O que o Spaece diz sobre o aprendizado de português e matemática na rede pública de Fortaleza
A avaliação externa, realizada anualmente pela Seduc nos 184 municípios cearenses, evidencia os níveis de aprendizado dos estudantes do 2º, 5º e 9º ano do ensino fundamental
As redes públicas de ensino do Ceará, de modo geral, conseguiram, em 2023, recuperar níveis de aprendizado que haviam caído drasticamente na pandemia de Covid. Os dados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), monitoramento das 184 cidades do Ceará, feito anualmente pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc), apontam o retrato mais atualizado do desempenho dos estudantes.
Os resultados do Spaece 2023, divulgados no final de maio, evidenciam a realidade por escola e cidade. Assim, como se saíram os estudantes da maior rede pública do Ceará? Qual o nível de aprendizado nas escolas de Fortaleza? E quais os êxitos e obstáculos detectados?
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O Spaece é a avaliação externa, anual e censitária feita, há décadas, pela Seduc e inclui alunos do 2º ano, 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio. Os primeiros, crianças do 2º ano, são avaliados em português (Spaece-Alfa), pois o foco é a alfabetização e o letramento até os 8 anos de idade, e os das demais etapas em português e matemática.
Na mais recente divulgação, a Seduc, como faz geralmente no primeiro semestre de cada ano, apresentou os resultados do Spaece aplicado no ano anterior aos estudantes do ensino fundamental. Nessa etapa de ensino, de modo geral, as redes estão sob a responsabilidade das prefeituras.
O Diário do Nordeste analisou os dados do Spaece 2023 referentes à Fortaleza, ouviu especialistas da área da educação e também o secretário municipal de educação da Capital, Jefferson Maia, e aponta os destaques evidenciados na avaliação da qual cerca de 54,1 mil alunos da rede municipal participaram.
93,9% de crianças alfabetizadas
Na Capital, um dos primeiros pontos é que o Spaece-Alfa apontou um índice de alfabetização de 93,9%, ou seja, essa é proporção de crianças matriculadas no 2º ano do ensino fundamental (série cuja ação pedagógica tem como foco a alfabetização) nas escolas públicas da Prefeitura, em 2023, foram alfabetizadas na idade certa.
Nessa etapa, 17.883 estudantes fizeram a avaliação. Destes:
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14.898 tiveram desempenho desejável, com alunos conseguindo atingir um patamar além do que é considerado essencial para sua etapa de escolaridade;
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1.898 tiveram desempenho suficiente, com os alunos consolidando as habilidades consideradas mínimas e essenciais para sua etapa de escolaridade;
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889 com desempenho intermediário, com alunos ainda não demonstrando um desenvolvimento satisfatório das habilidades esperadas para sua etapa de escolaridade;
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186 com alfabetização incompleta, onde os alunos realizam tarefas ainda próximas ao padrão daquelas não alfabetizadas
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12 alunos não alfabetizados, com estudantes apresentando uma significativa carência de aprendizagem em relação às habilidades previstas para sua etapa de escolaridade.
Em 2022, a proporção era de 75,2%. Mas, naquela avaliação, os efeitos da pandemia foram expressivos. Com 93,9%, Fortaleza retorna ao patamar semelhante ao de 2019, quando o índice de alfabetização registrado foi de 94,4%. Para o secretário municipal de Educação, Jefferson Maia esse é um dos principais pontos a ser comemorado.
“Até 2019, Fortaleza vinha num processo de recuperação significativo do percentual de crianças que se alfabetizaram na idade certa. Em 2021, era 53%. A pandemia trouxe um quebra não só para Fortaleza, mas para todos os municípios do Estado porque houve a interrupção da atividade presencial e isso impactou na alfabetização de crianças”, afirma.
De acordo com ele, o resultado evidencia que a estratégia de recuperação de aprendizagem pós-pandemia funcionou e foi possível “superar o impacto negativo do intervalo da pandemia e voltar a patamares de crescimento como nós tínhamos antes”.
A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Alfabetização (Gepa), Maria José Barbosa, destaca que mesmo Fortaleza tendo apresentado um cenário parecido com o de 2019, “podemos dizer que houve evolução”.
