Para superar desigualdades na educação, é preciso converter diagnósticos em atitude, diz Cida Bento

Psicóloga explica que alto volume de pesquisas e relatórios sobre a educação brasileira precisam ser postos em prática

Escrito por
Clarice Nascimento clarice.nascimento@svm.com.br
Uma foto em close de Cida Bento, uma mulher negra com cabelos afro curtos, segurando um microfone e gesticulando com a mão esquerda enquanto fala em uma palestra. Ela usa um blusa azul de mangas compridas e óculos de armação clara. O fundo é escuro.
Legenda: Para a psicóloga e escritora brasileira Cida Bento, os números e dados da educação brasileira devem ser transformados em ações concretas e monitoráveis
Foto: Divulgação/Instituto Unibanco

Marcada por desigualdades históricas, a educação brasileira vem sendo tema de pesquisas e relatórios ao longo dos anos. Para a psicóloga, escritora e uma das principais vozes antirracistas do Brasil, Cida Bento, esses números e dados precisam ser transformados em ações concretas e monitoradas. A mensagem foi transmitida pela especialista durante o Seminário Internacional de Gestão Educacional, promovido pelo Instituto Unibanco, em São Paulo, no fim de agosto.

“Cada vez mais temos mais evidências, mas elas têm que gerar ação, que tem que ser monitorada”, afirmou a palestrante. Segundo Cida, a chamada “recomposição de aprendizagens” não é uma realidade nova para crianças negras, indígenas e quilombolas. A história escolar desses grupos sempre foi marcada pela evasão e baixo desempenho. Para ela, a crise na aprendizagem que hoje afeta a todos apenas expôs uma fratura histórica. 

“Quando eu falo de recomposição de aprendizagens, isso já é uma realidade para a criança negra, porque a história dela sempre foi do invariável, da evasão escolar, da distorção da idade-série, no desempenho, sempre foi essa realidade. Mas para crianças negras, indígenas e quilombolas, é histórico”, diz. 

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A 5ª edição do Seminário Internacional de Gestão Educacional teve como tema “Recomposição e Avanço das Aprendizagens”. Mais de 800 gestores, professores e especialistas em educação estiveram presentes no local. Cida Bento foi uma das participantes da mesa intitulada “Caminhos para a melhoria das políticas”. 

Identidade racial em sala de aula 

Autora do livro “O Pacto da Branquitude”, Cida Bento explica que a raiz da defasagem no aprendizado é baseada em três séculos de escravidão que deixaram um legado “simbólico e concreto” para negros e brancos. Essa questão se manifesta, por exemplo, no ambiente escolar de forma sutil e indireta. 

“Uma criança negra tem que entender porque o cabelo dela não é bom, por que o cabelo dela é ruim? Porque a pele dela não é boa?”, questiona. Conforme a pesquisadora, existem situações em que professores sentem medo ou desconforto ao lidar com a arte e a cultura africana. 

Uma fotografia de uma mulher negra com cabelo curto e crespo e óculos, sentada em uma grande poltrona moderna em um palco. Ela está segurando um caderno e usando uma blusa azul vibrante e calças listradas em rosa e branco. Duas garrafas de água plásticas e um microfone estão em uma pequena caixa ao lado dela.
Legenda: Cida Bento foi uma das palestrantes do Seminário Internacional de Gestão Educacional, promovido pelo Instituto Unibanco
Foto: Clarice Nascimento

Assim, a ausência de pertencimento e a desvalorização da identidade impactam diretamente na capacidade de aprendizagem. Se uma criança odeia seu cabelo ou sua pele, ou se sua cultura é demonizada, sua atenção e, consequentemente, seu aprendizado são prejudicados.

"Eu tenho que ter atenção para memorizar. Eu não vou ter atenção na parte de mim, [que está] sempre roubada [pensando] por que é que eu sou tratada desse jeito e meu amiguinho, não", declara.

Dessa forma, ela destaca a importância de explicar às crianças negras o valor da sua identidade e, ao mesmo tempo, fazer com que crianças brancas compreendam a construção da sociedade. Assim como em seu livro, ela reforça que a população branca não está fora dessa sociedade desigual e precisam ser parte do plano de ação. “Branquitude não é transparência, é visão de mundo”, afirma.

“É muito importante que a gente consiga explicar para uma criança negra porque que o cabelo dela não é aceito, mas também a gente precisa explicar para a criança branca que esse degrau acima onde as pessoas brancas que lideram as instituições de educação estão, e esse lugar onde ela está tem a ver com uma história que esse país tem [...] Os antepassados dessas crianças deixaram um legado simbólico e concreto para elas”
Cida Bento
psicóloga e escritora brasileira

Para Cida, a proposta é que brancos, negros, quilombolas e indígenas estejam inclusos nos questionários, diagnósticos e programas, para que todos se sintam parte dessa história e a escola se torne um lugar para todos. 

Apesar dos questionamentos, Cida Bento se coloca como otimista em relação à sociedade brasileira. Ela pontua que os avanços são reais e palpáveis, impulsionados pela pressão dos movimentos sociais e pela crescente conscientização em diversos setores. “Tem um momento que a instituição recua, tem um momento que ela avança, tem um momento que ela para, mas ela nunca volta ao ponto anterior, nunca”, afirma. 

Diante disso, o apelo da psicóloga é que os espaços de debate se tornem ponto de partida para a seguinte mudança: usar os diagnósticos e as evidências já existentes para desenhar e implementar planos de ação com monitoramento constante. 

*A repórter viajou a convite do Instituto Unibanco. 

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