Influenciadora cearense faz sucesso ao gravar ‘conversas’ com Padre Cícero e renova fé na internet
Natural de Juazeiro do Norte, cidade que o sacerdote ajudou a fundar, Gil Landim divulga devoção ao santo popular por meio de vídeos de humor
Com o tempo, a religiosidade popular se reinventa e adentra até o mundo digital. Afilhada de batismo do Padre Cícero Romão Batista - que completou 90 anos de morte no último sábado (20) -, a professora cearense Gil Landim dedica um perfil nas redes sociais a ele. Em vídeos bem-humorados, ela conversa com uma estátua do sacerdote pedindo conselhos e intercessões - não, sem antes, pedir-lhe “a bença”.
O vínculo da juazeirense com o santo popular vem desde a infância. Ainda bebê, ela teve uma infecção no umbigo e precisou ser levada a benzedeiros, que logo a sentenciaram: iria morrer. Como saída, a mãe de Gil batizou a filha e entregou o destino dela aos dois padrinhos: Padre Cícero e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A proteção deu certo, e a menina se recuperou.
Ainda jovem, também se admirava de ver o avô todo vestido de preto a cada dia 20, data alusiva à morte do Padim, em 20 de julho de 1934. “Achava aquilo fantástico”, conta.
O respeito pelo sacerdote seguiu ao longo da vida, e em certas ocasiões Gil acredita que ele a orientou da melhor forma - geralmente, por meio de sonhos.
Enquanto o noivo dela fazia doutorado na Irlanda, por exemplo, a professora decidiu que pediria para terminar a relação. Num sonho em que Cícero apareceu, ela arrancava a aliança do dedo, indicando o fim do noivado.
Ainda no estrangeiro, Tiago sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Dias de desespero, amor posto à prova. Venceu o recado do Padim: deveriam ficar juntos. Casaram. Os dois, inclusive, voltaram a morar na mesma casa onde Gil teve o sonho.
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Resistência às críticas
A professora explica que o conceito da página @humormeupadim surgiu há três anos, após mais uma visão com o sacerdote. Pouco tempo antes, ela havia descoberto uma doença rara no pâncreas que a deixava incapacitada, mas mesmo assim transformou a ideia em realidade.
Ela pediu ao esposo para construir um oratório que tem as imagens do padrinho e da madrinha. No caso de Cícero, ela pediu a uma amiga para pintar a estátua exatamente como imagina o padim, de cabelo acinzentado em vez de branco, divergindo das representações que costumam aparecer no artesanato.
Sobre as críticas de culto a imagens, ela é clara: “não são pessoas, são símbolos que resgatam a memória, como uma foto”. Apesar do empenho e da responsabilidade que acredita passar nos vídeos, ainda hoje Gil enfrenta comentários negativos de outros admiradores do sacerdote.
“As pessoas criticam, dizem que é falta de respeito com o santo, mas a gente se coloca como afilhado e cria um vínculo de confiança. Padre Cícero pra mim é muito mais do que um santo, é meu padrinho. A minha relação com ele sempre foi de pedir ajuda”, garante.
A doença no pâncreas evoluiu, e uma suspeita médica chegou a cogitar que Gil tinha câncer. Somente um exame específico poderia tirar a dúvida. A professora, mais uma vez, pediu auxílio a seu intercessor pessoal.
“Fiquei louca porque tenho dois filhos pequenos. Eu disse a ele: ‘Padim, eu não fujo da cruz, mas se o senhor me der a oportunidade de criar meus filhos, eu agradeço’. Se não estiver com câncer, eu nunca vou tirar seu nome do meu perfil e seus vídeos vão estar sempre presentes”, rezou.
Resultado: não tinha nenhum tumor. Hoje, ainda em tratamento com medicação, Gil se sente bem melhor e consegue, além da carreira profissional, se dedicar a Sofie e a Santiago.
Resgate cultural
Ainda que mescle seus esquetes entre a vida docente, causos do interior e conversas de calçada, numa espécie do que considera um “resgate cultural”, ela cumpre a promessa e continua gravando as interações com padre Cícero. Quanto aos haters, ela complementa: “quem consegue liderar ainda em vida não são pessoas amargas ou fechadas, não consigo imaginar um Padre Cícero ranzinza, chato”.
Após três anos produzindo conteúdo na internet, ela também tem um projeto de expansão. Quer transformar os textos em um show de stand-up, até o momento programado para o mês de setembro. Deve falar sobre avós, crendices e tudo que só o interior proporciona.
“O humor não precisa ser apelativo ou fazer rir 24 horas. A nostalgia de uma lembrança também é legal. É um humor curativo, rever um acontecimento de forma diferente”, pensa.
Os recursos e alimentos arrecadados pelo espetáculo, espera Gil, serão doados ao Instituto Monsenhor Murilo (IMM), entidade que dá apoio a romeiros e a pessoas em situação de rua em Juazeiro do Norte. Assim, deve cumprir os ensinamentos do padrinho.
“Minha lição aprendida com ele é ajudar o mais empobrecido, essa relação com o simples. Ele veio para uma terra que não tinha nada e construiu muita coisa. Não baixou a cabeça para o que não acreditava porque tinha dignidade e caráter. Ele não é um santo porque a Igreja disse, mas porque vem da fé popular”, finaliza.