Vestígios de presídio do século 18 são encontrados por pesquisadores em praia do Ceará; veja imagens

Registros históricos e objetos antigos no local indicam existência de novo sítio arqueológico

Escrito por
Theyse Viana theyse.viana@svm.com.br
Montagem com três imagens: a primeira é de uma vista do mar e de falésias em Icapuí, no Ceará, de cima de uma área de vegetação; a segunda, do meio, é de uma grande concha marinha branca; a terceira é de um homem e uma mulher vestidos com trajes de arqueólogos em uma área de vegetação.
Legenda: Resquícios naturais e documentos antigos indicam lugar onde ficava um forte para proteger o porto de Retiro Grande, em Icapuí, no Ceará
Foto: Divulgação/Iphan Ceará

Um “novo” pedaço da história do Ceará começou a ser descoberto no município de Icapuí, na divisa cearense com o Rio Grande do Norte. Pedaços de objetos antigos, como louças e cerâmicas, foram encontrados na Praia do Retiro Grande, neste mês, reforçando o que documentos históricos já indicavam: a existência de um forte dos séculos XVIII a XIX na região. 

Em expedições ao local, sinalizado em um mapa antigo, pesquisadores do Projeto Resgate Icapuí encontraram os vestígios, cruzaram dados e concluíram se tratar da localização do presídio antigo.

A descoberta foi comunicada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

A equipe, composta por Augusto César Bastos, do Instituto Histórico, Geológico e Antropológico do Ceará; Ricardo Meira Arruda, do Projeto Resgate Icapuí; e Josué Crispim, mestre da Cultura da cidade e guia de campo; utilizou revisão bibliográfica e cartográfica, informações da tradição oral local e reconhecimento de campo para identificar o presídio. 

Imagem mostra mapa antigo de trecho do litoral leste do Ceará, com âncora e bandeira indicando a presença de porto e fortificação
Legenda: Símbolos de âncora e bandeira na Praia do Retiro Grande aparecem em mapa antigo e indicam presença de porto e de fortificação na região
Foto: Reprodução/Projeto Resgate Icapuí

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Os indícios de que havia essa estrutura de proteção militar no local são fortalecidos pelo registro de um porto em Retiro Grande, em séculos passados. O equipamento para transporte de cargas e de pessoas é citado em publicação do Instituto Histórico, Geológico e Antropológico do Ceará. 

“Existiam dois canhões para dar proteção ao porto, provavelmente neste ponto que encontramos. Ainda não temos a conclusão, porque não foi escavado, mas as peças superficiais demonstraram que existiu ocupação”, complementa Ricardo, pesquisador e documentarista. 

As peças encontradas foram fotografadas, tiveram a localização marcada em GPS e permanecem lá, não podendo ser removidas, sob pena de prejudicar os estudos. O espaço recebeu, no último dia 24 de maio, a visita da arqueóloga e superintendente do Iphan no Ceará, Cristiane Buco. 

Quem vê, vê um monte de caco velho. Mas quem estuda sabe o que é e a importância que tem.
Ricardo Meira Arruda
Pesquisador e documentarista
 

Novo sítio arqueológico 

Imagem mostra grande concha marinha branca, molusco que não existe mais na natureza; ao lado, uma tampa de garrafa plástica azul, para dar dimensão do tamanho da concha
Legenda: Materiais "malacológicos", ou seja, conchas marinhas, ajudam pesquisadores a datar a ocupação antiga do sítio arqueológico
Foto: Divulgação/Iphan Ceará

Para Cristiane Buco, do Iphan, “não há dúvidas de que seja um sítio arqueológico” – e muito maior do que o espaço que já foi identificado. “Encontramos malacológicos (conchas) muito antigos, que já não existem; cerâmicas... É uma região de 300, 400 anos pra trás”, estima. 

A superintendente do instituto explica que existem muitas informações históricas “e etno-históricas” sobre a antiga fortificação na Praia do Retiro Grande, sendo, assim, importante “confrontar, resguardar esses vestígios para que futuras gerações possam visitar esse local, entender o passado”. 

“Essa história de lá começou com canhões que foram encontrados, que indicam a existência de uma fortificação. Um deles parece que está numa propriedade particular e outro na 10ª Região Militar”, informa, sem cravar, contudo, a localização dos artefatos. 

