IBGE: mais de 1,2 mil pessoas registradas nos cartórios do Ceará em 2022 tinham pelo menos dez anos

A falta de documentação limita o acesso a serviços de saúde e educação, além de impedir um enterro digno

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(Atualizado às 14:20)
Certidão de nascimento
Legenda: Entre as regiões brasileiras, o Norte se destaca, com o registro de pessoas com dez anos ou mais representando 2,8% do total feito em 2022, enquanto no Sudeste esses casos representaram 0,3%
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A maior parte das 116 mil pessoas registradas nos cartórios do Ceará em 2022 nasceram naquele mesmo ano. Mas 1,2 mil delas já tinham pelo menos dez anos de idade e ainda não tinham certidão de nascimento. Nesse grupo, há inclusive pessoas nascidas na década de 1960 — e até antes — que receberam o documento dois anos atrás.

Os dados são das Estatísticas do Registro Civil 2022, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última quarta-feira (27). A publicação investiga informações dos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais sobre nascidos vivos, casamentos, óbitos e óbitos fetais informados pelos, além de divórcios judiciais e extrajudiciais.

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O levantamento do Diário do Nordeste considerou as informações sobre nascidos vivos, por ano de nascimento e lugar do registro, e calculou o percentual de pessoas registradas no Ceará em 2022 que nasceram em 2012 ou em anos anteriores. Ao todo, foram 1.214 casos desse tipo — o que representa 1% do total no Estado.

Em mais da metade dessas ocorrências, a pessoa registrada foi uma mulher (52,3%) e a idade da mãe à época do parto foi ignorada (55%).

Regiões e municípios do Ceará

Na distribuição pelo Estado, o registro de pessoas que já tinham dez anos de idade ou mais foi proporcionalmente maior no Sertão dos Inhamuns. Nos cinco municípios que compõem essa região, houve 49 casos — sendo 47 deles em Tauá — entre o total de 1.633 registros (3%).

Em seguida, aparece o Sertão dos Crateús, com 107 ocorrências em meio a 4.089 registros de nascidos vivos. Elas estavam distribuídas em dez dos 13 municípios da região, e a cidade de Crateús reuniu 27% delas (29 casos).

Juntos, os nove municípios da Serra da Ibiapaba, por outro lado, têm a menor proporção desse tipo de registro. Neles, houve 30 casos entre mais de 5,7 mil registros de nascidos vivos — o que representa aproximadamente 0,5%. No Maciço de Baturité, onde sete das 13 cidades tiveram 15 casos, a proporção foi de cerca de 0,6% do total de registros na região.

Nas cidades cearenses, as maiores proporções desse tipo de caso ocorreram em Ipaporanga e Hidrolândia — ambas localizadas no Sertão dos Crateús. Nesses municípios, eles representaram 17,6% e 10,3% do total de registros do ano, respectivamente.

Dados nacionais

Considerando as estatísticas de todo o Brasil, esse tipo de caso representa aproximadamente 0,9% de todos os registros de 2022. A região Norte se destaca, com 2,8% do total, enquanto no Sudeste esses registros representaram 0,3%. Assim como ocorreu no Ceará, a região nordeste teve 1% de casos.

Por estado, quem chama atenção no cenário nacional é o Amazonas, onde esses registros representam 6,5% do acumulado de 81,3 mil. No segundo lugar, o Mato Grosso do Sul teve 2,2%.

“À margem de tudo”

Sem documentos, uma pessoa vive sem acesso — ou com acesso informal — a serviços aos quais tem direito. É o caso de consultas com médicos e dentistas, vacinação e ensino. Além disso, em caso de óbito sem a certidão de nascimento, não consegue um enterro digno. “Ela vai ser enterrada como indigente. Então, às vezes, as famílias acabam nos procurando nesse momento que a pessoa vem a óbito”, afirma a defensora pública Natali Massilon Pontes.

Alguns aspectos que explicam essa falta do registro civil durante anos de vida são a falta de conhecimento e a informalidade do acesso aos serviços públicos, aponta a defensora. “Também é uma realidade que passa de pai para filho. O pai ou a mãe não têm a documentação e acaba não registrando o filho. Também já vimos isso acontecer até na geração dos netos. É mesmo pela vulnerabilidade em que a pessoa vive, à margem de tudo.”

A defensora atribui a busca pelo registro aos auxílios oferecidos pelo Governo Federal, que exigem a comprovação da quantidade de filhos. No Bolsa Família, por exemplo, as famílias beneficiárias recebem valor mínimo de R$ 600 e cada criança de até seis anos tem adicional de R$ 150, pelo Benefício Primeira Infância.

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Além dos casos em que a primeira certidão de nascimento não foi tirada, há situações em que o documento ou o livro de registros do cartório foi perdido. “Às vezes, o cartório tinha essa informalidade, de emitir a certidão, mas não ter o registro no livro. Então, quando a pessoa vai atrás da segunda via, ela não existe mais. E a gente acaba tendo que lavrar novamente a certidão de nascimento”, explica.

Essa pessoa tinha o documento, mas não estava na estatística, aponta a defensora. “Muitos cartórios não lavravam o nascimento, emitiam só a certidão, sem constar em um livro. Então, ela não entra no número. Mas isso é mais para pessoas mais velhas, em cartório do Interior. Mas essas pessoas registradas aos dez anos é omissão dos pais, que por algum motivo não fizeram”, complementa.

Ela também destaca casos em que as mães não registram a criança na espera pelo reconhecimento por parte do pai. Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), porém, as mulheres podem realizar o procedimento sem a presença do genitor.

Se a mãe for casada, deve apresentar a certidão de casamento. Em caso de mulheres solteiras, elas devem ter pelo menos o endereço da casa ou do trabalho do pai para que ele seja notificado.

Redução do sub-registro

Ainda conforme o CNJ, a incidência de sub-registro no Brasil caiu pela metade desde 2015 graças a políticas públicas que visam ampliar o acesso à documentação civil básica.

O Provimento CNJ n. 149/2023, por exemplo, institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça e prevê a emissão da primeira certidão de nascimento ainda na maternidade, por meio de unidades interligadas a cartórios. Além disso, o Provimento CNJ n. 13/2010 já previa o registro em hospitais, com direito a uma via do documento gratuitamente no momento da alta da mãe.

No Ceará, quem busca regularizar a documentação pode procurar unidades da Defensoria Pública do Estado, que também está presente nas faculdades de Direito. Os projetos “Acolher”, do Governo do Estado, e “Defensoria em Movimento” também levam os serviços do órgão às comunidades. “Em todos esses locais, podemos prestar esse atendimento e fazer com que a pessoa regularize a sua documentação”, diz Natali Pontes. A Defensoria também pode ser contatada pelo número 129.

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