Em crise, Dnocs vai transferir ‘guarda’ do Castanhão e outros 5 açudes ao Governo do Ceará; entenda

Falta de orçamento e de pessoal levou departamento federal a pedir apoio ao Ceará para cuidar dos reservatórios

Escrito por
Theyse Viana theyse.viana@svm.com.br
Imagem mostra comporta de água no Açude Castanhão, no Ceará, cercada por vegetação verde e um céu azul com muitas nuvens.
Legenda: Açude Castanhão é o maior do Ceará e terá operação transferida de gestão federal ao Governo do Estado
Foto: Ismael Soares

Seis açudes federais localizados no Ceará e operados pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), entre eles Castanhão e Orós, terão a “guarda” transferida do Governo Federal ao Estado. O motivo é a crise orçamentária enfrentada pelo Dnocs, que teve corte no quadro de funcionários que atuavam nos reservatórios.

O Dnocs oficiou a Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH) solicitando apoio para “delegar a guarda e a operação” de seis açudes: Castanhão, Orós, Banabuiú, Lima Campos, Curral Velho e Cedro. A SRH manifestou interesse e deve assumir a operação por meio da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh).

A reportagem procurou o Dnocs, na última segunda-feira (14), mas não houve retorno. Foram enviados os seguintes questionamentos:

  • De quanto foi o corte orçamentário ao departamento, quando foi realizado e qual o déficit de servidores;
  • Quantos açudes do Ceará geridos pelo Dnocs estão sem monitoramento dos dados e sem fiscalização; 
  • Que atividades referentes aos açudes deixam de ser realizadas ou são prejudicadas nesse cenário;
  • Quando e por que a autarquia decidiu solicitar apoio à SRH para o manejo dos açudes;
  • Se o Dnocs tem obras hídricas em andamento no Ceará, quantas, onde e se serão impactadas pelo cenário atual.

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O processo de cessão dos mananciais está em curso entre os entes federal e estadual. Yuri Castro, presidente da Cogerh, explica que o Governo do Estado já tinha a intenção de receber a gestão integral dos reservatórios – mas de forma gradual, diferentemente do pedido do Dnocs, que foi “muito repentino”.

“O Ministério da Integração e a Casa Civil tinham a intenção de privatizar esses reservatórios. Mas nos últimos entendimentos se propuseram a repassar pro Estado, já que nós já fazemos essa gestão compartilhada”, pontua.

Hoje, a operação e a manutenção dos açudes são de responsabilidade federal, mas a decisão sobre o destino das águas é compartilhada entre Dnocs, Comitê de Bacias Hidrográficas e Cogerh. A companhia, aliás, já realiza reparos mais urgentes nos reservatórios, quando necessários, segundo Yuri.

“No passado, já tivemos um termo de cooperação técnica, e quando precisava de uma manutenção simples a Cogerh já vem realizando. Quebra uma válvula, a Cogerh ia, consertava. Nos reservatórios mais estratégicos, a Cogerh já tem um agente”, adiciona.

O que muda, então?

Imagem mostra placa de sinalização indicando presença de escritório do DNOCS a 1,3km do local no Açude Castanhão, no Ceará
Legenda: Manutenção e operação do Castanhão são de responsabilidade do DNOCS até a cessão de uso ao Estado ser efetivada
Foto: Ismael Soares

Quando a “guarda” dos açudes deixar de ser compartilhada e for totalmente transferida à responsabilidade do Governo do Ceará, as despesas com manutenção e operação também passam a ser do Estado. 

“Como fomos avisados de última hora, fizemos um arranjo com o que a gente tinha pra atender, enquanto o Dnocs resolve a questão de orçamento e custeio. Será uma transição por três meses, contando a partir de 1º de julho”, aponta Yuri.

O presidente da Cogerh afirma que a companhia “esperava que a transição fosse mais longa”.

