O que pode causar alagamentos e inundações como as que ocorreram em Fortaleza e RMF nesta segunda

Especialistas alertam para uso e ocupação irregular do solo e a ausência de um plano diretor ambiental da Região Metropolitana de Fortaleza

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
chuva, Caucaia
Legenda: Moradores de locais vulneráveis são os que mais sofrem com os efeitos das chuvas
Foto: Fabiane de Paula

As fortes chuvas que atingiram a Capital e a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) entre a noite de domingo (12) e a madrugada desta segunda-feira (13) trouxeram uma série de transtornos para moradores de diversos bairros das cidades. Ruas alagadas, casas inundadas, vias interditadas: a série de problemas não é nova, mas acende o alerta para o crescimento irregular de metrópoles que, frequentemente, negligenciam o uso e a ocupação do solo em nome de uma "urbanização desenfreada". 

Engana-se quem pensa que casas irregulares construídas às margens de canais, córregos e rios são as principais vilãs. Especialistas apontam que, na realidade, são as mais impactadas. De fato, não deveriam estar ali, mas o registro frequente de alagamentos em diferentes locais tem relação com outros fatores ambientais que são subdimensionados, como retiradas de árvores de logradouros, aterramento de lagoas e impermeabilização de áreas de inundação de rios e riachos.

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Soma-se a isso o descompasso entre o aumento da rede de drenagem e o crescimento das cidades. Enquanto o primeiro é lento, o segundo é acelerado. É como avaliam especialistas ouvidos pela reportagem. 

Alagamentos, inundações e interdições 

Em Fortaleza, um trecho da Rua Waldery Uchoa, no bairro Jardim América, se transformou em um rio com a cheia do canal que passa pelo local. Na Av. Alberto Craveiro, no bairro Dias Macêdo, vários pontos de alagamentos foram registrados, com a água chegando a invadir um posto de combustível, em locais próximos ao Rio Cocó. No Conjunto Ceará e no bairro Genibaú, moradores tiveram casas inundadas com o transbordamento do Rio Maranguapinho. 

alagamento
Legenda: Chuva desta segunda deixou prejuízos para moradores da Capital
Foto: Fabiane de Paula

Em Caucaia, dois trechos da BR-222 foram bloqueados após um braço do Rio Siqueira, um dos afluentes do Rio Maranguapinho, transbordar e cobrir parte da rodovia. Além dos transtornos no trânsito, a enxurrada adentrou casas e gerou perdas para moradores das comunidades do entorno da rodovia. 

Na Capital, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) registrou uma chuva acumulada superior a 100mm. Em Caucaia, foram 75mm. As precipitações foram causadas pela formação de um conjunto de nuvens Cumulonimbus, que colaboram para chuvas intensas, raios, trovões e rajadas de vento repentinamente. 

Meteorologista da Funceme, Augustinho Brito esclarece que a chuva se concentrou, principalmente, entre 0h30 e 3h da madrugada de segunda, o que fez com que um grande volume de água caísse em um curto intervalo de tempo. Ele ressalta, inclusive, que o mês de maio não é um dos maiores em registro de índices pluviométricos, mas chuvas intensas podem ocorrer no período. 

"O mês de maio, de acordo com a normal climatológica de 1991-2020 do INMET, chove em média em Fortaleza 229 mm, sendo que o mês de abril é o que tem os maiores índices pluviométricos, com valor 385 mm. Mas os valores de maio não podem ser desprezados, e chuva intensas podem ocorrer nesse período também — principalmente com instabilidades provenientes do oceano Atlântico", explicou. 

Causas 

Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro "Fragilidade e Riscos Socioambientais em Fortaleza", Jader Santos explica que o sítio urbano da Capital é, em sua maioria, formado por terrenos sedimentares. Ou seja, com alta permeabilidade. Além disso, o município tem pouco declive, sendo em sua maior parte plano, o que favorece o acúmulo de água na superfície. 

Dias Macêdo
Legenda: Moradores de comunidades próximas de leitos de rios são as que mais sofrem com alagamentos
Foto: Fabiane de Paula

Com o crescimento da cidade, espaços de concentração de vegetação que levavam a água para o solo, fazendo o escoamento natural, foram sendo retirados para dar lugar a casas, prédios, vias e empreendimentos. Ainda que haja um replante de parte das árvores em outro território, o terreno desmatado fica suscetível a transtornos causados pelas intempéries, como esclarece Jader Santos. 

"Historicamente, a ocupação da cidade promoveu uma grande impermeabilização. Então, áreas que infiltravam passaram a não infiltrar mais para escorrer por canais, córregos. Só que, com o tempo, quanto menos espaço essa água tiver para escoar naturalmente, mais vai aumentar o volume nos canais. Quando chega um grande volume de água de precipitações, essa água que acumula na superfície porque demora a escorrer naturalmente, enche canais e chega no rio com uma maior velocidade do que normalmente ela chegaria, podendo ocorrer transbordamentos, porque ela está infiltrando menos, então, vai ocupar uma grande área", explica. 

O professor também pontua uma série de outros fatores que contribuíram com a alta impermeabilização da Capital. 

