Mulheres cearenses dedicam o dobro de horas por semana que homens a cuidados ou afazeres domésticos

Ceará é o 3º estado do Brasil em que mulheres mais dedicam horas a essas atividades. Pretas e pardas destinam duas horas a mais por semana do que brancas

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Mulher com filhos
Legenda: No Ceará, elas destinam em média 24,4 horas a essas atividades, enquanto os homens empregam uma média de 12,6 horas semanais
Foto: Fabiane de Paula

As mulheres cearenses — e as nordestinas, em geral — estão entre as que mais dedicam horas semanais a cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos. No Ceará, elas destinam em média 24,4 horas a essas atividades, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o dobro dos homens, que empregam uma média de 12,6 horas semanais nessas tarefas. Essa média deixa o estado em 3º lugar no ranking de mais horas dedicadas por elas a essas atividades em todo o Brasil.

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Nessa lista, o Ceará fica atrás apenas de Alagoas — que a lidera com 25,4 horas — e Sergipe — com média de 24,7 horas. O Nordeste, como um todo, aparece no topo dessa lista. Oito dos nove estados nordestinos estão entre os 10 com os maiores indicadores. O que tem a menor média, Maranhão, aparece em 14º lugar, com média de 20,6 horas.

As informações são do estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgado pelo Instituto nesta sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher. O documento é publicado a cada três anos e aborda temas como educação, saúde e direitos humanos.

O indicador “número médio de horas semanais dedicadas aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos”, segundo o IBGE, é “de extrema importância” para dar visibilidade ao trabalho não remunerado, realizado principalmente pelas mulheres. Para o cálculo, foram analisados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, consolidado de quintas entrevistas.

Também é na região Nordeste onde há mais desigualdade entre as horas empregadas por homens e mulheres ao cuidado de pessoas ou a tarefas domésticas. Em média, as mulheres dedicam 23,5 horas, contra 11,8 horas destinadas pelos homens — uma diferença de 11,7 horas. No outro extremo aparece a região Sul, onde a diferença é de 7,7: uma média de 19,1 horas empregadas pelas mulheres e de 11,4 horas pelos homens.

A professora doutora Paula Brandão, coordenadora do Mestrado Acadêmico em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (MASS/UECE), destaca a importância da interseccionalidade em pesquisas sobre as mulheres, pois “o gênero não diz nada isolado das questões de raça-etnia, classe e região”. No caso da região, a professora aponta que as nordestinas ainda enfrentam mais tabus do que as sulistas, por exemplo.

“Isso se desdobra em várias esferas de suas vidas, contudo a doméstica é uma das mais atingidas. Os ‘machos’ nordestinos são socializados na ficção de que são impassíveis, viris, fortes e dominadores, e isso se consolida em oposição às tarefas da sensibilidade, do cuidado e gestão do lar, pretensamente femininas”, afirma Brandão.

ESTATÍSTICAS DO CEARÁ

O estudo também traz informações sobre as pessoas que estavam ocupadas — ou seja, que exerciam atividade profissional (formal ou informal, remunerada ou não) por pelo menos uma hora completa na semana de referência da pesquisa. Entre essa parcela da população cearense, as mulheres empregam em média 20,3 horas semanais a essas atividades. A média dos homens é de 11,5 horas: 8,8 horas a menos.

Na média brasileira, o recorte por raça ou cor aponta que mulheres pretas ou pardas “estavam mais envolvidas com o trabalho doméstico não remunerado” do que as mulheres brancas. O mesmo ocorre no Ceará. No Estado, mulheres pretas e pardas dedicam 2 horas a mais por semana a essas atividades. Tanto entre pretas e pardas quanto entre brancas, as mulheres estão dedicando mais horas a essas tarefas, ao comparar os dados de 2022 com o cenário de 2016.

Nacionalmente, a cor ou a raça declarada não afetou a dedicação dos homens a essas atividades. No Ceará, homens pretos ou pardos destinam 0,6 hora a mais do que homens brancos. Em 2016, praticamente não havia diferença ao segmentar os resultados dos homens por raça ou cor.

Apesar de a opressão vivida pelas mulheres, no geral, ser “muito pesada”, Paula Brandão pondera que “certamente” ela pesa mais para as pretas e pardas.

