Navios, avião e torre: orla de Fortaleza tem pelo menos 12 naufrágios; conheça histórias

Algumas à vista e outras de difícil acesso, estruturas guardam parte da história náutica da cidade

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Mais famoso naufrágio de Fortaleza, Mara Hope encalhou em 1985
Foto: Fabiane de Paula

Por vários motivos, como choques e panes, embarcações podem afundar e se transformar num naufrágio. Sendo uma reconhecida zona portuária, Fortaleza não está alheia a esses acontecimentos e acumula, pelo menos, 12 naufrágios mapeados e investigados por pesquisadores ao longo de mais de 150 anos. As ocorrências incluem até um avião e uma torre.

As estruturas afundadas fazem parte da historiografia naval cearense, como lembra Marcus Davis Braga, mergulhador profissional da operadora Mar do Ceará e mestre em Ciências Marinhas Tropicais. Na Capital, elas se concentram na Enseada do Mucuripe e na área da Ponte Metálica. Para o pesquisador, os naufrágios guardam pedaços da história marítima de Fortaleza. 

“Eles mostram as embarcações que aqui frequentavam, o que traziam e por que traziam, algumas com barris de cimento que talvez fossem usados para construir os primeiros edifícios. Tudo isso vai montando um quebra-cabeça de como foi construída a nossa cidade e, consequentemente, quem somos nós”, pensa.

As próprias regiões dos naufrágios contam histórias. O mais antigo trapiche - estrutura para atracação de barcos - ficava anexo à alfândega, na região onde hoje é a Indústria Naval do Ceará (Inace). O próximo foi a Ponte Metálica, no Poço da Draga, que funcionou do começo do século XX até 1954. Desde 1947, as atividades foram aos poucos sendo transferidas para o Porto do Mucuripe.

O mais famoso dos naufrágios talvez seja o Mara Hope, petroleiro fabricado na Espanha que explodiu e estava sendo rebocado para desmonte, quando apresentou problemas próximo ao litoral de Fortaleza e encalhou em 1985. Desde então, ele compõe a paisagem da orla.

Para Marcus Davis, a curiosidade despertada por esses acontecimentos tem relação com o próprio mar, um ambiente geralmente visto como hostil, mas também místico. 

“Um naufrágio é como se a gente tivesse uma amostra dessa vida de fascínio congelada, guardada. Tem também a questão trágica, que envolve histórias de coragem e sobrevivência, e a importância na construção da cidade, do que é ser fortalezense. São uma grande pincelada da maritimidade de Fortaleza”, descreve.

Legenda: Navio Amazônia afundou após inclinação, e sua carga foi levada pelo mar
Foto: Reprodução/Mar do Ceará

Confira abaixo uma retrospectiva dos veículos afundados na orla fortalezense:

Paraense (1867)

O cargueiro a vapor de médio porte foi encomendado por uma empresa inglesa para levar produtos como algodão e café na linha Fortaleza-Liverpool. Porém, segundo Marcus Davis, no primeiro ano de serviço, o navio bateu em pedras e encalhou. Tempos depois, ele foi dinamitado para minimizar os obstáculos à navegação. “Hoje ainda tem as caldeiras, quilha, costados. Ele desapareceu da história, mas está lá embaixo”, comenta o mergulhador.

Cearense (1897)

Originalmente um navio de mais de 100 metros de comprimento, é possível que tenha sido utilizado para dragagem (remoção de sedimentos do fundo do mar) e nomeado a localidade do Poço da Draga. Seu registro e posição estão nos arquivos da Marinha Brasileira. Segundo os mergulhadores, agrega muita vida marinha, mas o mergulho é complicado “devido à baixa visibilidade da água na maior parte do ano”.

Rose (1897)

Embarcação com casco de madeira, levava uma carga de barris que foi “petrificada” após anos submersos. Nos mergulhos, podem ser avistados sua âncora, corrente e cabeços de amarração.

Torre de Sondagem (1932)

Uma plataforma flutuante naufragou em 1932, não sendo possível ser recuperada. Dela, só restou parte da estrutura de uma torre usada para sondagens (como verificação do tipo de fundo, profundidades, etc) durante o planejamento da construção do Porto do Mucuripe.

Avião T-33 (1967)

No dia 22 de outubro daquele ano, o caça modelo T-33 da Força Aérea Brasileira (FAB) caiu na água durante as demonstrações da Semana da Asa, em frente ao Clube Náutico. O acidente ocorreu após a ponta da asa tocar a superfície da água; o avião despedaçou-se e o piloto morreu.

Legenda: Beny afundou em 1969, próximo ao Porto do Mucuripe
Foto: Reprodução/Mar do Ceará

Beny (1969)

Vindo do Maranhão, o navio carregava sal. Estava ancorado para reparos no Porto do Mucuripe, mas, na manhã do dia 18 de janeiro, começou a adernar (inclinar) para bombordo (lado esquerdo). A tripulação lançou a carga ao mar, mas a manobra não foi suficiente. No dia seguinte, o Beny naufragou completamente. Partes de sua estrutura podem ser vistas fora d'água, “mas as condições de mergulho são difíceis”.

Amazônia (1981)

O cargueiro trazia grande quantidade de madeira e contêineres com eletrodomésticos, relógios, roupas e outros produtos. A caminho do Porto do Mucuripe, adernou a boreste (lado direito) no dia 2 de novembro e naufragou. Nos dias seguintes, a carga se desprendeu do navio e, encalhada nas praias da Leste-Oeste, foi saqueada por moradores locais.

Mara Hope (1985)

O Mara Hope foi ancorado para conserto no Porto do Mucuripe, quando se soltou das amarras durante a noite e derivou cerca de 2 milhas até encalhar. Foi totalmente retalhado para a remoção de peças e metais que poderiam ser reaproveitados. Nos últimos 40 anos, é uma figura marcante da orla, mas vem apresentando cada vez mais desgastes pela ação da maresia. “Eu não recomendo visitar nem subir nele, como a gente fazia há alguns anos. Hoje em dia, é muito arriscado”, afirma Marcus Davis.

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Bravamar X (2009)

Naufrágio mais recente, a balsa de transporte parou em agosto daquele ano enquanto era rebocada. Após diversas tentativas de reflutuação, o veículo permanece no fundo do mar, a cerca de 10 metros de profundidade.

Seawind (2012)

O cargueiro búlgaro afundou em 29 de junho de 2012. Ele estava ancorado no Porto do Mucuripe desde julho de 2011, impedido de prosseguir viagem por causa de dívidas e queixas trabalhistas. Possivelmente devido à corrosão marinha e a infiltrações na estrutura, o navio afundou completamente. O naufrágio gerou vazamento de óleo na região. 

Naufrágio do Aterrinho (data incerta)

Sem registro oficial, o casco de ferro fica a seis metros de profundidade. Conforme os relatos de pescadores, era um barco de pesca que se soltou das amarras enquanto era transportado para o estaleiro da Inace.

Naufrágio da Ponte (data incerta)

Em imagens de 1906, partes do navio com casco de ferro já apareciam em fotografias, sugerindo que o sinistro ocorreu antes desta data. Naufragado junto à Ponte Metálica, tinha cerca de 50 metros de comprimento, leme, hélice, e outras estruturas, mas foi soterrado por obras recentes na região da orla. 

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