Imagem mostra página de documento de novembro de 1955 atestando a existência de um porto e de fortificações no litoral de Aracati
Legenda: Documento de 1955 cita existência de uma "bateria" de canhões na Praia do Retiro Grande, em Icapuí
Foto: Reprodução/Projeto Resgate Icapuí

Aquela região tinha um antigo rio, que hoje está seco, e era tão largo que servia de porto. É provável que o que a gente vai encontrar é estrutura desse antigo forte e do antigo porto, que está ali pra baixo. É um trabalho mais demorado.
Cristiane Buco
Superintendente do Iphan no Ceará

A importância das descobertas, ela reforça, vai além de preservar a memória do Ceará e conhecer nossa história: “é confirmar alguns dados e trazer novos, porque muitas vezes a História traz um lado da informação da época, e a arqueologia traz outros, dá luz ao contexto”.  

“Será que entraram escravos por ali? Será que encontraremos cachimbos associados a eles? É preciso saber, pra trabalhar melhor essa miscigenação que somos nós. Não é valorizar a colonização, mas compreender todos esses processos”, acrescenta a arqueóloga. 

Imagem mostra um pedaço de cerâmica antiga, ao lado dela uma tampa de garrafa de plástico usada para dar dimensão do tamanho da peça arqueológica
Legenda: Pedaço de cerâmica antiga é rastro arqueológico de ocupação humana de 300 a 400 anos atrás no local
Foto: Divulgação/Iphan Ceará

Os próximos passos, então, são o registro do sítio, a identificação superficial de novos vestígios arqueológicos e, por fim, a escavação, para encontrar estruturas. “É algo que demanda tempo e financiamento, coisa para alguns anos de pesquisa. De imediato, precisamos fazer uma boa prospecção”, detalha. 

Museu de Ponta Grossa 

Do litoral cearense, as praias de Icapuí guardam riquezas históricas que recontam épocas e gentes que passaram pelo Estado. Parte das peças encontradas pela população são guardadas de forma particular, tendo sido retiradas dos locais originais. Com a aproximação entre a comunidade e o Iphan, isso não acontece mais. 

A demanda dos icapuienses, hoje, é pela construção do Museu de Ponta Grossa, nome de uma das praias da cidade. Cristiane Buco revela que, na visita à região, teve reunião com a prefeitura para discutir a possibilidade de criação do equipamento. 

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“A maior parte dos vestígios arqueológicos do Ceará não estão no Ceará. Ainda tem poucas instituições de guarda por aqui, e os arqueólogos pedem pra guardar em outro lugar. Pra repatriar essas peças, precisamos ter condições. E o Museu de Ponta Grossa seria um exemplo de como dar essas condições”, pondera a superintendente do Iphan. 

Segundo Ricardo, documentarista da região, o projeto já existe há mais de 15 anos, e a organização está “em fase de escolha do local e de busca por recursos” para efetivar a ideia. No total, já existem quase 5 mil peças catalogadas, “da pré-história aos dias de hoje”, a serem expostas. 

O que é um sítio arqueológico 

Imagem mostra um arqueólogo usando um chapéu escuro e vestindo um colete com bolsos. Ele está agachado em frente a uma formação rochosa de cor clara, que contém pinturas rupestres vermelhas. À direita do arqueólogo, há uma câmera em um tripé apontada para as pinturas. No canto superior esquerdo da imagem, há vegetação verde, incluindo um cacto alto e fino.
Legenda: Exemplo de sítio arqueológico registrado pelo Iphan no Ceará fica no município de Poranga, na região do Sertão de Crateús
Foto: Acervo Iphan

De acordo com o Iphan, sítio arqueológico é um local onde se encontram vestígios positivos de ocupação humana. “É patrimônio cultural brasileiro, protegido por lei federal. Só a existência dele, independentemente do cadastro, já confere essa proteção, diferentemente dos bens tombados, que precisam passar por um processo de tombamento”, explica Cristiane Buco. 

O novo sítio encontrado no Ceará, portanto, já está protegido. “Qualquer empreendimento a ser feito ali passa a não poder destrui-lo. Quando as pessoas encontram vestígios arqueológicos, o ideal é nos comunicar de imediato. O Iphan passa a ter uma gestão compartilhada", acrescenta. 

A gestora destaca que, ao contrário do que informações falsas repassam, um sítio localizado dentro de um terreno privado não passa a ser propriedade do instituto. “Se o dono quiser fazer alguma intervenção, tem que passar um projeto com o Iphan, contratar um arqueólogo, fazer uma escavação. Podemos paralisar obras. Mas não ‘tomamos’ a terra”, frisa. 

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