De escolas a sítios arqueológicos, mais de 380 ‘bens’ do CE estão em área de litígio com Piauí

No total, 13 municípios ficam na região de litígio entre os dois estados

Escrito por Theyse Viana e Lucas Falconery , ceara@svm.com.br
Legenda: Disputa de terras é centenário e ainda está em análise pelo Supremo Tribunal Federal
Foto: Cid Barbosa

A disputa de território entre Ceará e Piauí, que é centenária e abrange 13 municípios, pode levar a população cearense a perder o acesso a diversos equipamentos públicos – como escolas, postos de saúde e até locais de votação que pertencem ao Ceará, mas estão na área de litígio com o estado vizinho.

As informações são de mapeamento do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), consolidado em 2022 e divulgado nessa terça-feira (20), no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Fortaleza.

A lista com os tipos de “bens” concretos, ambientais e históricos cearenses foi apresentada junto à pesquisa socioeconômica para avaliação de serviços públicos e percepção dos moradores sobre o “sentimento de pertencimento”.

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Juntos, as escolas, unidades de saúde, torres eólicas, Unidades de Conservação (UCs), assentamentos rurais e quilombolas, terras indígenas e sítios arqueológicos somam 383 bens pertencentes ao Ceará, mas localizados no trecho em disputa.

Entre eles, estão o Parque do Cânion Cearense do Rio Poti (entre Poranga e Crateús), a Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti (em Crateús, Poranga e Ipaporanga) e a APA Serra da Ibiapaba.

Além desses bens, constam na lista locais de votação, templos religiosos, estradas, infraestruturas viárias e elétricas, entre outros equipamentos.

Cleyber Nascimento, analista de políticas públicas do Ipece, explica que foi feito um mapeamento de todas as estruturas e infraestruturas construídas e mantidas pelo Ceará. "Em um próximo estudo que nós iremos elaborar é no âmbito do impacto econômico dessas estruturas", adiante.

Existe uma estimativa de que os 13 municípios cearenses na área de litígio representavam, em 2020, cerca de R$ 6,5 bilhões ou 4% do Produto Interno Bruto.

O principal receio da população, quando perguntada se preferia ser cearense ou piauiense, era da identidade cultural e de se perder os serviços públicos que, historicamente, é beneficiada com educação e saúde
Cleyber Nascimento
Analista de políticas públicas do Ipece

Além disso, como observado pelo Grupo de Trabalho, a população busca atendimento nas unidades de saúde regionalizadas, como o Hospital Regional Norte, em Sobral.

Mas, em um cenário no qual o Piauí absorva os municípios atualmente pertencentes ao Ceará, o que aconteceria com os equipamentos públicos?

"Esse ponto ainda vai ser definido pelo Supremo Tribunal Federal, porque há uma série de infraestrutura construída e mantida há bastante tempo pelo Estado do Ceará. Caso o Piauí vença a ação judicial, o STF vai apontar como seria feita uma possível indenização para o Ceará e como ficaria a administração dos serviços públicos", responde Cleyber.

O analista também pondera que georreferenciar equipamentos públicos na região do litígio “contribui para que seja avaliada a jurisdição administrativa das localidades, assim como para que se identifique quem de fato presta os serviços públicos à população residente nessas áreas”.

Acesso aos serviços básicos

Em pesquisa elaborada a partir de entrevistas com moradores de 417 domicílios na área em disputa, foi constatado que a maioria utiliza as estruturas cearenses quando necessita de algum serviço público como saúde, educação ou segurança.

Em domicílios onde algum morador estuda em escola pública, 96,6% estão matriculados no Ceará. Dos entrevistados, 89% confirmam que são atendidos em unidades de saúde estaduais ou municipais cearenses.

Fornecimento de água e energia, bem como acesso a delegacias de polícia, também são garantidos por empresas e equipamentos vinculados ao Ceará.

População prefere ser do Ceará

A pesquisa sobre o sentimento de pertencimento dos cearenses em relação ao território, que integra, além do Ipece, a Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), a Universidade Estadual do Ceará (Uece) e secretarias e órgãos estaduais, destaca também que a maioria (87,5%) da população escolheria ficar no Ceará, caso precisasse optar.

Do total, 81,8% nasceram no estado cearense, e mais da metade vivem na região há mais de 30 anos. Além disso, mais de 90% dos entrevistados afirmaram que a propriedade onde moram é registrada no Ceará.

Entenda o litígio

A disputa entre os dois territórios é centenária, se estende desde registros cartográficos dos anos 1800; mas se firmou no âmbito judicial em 2011, quando o Piauí recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre o impasse. 

A área em litígio é de aproximadamente 3 mil km², abrangendo parte dos municípios de Poranga, Croatá, Tianguá, Guaraciaba do Norte, Ipueiras, Carnaubal, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Ipaporanga, Crateús, Viçosa do Ceará e Granja.

Atualmente, de acordo com o procurador geral do Estado, Rafael Machado, “a ação está em fase de perícia pelo Exército Brasileiro, que vai se ater a documentos históricos e cartográficos”.

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