“Operar e manter um açude do porte do Castanhão requer uma estrutura especializada, muitos equipamentos. Isso gera um custo. Mas como foi retirado praticamente todo o orçamento de custeio do Dnocs, eles não tiveram alternativa a não ser demitir todos os terceirizados desses açudes”, acrescenta o gestor.

De acordo com a SRH, “as mobilizações emergenciais necessárias para viabilizar a cessão dos reservatórios” já foram iniciadas. Mas, frisa Yuri, “ainda não existe data nem momento certo” para a cessão ser finalizada.

Na prática, resume o presidente da Cogerh, a transferência de responsabilidade “não muda muita coisa”. “O açude vai ficar sendo operado e mantido conforme os padrões. Mas acredito numa melhora”, projeta.

Além dos seis açudes citados, a própria Cogerh já enviou ao Ministério da Integração uma lista solicitando assumir a operação de outros 17 reservatórios. O compromisso da Casa Civil federal, garante Yuri, é que todos os açudes sejam recuperados e repassados ao Estado sem pendências, “para não sobrar custo para o Estado”.

Reajustes na conta de água

As mudanças do processo, por outro lado, podem chegar à conta de água dos usuários. “A gente espera que tenha uma transição bem longa, recebendo esses reservatórios aos poucos, reajustando a tarifa aos poucos. Porque o recebimento desses reservatórios gera custos que têm que ser colocados e até repassados para os usuários”, resume Yuri Castro.

O presidente da Cogerh explica que o reajuste ou realinhamento da tarifa pelo uso da água bruta no Ceará é feito anualmente, tendo julho como data-base. Após o Estado assumir a gestão dos açudes, serão necessários estudos constantes para calcular a possibilidade de aumento nas contas.

“Ao longo desse período, alguma infraestrutura será recebida? Se for, quando chegar abril de 2026, a Cogerh faz um estudo pra saber quais as infraestruturas recebidas, quais os impactos disso, se eles têm como ser absorvidos pela tarifa atual ou não”, pondera.

“Todo ano será feito um estudo de tarifa pra saber se necessita de aumento de tarifa ou se somente o reajuste linear pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) resolve.”

Maiores açudes do Ceará

Imagem mostra válvula do açude Orós jorrando água e formando um arco-íris. Ao longe, três homens tomam banho no açude vestindo shorts, sem camisa.
Legenda: Açude Orós, que sangrou em 2025, é o segundo maior do Ceará
Foto: Ismael Soares

Castanhão, Orós e Banabuiú são, nesta ordem, os três maiores açudes do Ceará, e encabeçam a lista dos que passarão à operação estadual.

O “gigante” do Estado, Castanhão, localizado no Médio Jaguaribe, está com 28,4% da capacidade cheia. No total, o açude suporta 6,7 bilhões de metros cúbicos (m³), dos quais 1,9 bi de m³ está armazenado.

O Orós, que chegou a sangrar em abril deste ano, tem hoje 88,7% da capacidade preenchida. No total, o reservatório do Alto Jaguaribe comporta 1,94 bilhão de m³, segundo dados da Cogerh.

Já o Banabuiú, terceiro maior do Ceará, com 1,53 bi de m³ de capacidade total, tem 36,1% deste volume preenchidos.

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Os outros três açudes são menores. O Lima Campos fica em Icó, no Alto Jaguaribe, tem capacidade de 51,17 milhões de m³, e está, neste mês de julho, 58,3% cheio. A última vez que ele sangrou foi em 2011.

O Curral Velho, em Morada Nova, na bacia hidrográfica de Banabuiú, tem volume total de 12,17 milhões de m³ – dos quais 82,5% estão preenchidos. O açude atingiu a capacidade máxima e sangrou pela última vez em abril de 2024.

Por fim, o açude Cedro, em Quixadá, que guarda até 126 milhões de m³, está com apenas 2,64% do volume total. O máximo de preenchimento que o Cedro atingiu na série histórica disponibilizada pela Cogerh (2005 até hoje) foi de 35% em 2009.

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