Como uma espécie de peixe que era abundante no Ceará ‘desapareceu’ há mais de 20 anos do maior rio do Estado
Pesquisadores avaliam causas da possível extinção e lutam para encontrar algum animal para reprodução no Estado
Era fácil encontrar jutubarana ao longo do Rio Jaguaribe, no Ceará, há 80 anos, quando a espécie nativa Salminus hilarii Valenciennes estava na mesa da população. Da abundância à escassez, o peixe não é visto há pelo menos duas décadas em nenhuma parte do corpo hídrico do Estado.
Por causa disso, pesquisadores do Instituto Peixes da Caatinga avaliam o impacto das interferências no Rio Jaguaribe, das mudanças climáticas e da transposição do Rio São Francisco no sumiço da jutubarana com expedições feitas desde 2009.
A Salminus hilarii é uma espécie conhecida popularmente como tubarana, jutubarana, tabarana e dourado-branco. O peixe é encontrado em bacias dos rios Amazonas e Tocantins, por exemplo.
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A espécie é carnívora de porte médio, alcançando no máximo 50 cm e 2,5 kg, e tem a característica de ser migradora. Devido ao tamanho, a pesca esportiva também acontecia no Estado.
No Ceará, a espécie foi descrita como uma das mais abundantes em relação à pesca e registros analisados pelos pesquisadores estimam que entre 1943 e 1947, 3.700 peixes foram capturados. Por ser uma das maiores espécies nativos do Estado, ganhou popularidade como recurso comercial.
No início dos anos 2000, por outro lado, começou o declínio da espécie que de forma gradual foi deixando de ser vista e há mais de uma década não é registrada no Ceará. Inclusive, apenas os pescadores mais velhos entrevistados pelos estudiosos conhecem a jutubarana.
"É uma espécie bioindicadora que precisa subir os rios para se reproduzir e, geralmente, só é encontrada em áreas de oxigenação alta. Se a água não tiver com uma boa qualidade, os peixes desaparecem, o que pode ter sido um dos motivos”, adianta Telton Ramos, pesquisador do Programa de Pós-Graduação de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Paraíba.
A espécie deve aparecer como “criticamente ameaçada” de extinção da lista ainda em elaboração pela Secretaria de Meio Ambiente e Mudança Climática do Ceará (Sema), conforme o pesquisador.
Possíveis causas
O declínio da população de jutubarana pode ser multifatorial, como avaliam os pesquisadores do Instituto Peixes da Caatinga. A construção de barragens, por exemplo, dificulta que a espécie consiga subir o rio para a desova.
“O Rio Jaguaribe provavelmente há anos atrás corria com muita água, mas não tem tanta água como antigamente e isso pode ser por causa da temperatura. Onde o peixe tinha que subir para se reproduzir, hoje se encontram apenas algumas poças”, acrescenta o pesquisador.
O Rio Jaguaribe é o maior rio do Ceará com cerca de 633 km de extensão e com foz no Oceano Atlântico, na divisa dos municípios de Aracati e Fortim.
No período mais recente, a partir de 2020, os pesquisadores notaram que outras espécies de peixe chegaram ao Estado, mas a análise com o detalhamento ainda está em curso. “Começamos a analisar a transposição, fizemos exposição antes e um ano depois, ainda estamos avaliando, mas vimos que entraram espécies que não eram encontradas antes”, frisa.
A provável extinção da jutubarana representa um desequilíbrio ambiental em relação à cadeia alimentar. “É uma espécie predadora, se alimenta de outros peixes menores e faz esse controle, mas eles podem se proliferar por causa dessa ausência”, detalha Telton.
Reintrodução do peixe
Ainda existe um esforço dos biólogos para encontrar a jutubarana em ambiente natural do Ceará para uma reprodução e reintrodução da espécie no Estado. Por isso, caso o animal seja identificado, os pesquisadores pedem para que a população entre em contato.
“Estou em contato com um aquarista que produz peixes em Aquiraz e, encontrando o peixe, a gente leva para reproduzir. Isso não é fácil, mas temos registro de reprodução em cativeiro e a ideia é reintroduzir o animal”, completa.
Não é seguro fazer isso com animais coletados em outros estados porque há a chance de que o peixe que era abundante do Ceará ser de um tipo diferente, específico do Rio Jaguaribe.
"Como tem pouco material coletado, existe a possibilidade de ser uma espécie endêmica do Rio Jaguaribe. Só temos três exemplares conhecidos pela Ciência. Então, trazer de outra bacia não é o ideal porque pode ser outra espécie", conclui.