Isso porque, explica ela, “as crianças que hoje estão no segundo ano, tiveram a educação infantil ainda na pandemia, então não tiveram a oportunidade de interagir com outras crianças, de refletir sobre situações de leitura e escrita, como é próprio a sua idade”. Nesse sentido, diz ela, o resultado reflete “superação”.
Capital não fica entre as maiores proficiências
O Spaece também mede os níveis de proficiência, a partir de uma escala que incluiu categorias e uma pontuação numérica, que aponta o desenvolvimento dos estudantes em cada etapa de escolaridade. No Spaece-Alfa a escala é dividida nos seguintes níveis: não alfabetizado; alfabetização incompleta; intermediário; suficiente e desejável. Já no 5º e 9º ano, as dimensões são: muito crítico, crítico, intermediário e adequado.
Cada etapa tem uma pontuação distribuída da seguinte forma:
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2º ano Português
De 0 a 150
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5º ano Português
De 0 a 225
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5º ano Matemática
De 0 a 300
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9º ano Português
De 0 a 325
-
9º ano Matemática
De 0 a 325
Nesse caso, Fortaleza embora tenha proficiências que não são negativas, também não fica entre as maiores do Estado. No caso do português, o resultado de 2023 coloca a Capital em 145ª e a 135ª posição entre os 184 municípios, no desempenho dos alunos do 5º e 9º ano, respectivamente.
Já no caso da matemática, dentre as 184 cidades, Fortaleza fica na 171ª e 166ª posição, no desempenho dos estudantes do 5º e 9º ano, respectivamente.
Proficiências de Fortaleza
5º ano - Português
Proficiência média do Estado: 237,50
Proficiência de Fortaleza: 226
145ª proficiência no Estado
5º ano - Matemática
Proficiência média do Estado: 244,63
Proficiência de Fortaleza: 216
171º proficiência do Estado
9º ano - Português
Proficiência média do Estado: 263,23
Proficiência de Fortaleza: 259
135ª proficiência do Estado
9º ano - Matemática
Proficiência média do Estado: 260,73
Proficiência de Fortaleza: 243
166ª proficiência do Estado
Segundo o secretário, nesse quesito há duas questões: o tamanho da rede e a complexidade socioeconômica dela. “É fato que não somos a maior proficiência do estado, que não estamos entre as dez maiores proficiências. Mas é fato que não somos mais o penúltimo município dessa relação e que o Spaece não olha para ranking. Ele olha para cada município”, completou.
A professora e pesquisadora Maria José Barbosa também aponta que é preciso “olhar em que condições se desenvolvem as aulas destas crianças, como são as salas de aula, que recursos os professores dispõem para suas aulas, se os professores têm acompanhamento pedagógico satisfatório”.
De acordo com ela, Fortaleza tem uma “rede ampla, e muitas escolas com péssima estrutura predial, com poucos recursos, as iniciativas ainda são fracas apesar de já termos boas escolas, mas não são a maioria como deveria ser”.
Ela aponta que a “escola também precisa acompanhar as necessidades da sociedade. Se a escola está em um local vulnerável lá devem ser alocados mais do que professores e funcionários técnicos, necessitamos de redes de apoio, como psicólogos, assistentes sociais, psicopedagogos. Não dá para esperar apenas pela ação dos professores da gestão, que ficam nestes espaços buscando sozinhos contornar as condições que se apresentam”.
O pesquisador e professor da área de Fundamentos, Política e Gestão da Educação do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Anderson Gonçalves Costa, destaca que para entender os resultados de Fortaleza “é importante ter em consideração o contexto da política educacional dos municípios cearenses fortalecida pelo regime de colaboração com o Governo do Estado”. Ele explica que muitos municípios, a partir da cooperação estadual, instituíram, desde o final dos anos 2000, “políticas municipais que possibilitaram maiores proficiências no Spaece”.
De acordo com ele, “esses municípios, em sua maioria de pequeno porte, possuem desafios próprios a sua realidade, mas que são equacionados no contexto de uma política educacional com objetivos bem estabelecidos. O que se soma à gestão educacional de Fortaleza é a complexidade da rede de ensino somada aos desafios característicos de toda metrópole brasileira, como a violência, a mobilidade, a oferta urbana e as vulnerabilidades sociais”.
