceará começou a ser descoberto no município de Icapuí, na divisa cearense com o Rio Grande do Norte. Pedaços de objetos antigos, como louças e cerâmicas, foram encontrados na Praia do Retiro Grande, neste mês, reforçando o que documentos históricos já indicavam: a existência de um forte dos séculos XVIII a XIX na região.
Em expedições ao local, sinalizado em um mapa antigo, pesquisadores do Projeto Resgate Icapuí encontraram os vestígios, cruzaram dados e concluíram se tratar da localização do presídio antigo.
A descoberta foi comunicada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A equipe, composta por Augusto César Bastos, do Instituto Histórico, Geológico e Antropológico do Ceará; Ricardo Meira Arruda, do Projeto Resgate Icapuí; e Josué Crispim, mestre da Cultura da cidade e guia de campo; utilizou revisão bibliográfica e cartográfica, informações da tradição oral local e reconhecimento de campo para identificar o presídio.
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Os indícios de que havia essa estrutura de proteção militar no local são fortalecidos pelo registro de um porto em Retiro Grande, em séculos passados. O equipamento para transporte de cargas e de pessoas é citado em publicação do Instituto Histórico, Geológico e Antropológico do Ceará.
“Existiam dois canhões para dar proteção ao porto, provavelmente neste ponto que encontramos. Ainda não temos a conclusão, porque não foi escavado, mas as peças superficiais demonstraram que existiu ocupação”, complementa Ricardo, pesquisador e documentarista.
As peças encontradas foram fotografadas, tiveram a localização marcada em GPS e permanecem lá, não podendo ser removidas, sob pena de prejudicar os estudos. O espaço recebeu, no último dia 24 de maio, a visita da arqueóloga e superintendente do Iphan no Ceará, Cristiane Buco.
Quem vê, vê um monte de caco velho. Mas quem estuda sabe o que é e a importância que tem.
Novo sítio arqueológico
Para Cristiane Buco, do Iphan, “não há dúvidas de que seja um sítio arqueológico” – e muito maior do que o espaço que já foi identificado. “Encontramos malacológicos (conchas) muito antigos, que já não existem; cerâmicas... É uma região de 300, 400 anos pra trás”, estima.
A superintendente do instituto explica que existem muitas informações históricas “e etno-históricas” sobre a antiga fortificação na Praia do Retiro Grande, sendo, assim, importante “confrontar, resguardar esses vestígios para que futuras gerações possam visitar esse local, entender o passado”.
“Essa história de lá começou com canhões que foram encontrados, que indicam a existência de uma fortificação. Um deles parece que está numa propriedade particular e outro na 10ª Região Militar”, informa, sem cravar, contudo, a localização dos artefatos.
Aquela região tinha um antigo rio, que hoje está seco, e era tão largo que servia de porto. É provável que o que a gente vai encontrar é estrutura desse antigo forte e do antigo porto, que está ali pra baixo. É um trabalho mais demorado.
A importância das descobertas, ela reforça, vai além de preservar a memória do Ceará e conhecer nossa história: “é confirmar alguns dados e trazer novos, porque muitas vezes a História traz um lado da informação da época, e a arqueologia traz outros, dá luz ao contexto”.
“Será que entraram escravos por ali? Será que encontraremos cachimbos associados a eles? É preciso saber, pra trabalhar melhor essa miscigenação que somos nós. Não é valorizar a colonização, mas compreender todos esses processos”, acrescenta a arqueóloga.
Os próximos passos, então, são o registro do sítio, a identificação superficial de novos vestígios arqueológicos e, por fim, a escavação, para encontrar estruturas. “É algo que demanda tempo e financiamento, coisa para alguns anos de pesquisa. De imediato, precisamos fazer uma boa prospecção”, detalha.
Museu de Ponta Grossa
Do litoral cearense, as praias de Icapuí guardam riquezas históricas que recontam épocas e gentes que passaram pelo Estado. Parte das peças encontradas pela população são guardadas de forma particular, tendo sido retiradas dos locais originais. Com a aproximação entre a comunidade e o Iphan, isso não acontece mais.
A demanda dos icapuienses, hoje, é pela construção do Museu de Ponta Grossa, nome de uma das praias da cidade. Cristiane Buco revela que, na visita à região, teve reunião com a prefeitura para discutir a possibilidade de criação do equipamento.
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“A maior parte dos vestígios arqueológicos do Ceará não estão no Ceará. Ainda tem poucas instituições de guarda por aqui, e os arqueólogos pedem pra guardar em outro lugar. Pra repatriar essas peças, precisamos ter condições. E o Museu de Ponta Grossa seria um exemplo de como dar essas condições”, pondera a superintendente do Iphan.
Segundo Ricardo, documentarista da região, o projeto já existe há mais de 15 anos, e a organização está “em fase de escolha do local e de busca por recursos” para efetivar a ideia. No total, já existem quase 5 mil peças catalogadas, “da pré-história aos dias de hoje”, a serem expostas.
O que é um sítio arqueológico
De acordo com o Iphan, sítio arqueológico é um local onde se encontram vestígios positivos de ocupação humana. “É patrimônio cultural brasileiro, protegido por lei federal. Só a existência dele, independentemente do cadastro, já confere essa proteção, diferentemente dos bens tombados, que precisam passar por um processo de tombamento”, explica Cristiane Buco.
O novo sítio encontrado no Ceará, portanto, já está protegido. “Qualquer empreendimento a ser feito ali passa a não poder destrui-lo. Quando as pessoas encontram vestígios arqueológicos, o ideal é nos comunicar de imediato. O Iphan passa a ter uma gestão compartilhada", acrescenta.
A gestora destaca que, ao contrário do que informações falsas repassam, um sítio localizado dentro de um terreno privado não passa a ser propriedade do instituto. “Se o dono quiser fazer alguma intervenção, tem que passar um projeto com o Iphan, contratar um arqueólogo, fazer uma escavação. Podemos paralisar obras. Mas não ‘tomamos’ a terra”, frisa.