"Desmatamento, ocupação das planícies de inundação - que é aquela área que o rio iria ocupar em período de cheias-, impermeabilização com asfalto e materiais que não permitem a permeabilidade do solo, ausência de medidas não estruturais de contenção de cheias, como manutenção da vegetação, manutenção de reservatórios naturais, como lagoas; e a ocupação irregular do solo, que não é só por moradia precária, mas também por grandes condomínios, vias, empreendimentos comerciais. Essas ocupações de baixa renda são muito mais vítimas do que culpadas" 
Jader Santos
Professor do Departamento de Geografia da UFC

Em Caucaia, ele ressalta que os fatores que causaram alagamentos são os mesmo de Fortaleza, com um agravante que, nas regiões afetadas, a ocupação das áreas de inundação dos rios é maior, o que consequentemente facilita a entrada da água nas casas. 

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Soluções 

Também professor do Departamento de Geografia da UFC, Alexandre Pereira ressalta que algumas medidas podem ser tomadas para evitar os problemas históricos. Dentre elas, ele cita redimensionamento do sistema de drenagem das cidades, com aumento das galerias, alargamento e aprofundamento de canais, construção de canteiros permeáveis, pavimentos de vias permeáveis, preservação da mata nativa e replantio de plantas nas áreas urbanizadas. 

"As cidades cresceram e impermeabilizaram o solo, principalmente em Fortaleza. Nas áreas de residência, muitas vezes você não tem espaços de permeabilização. Além de tudo isso, você tem infraestrutura subdimensionadas, sistema de escoamento pluviométrico feito para uma cidade que cresce muito mais rápido do que essa estrutura, você tem redução de área verde. É preciso fazer um estudo para que o sistema de drenagem acompanhe o crescimento da cidade" 
Alexandre Pereira
Professor do Departamento de Geografia da UFC

O professor reforça, ainda, a necessidade de se investir em educação ambiental e reforçar ações de limpezas em vias, córregos e canais para evitar o problema.  

lixo em rio, Rio Maranguapinho
Legenda: Descarte irregular de lixo é apontado como um dos fatores que contribuem para alagamentos, mas gestões precisam trabalhar educação ambiental e políticas de ocupação do solo
Foto: Fabiane de Paula

 "Tem que haver limpeza, mas as gestões têm que pensar o porquê aquele lixo continua ali e aumentando. Você pode triplicar o recurso para coleta, mas nunca irá acompanhar a produção de lixo sem educação ambiental. Precisa equilibrar essa lógica de coleta, tratamento e reciclagem" 
Alexandre Pereira
Professor do Curso de Geografia da UFC

Jader Santos acrescenta, ainda, a urgência para que os municípios da RMF se unam e elaborem um plano diretor ambiental, a fim de planejar ações conjuntas para o crescimento urbano das cidades sem desconsiderar os fatores socioambientais. Para ele, as intervenções devem ser desenvolvidas em parceria, uma vez que os rios Cocó e Maranguapinho, por exemplo, atravessam os municípios. Dessa forma, o que for feito por uma cidade, pode impactar na outra. 

Ações 

Por meio de nota enviada pela Defesa Civil, a Prefeitura de Fortaleza informou que trabalha permanentemente monitorando as chuvas e o impacto à população, com planejamento e ações objetivas. 

Dentre as medidas já realizadas, o Município citou:  

  • investimento de 1,5 bilhão em 12 bairros com foco no saneamento básico e mitigação de alagamentos;  
  • 605 ações de limpeza de canais e lagoas;  
  • 20.857 desobstruções de bocas de lobo. 

Segundo a gestão da Capital, mais de 300 quilômetros de vias já foram requalificados com piso intertravado e sistema de drenagem. Além disso, a Defesa Civil informou que dispõe de investimento de R$ 1 milhão para ações pontuais, que exigem resposta rápidas. 

"As verbas envolvem desde a compra de material assistencial (cestas básicas, redes, mantas, colchonetes, sacos de ráfia e lona) até o pagamento do Aluguel Social a 130 famílias, por mês, atualmente, além da locação de máquinas para fazer o serviço pesado da limpeza mecânica dos recursos hídricos", reforçou a nota. 

O coordenador da Defesa Civil de Caucaia, Marcio Pedrosa, informou que as áreas atingidas no município já estão mapeadas como áreas de risco. Além disso, ele reforçou que o órgão monitora o volume dos rios e realiza ações preventivas, como limpezas. 

"A gente acompanha (os rios), faz esse monitoramento com ações de limpeza e através dos pluviômetros nessas áreas que já são mapeadas", reforçou. 

Por meio de nota, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) informou que acompanha as barragens do Cocó e Maranguapinho em sintonia com a Defesa Civil de Fortaleza. Como medida de segurança, as comportas dos reservatórios são abertas antes da quadra chuvosa, para que os locais possam armazenar água em caso de fortes chuvas, evitando a injeção de um maior volume nos caminhos dos rios. 

"As comportas de liberação de ambos os reservatórios (que funcionam como grandes torneiras) são abertas antes do início da quadra chuvosa para que açudes sejam mantidos em baixos níveis. Com isso, o objetivo é atingir “cota de espera”, de modo que possam represar e amortecer as futuras cheias que virão durante a quadra chuvosa. Caso ambos os reservatórios atinjam a cota de sangria, não há como exercer controle junto às vazões", explicou a nota. 

Neste ano, conforme a Cogerh, o açude do Cocó não registrou sangria, já o Maranguapinho teve "rápidos eventos, porém já cessados". 

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