Desempenho do 9º é pior do que o do 5º ano
No caso do padrão de desempenho dos estudantes da rede municipal de Fortaleza, se observado por etapas, em português, o 5º ano é considerado adequado, e no 9º intermediário, ou seja, um nível abaixo.
Na matemática, no 5º ano o nível é intermediário e no 9º é crítico. Um cenário semelhante com uma certa “regressão no desempenho” com o avançar das etapas.
O secretário destaca que tanto no 5º como no 9º o município melhorou nos resultados entre 2022 e 2023. “Um crescimento pequeno, mas um crescimento que mostra que estamos começando a apontar para um crescimento estabilizado nessa rede”, apontou.
Mas, reforça que o 9º ano é, de fato, um desafio de Fortaleza, que não está restrito à Capital mas as redes país afora. Para tentar reduzir esse gargalo, explica Jefferson, algumas apostas têm sido feitas pelo poder público, como o desenvolvimento de políticas pedagógicas focadas no fundamental II, a exemplo da construção de escolas de tempo integral nessa etapa e aumento dos programas de ampliação de jornada.
“Demos prioridade para esse público porque percebemos uma necessidade maior de fortalecimento da aprendizagem deles”, destaca e acrescenta que isso inclusive na análise feita pela Prefeitura de Fortaleza sobre o desempenho dos alunos das escolas de tempo integral aponta que ele “é melhor do que o da rede como um todo”, diz o secretário.
O pesquisador e professor, Anderson Gonçalves Costa, destaca que o debate sobre os resultados dos anos finais do fundamental ocorre há anos e pondera que “essa discussão é um tanto quanto complexa e requer considerar as especificidades dessa última etapa”.
Isso porque, segundo ele, 9º ano, assim como as demais séries dos anos finais, “é marcado pela ampliação e complexidade dos conteúdos”, além desse segmento “apresentar particularidades no que diz respeito ao desenvolvimento da faixa etária a que atende, dos 11 aos 14 anos”.
Ele reitera que: “iniciativas já conhecidas como de ampliação da jornada escolar podem contribuir com esta celeuma. O próprio Estado do Ceará tem reconhecido esse desafio e ampliado suas políticas para atender especificamente o segmento dos anos finais, caso do Mais Paic”.
Como os resultados do Spaece devem ser avaliados?
A exemplo de outras avaliações externas conduzidas pelas secretarias estaduais de educação no Brasil, o Spaece busca evidenciar qual a situação das redes e o desempenho dos alunos, sendo um instrumento bastante reconhecido na política educacional, por meio do qual é possível traçar ações para a melhoria dos níveis de aprendizado. Mas na interpretação dos dados é necessário considerar algumas ponderações.
A professora e pesquisadora Maria José Barbosa argumenta que o Spaece é realizado na conclusão de ciclos e que é preciso pensar que “ estes resultados advém do desempenho que é influenciado por fatores diversos: históricos, socioculturais, acompanhamento familiar dos estudos, em que condições estuda na escola, dentre outros. Então, reflete “é um resultado que é um somatório de muitas condições”.
Ela reforça que é preciso estar atento para o fato de que “não ocorreu uma Olimpíada da Alfabetização, mas um exame para diagnosticar as condições em que se encontra a alfabetização nos municípios e os resultados devem servir para tomada de decisão”.
O pesquisador e professor Anderson Gonçalves Costa também reforça que os resultados devem ser “analisados à luz das condições em que são obtidos” . Para ele, não é possível considerar apenas os números, “sob o risco de fazer mau uso dos resultados”.
Ele reforça que “escolas e municípios têm um importante instrumento de avaliação de políticas públicas, mas devem ter consciência dos limites que avaliações, como o Spaece, assumem, ou mesmo aquilo que podem esconder ‘atrás’ das médias divulgadas”.
Onde conferir os resultados do Spaece
Os resultados por cidade e por escolas podem ser acessados no site da Seduc.