O que diz a ‘Declaração de Fortaleza’, apresentada no fim da Reunião Mundial sobre Educação no CE?
Documento tem “as digitais da sociedade civil”, ao abordar a garantia da educação como um direito e conter debates sobre acesso, permanência e qualidade da Educação, além do olhar para populações mais marginalizadas.
Realizada nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, a Reunião Mundial sobre a Educação — ou Global Education Meeting (GEM) — chegou ao fim com a adoção da Declaração de Fortaleza, em que autoridades firmam o compromisso de adotar medidas para acelerar o progresso rumo ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4). Para isso, o documento destaca a necessidade de aumentar o investimento na educação.
O GEM compôs a programação da Semana Ceará: Centro Global da Educação, que ocorre até este sábado (2), e foi organizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Além dele, o Centro de Eventos do Ceará também recebeu reuniões técnicas e ministeriais do Grupo de Trabalho de Educação do G20.
Com prazo estabelecido pela Agenda 2030, o ODS 4 visa assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos. A cinco anos do fim do prazo, a Declaração de Fortaleza alerta para a gravidade da atual crise global da educação.
“Quase 251 milhões de meninos, meninas e jovens seguem sem escolaridade e quatro em cada dez jovens abandonam a escola prematuramente”, destaca o documento. No Brasil, o ministro da Educação, Camilo Santana, chamou atenção para as 68 milhões de pessoas que não concluíram a educação básica.
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O documento ainda aponta que governos e líderes globais devem reconhecer que o investimento na educação não deve ser reduzido e é estratégico a longo prazo, uma vez que “revitaliza a economia, promove a resiliência e a inovação, reduz as desigualdades e promove coesão social, estilos de vida sustentáveis, paz e segurança”.
A Declaração consolida os principais pontos obtidos em 10 consultas com todas as regiões e constituintes, realizadas de julho a setembro de 2024 e lideradas pelo Comitê de Direção de Alto Nível do ODS4. Ela tem caráter não vinculativo e, com isso, não ganha peso de legislação nos países.
“A Declaração de Fortaleza faz uma chamada para ação e mostra a importância de termos novas abordagens na educação com estratégias que possam garantir a equidade e a inclusão. E ela, mais uma vez, sublinha a importância de aumentarmos o financiamento da educação”, destaca Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil.
Sempre gosto de lembrar que o gasto em educação não é gasto, é investimento, porque a educação é a única política que pode garantir que a gente quebre o ciclo transgeracional da pobreza.
Para enfrentar os desafios, as autoridades comprometeram-se a adotar medidas referentes a:
- Clima e Meio Ambiente
- Paz e Direitos Humanos
- Igualdade de Gênero
- Saúde, Nutrição e Bem-estar
- Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) e Transformação Digital
OLHAR SOBRE A DECLARAÇÃO DE FORTALEZA
Coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e parte da Coordenação Global da Consulta Coletiva de ONGs do Mecanismo Global de Monitoramento do ODS 4, Andressa Pellanda destaca que a Declaração de Fortaleza tem “as digitais da sociedade civil”, ao abordar a garantia da educação como um direito. Nela, constam debates sobre acesso, permanência e qualidade, além do olhar para populações mais marginalizadas.
Além disso, ela aponta que o documento incorporou a proposição da sociedade civil referente ao uso ético e responsável da tecnologia. “Mas ainda é muito leve perto do que deveria ser para garantir, de fato, o uso responsável, com privacidade de dados e direitos digitais para a área da educação. Então, ainda é algo que precisa avançar nessa discussão para a gente de fato não ter mais violações de direitos”, pondera.
Ela também critica alguns financiamentos inovadores para a educação presentes na Declaração. Uma das propostas é um mecanismo de empréstimo do mercado financeiro para o estado ou diretamente para o aluno ou para a escola — uma relação que ela caracteriza como “muito desigual”. Há ainda uma ideia de investimento baseado em resultados.
À medida que um país está dando resultado na educação ou um estudante está dando resultado na nota, continua investindo. Caso não, retira-se o investimento — o que aprofunda a desigualdade. (…) Fizemos muitas crítica, tentamos tirar isso do documento, mas ainda permaneceu e a gente está aqui (no GEM) para discutir essas questões. Tem evidências científicas que mostram o aprofundamento da desigualdade nesses mecanismos.
Por outro lado, ela aponta que o mecanismo chamado de “debt-for-education swaps” — em que dívidas são perdoadas em troca de investimento em educação — é “interessante”, apesar de não resolver inteiramente o problema global. “É parte de uma solução alternativa”, aponta.
COMO ESTÁ O PROGRESSO RUMO AOS ODS?
Adotado em 2015 pelos 193 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” estabelece 17 Objetivo de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas com foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas e na conservação e proteção do planeta. A poucos anos do prazo final, caso nada mude, a perspectiva é de que os ODS não serão atingidos.
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Ao longo de dois dias de programação, o GEM promoveu sessões de Revisão do Progresso do ODS 4. Andressa Pellanda aponta que, no mundo, muitas metas ainda não foram alcançadas. “Já faz anos que a gente vai para o Fórum Político de Alto Nível, onde se faz o balanço de todos os ODS, e o discurso do secretário-geral e todos os relatórios de monitoramento da ONU apontam para chegarmos a 2030, se continuar assim, sem cumprir com a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis”, afirma.
Na tarde desta sexta-feira (1º), o Diário do Nordeste conversou com Refaat Sabbah, presidente da Campanha Global pelo Direito à Educação (CGE), e Nelsy Lizarazo, coordenadora da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação e vice-presidente da CGE. Ambos fazem parte do Comitê Gestor de Alto Nível de Monitoramento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (HLSC, sigla em inglês).
Refaat Sabbah também acredita que o mundo está longe de atingir as metas estabelecidas. Ele destaca que, em alguns países, a situação está ainda pior do que antes devido ao aumento de conflitos, como na Ucrânia e no Sudão. Além disso, há locais, como a Palestina, onde o sistema educacional parou de funcionar. “Tenho receio de que, em 2030, não tenhamos atingido 50% do que esperamos”, afirmou ele.
Estudos mais recentes sobre ODS4 e toda a Agenda 2030 mostram que ainda estamos longe de atingi-los, aponta Nelsy Lizarazo. Quando esses documentos foram publicados, ela diz que houve discussão sobre a possibilidade de revisar os objetivos e as metas. “A boa notícia é que, em geral, a posição foi: ‘não vamos fazer isso, o que temos que fazer é tentar acelerar’. E esse é o sentido de estarmos reunidos”, complementou.
Além disso, Nelsy afirma que, para o GEM 2024, percebe um avanço no processo de consulta e escuta às distintas vozes envolvidas no processo de criação da Declaração de Fortaleza. “Creio que vai ser muito difícil, mas também vejo uma preocupação em atingir (as metas)”, diz.