Há uma autora que pergunta quem abre as portas, todos os dias, das salas do capitalismo? E a resposta são as mulheres negras, periféricas, que acordam 4 horas da manhã e pegam transporte coletivo para fazer a limpeza dos espaços públicos ou das casas mais abastadas. Depois de um dia de trabalho precário, chegam em suas próprias casas e, ao contrário das brancas, assumem o trabalho doméstico que ficou a sua espera.
Paula Brandão
Coordenadora do Mestrado Acadêmico em Serviço Social da UECE

Em relação à idade, são as mulheres de 50 a 59 anos que apresentam a maior média de horas semanais dedicadas a esses serviços, seguidas das mulheres de 30 a 49 anos. Em todas as faixas etárias, a diferença na média de horas dedicadas por homens e mulheres a essas atividades é de pelo menos 9,5 horas a mais para as mulheres.

Essa desigualdade é mais acentuada nas faixas etárias de 30 a 49 anos e de 50 a 59 anos: são, respectivamente, 13,5 horas e 13,4 horas a mais dedicadas por elas, em relação aos homens, por semana.

TRABALHO DE CUIDADO

Esse assunto foi abordado na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, com o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Um dos textos motivadores da prova foi parte do documento “Tempo de Cuidar”, da Oxfam Brasil, organização da sociedade civil criada em 2014 com atuação nos temas de Justiça Rural e Desenvolvimento, Justiça Social e Econômica, Justiça Racial e de Gênero e Justiça Climática e Amazônia.

A Organização aponta que o trabalho de cuidado “é essencial para nossas sociedades e para a economia”. Segundo a definição da Oxfam, essas atividades incluem o trabalho de cuidar de crianças, idosos e pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, assim como o trabalho doméstico diário. “Se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nessas tarefas diárias essenciais, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnadas”, aponta o documento.

Além disso, a Oxfam aponta que o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago é “desproporcionalmente assumido por mulheres e meninas em situação de pobreza” em todo o mundo. “Especialmente por aquelas que pertencem a grupos que, além da discriminação de gênero, sofrem preconceito em decorrência de sua raça, etnia, nacionalidade, sexualidade e casta”, complementa o documento.

O trabalho de cuidado é um dos sustentáculos da sociedade e isso significa que são elas que, até hoje, “têm segurado as bases de uma sociedade capitalista”, segundo Brandão. “O problema não é que as mulheres façam esse trabalho, mas o fato de não ser remunerado ou ter baixo valor. Quando os homens entraram nas cozinhas, viraram chefes (de cozinha) e o trabalho ganhou evidência, luxo e salários exorbitantes em muitas partes do mundo. Talvez seja importante considerar a dimensão do gênero, classe e raça que pesam aqui”.

CUIDADO COMO POLÍTICA PÚBLICA

Na quinta-feira, 29 de fevereiro, foi anunciada a adesão do Brasil à Aliança Global pelos Cuidados, iniciativa do Instituto Nacional das Mulheres do México (Inmujeres) em parceria com a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres. A Aliança Global é um espaço de intercâmbio de boas práticas entre governos, organismos internacionais, sociedade civil, setor privado, organizações filantrópicas para a criação de iniciativas para reduzir as desigualdades, garantir o reconhecimento, a redução e redistribuição do trabalho de cuidado.

Em 2023, um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) responsável por elaborar a Política Nacional de Cuidados foi criado pelo Ministério das Mulheres e pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Em outubro, o grupo concluiu o Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados, que ficou foi disponibilizado para consulta pública até dezembro do ano passado.

Em construção, a Política Nacional de Cuidados tem como objetivos:

  • Garantir o direito ao cuidado;
  • Garantir o atendimento das necessidades de cuidados de todas as pessoas, em especial as de crianças, pessoas com deficiência e pessoas idosas, e das trabalhadoras(es) que realizam atividades de cuidado;
  • Garantir um trabalho decente para as pessoas que recebem pagamento por atividades de cuidados, como as que realizam tarefas domésticas, cuidam de crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência, entre outras;
  • Reconhecer, valorizar e redistribuir o trabalho de cuidados, aliviando a carga de trabalho doméstico e de cuidados das mulheres, para que elas possam exercer outros direitos e realizar outras atividades.

Para a coordenadora do MASS, é importante que seja criada uma política que jogue luz sobre questões sexistas e machistas e de naturalizações que definem mulheres como mais capacitadas para o cuidado. Ela explica que, em meados dos anos 1970, houve uma mobilização feminista por um salário-mínimo para o trabalho doméstico.

Esse movimento, de acordo com ela, foi importante, mas não efetivo — sobretudo para a reconfiguração da posição das mulheres e homens no âmbito doméstico. “Hoje, as jovens mulheres não querem um salário precário para cuidar da casa, mas, acima de tudo, desejam dividir os cuidados com os filhos, pais e parentes mais velhos, com os homens”, complementa.

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