BR-116 é a rodovia federal mais letal do Ceará, com a maioria das mortes registrada em trecho em Fortaleza
Dados da Polícia Rodoviária Federal apontam que ocorreram 79 mortes entre janeiro e outubro de 2024, pior indicador desde 2016
Maior rodovia federal do Brasil, a BR-116 cruza o Ceará ao longo de 544,5 km, ligando Fortaleza a Penaforte, no Cariri. Além da extensão, ela também se destaca pelos números de mortes em decorrência de sinistros de trânsito nessas estradas. Ao longo de quase vinte anos, a BR-116 alterna entre o primeiro e o segundo lugar no ranking das rodovias federais mais letais do Estado.
Um levantamento feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), com dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mostra que 2024 teve o segundo maior número de mortes na BR-116 da última década, considerando os meses de janeiro a outubro de cada ano. Foram 79 mortes, total menor apenas que as 84 que ocorreram em 2016.
Além disso, os dados levantados pela confederação mostram um aumento expressivo nas mortes ocorridas em sinistros de trânsito na BR-116, no Ceará. De 2023 para 2024, quase dobrou o número de óbitos, passando de 44 para 79 — um aumento de 79,5%. Comparado ao período de janeiro a outubro de 2023, quando foram registradas 34 mortes na rodovia, o aumento foi de 132%.
Mas essa quantidade não foi a maior já registrada. Desde 2007, quando teve início a série histórica disponibilizada no painel da CNT, o ano mais letal na rodovia foi 2014, com 107 mortes nos meses analisados.
No final de 2024, a letalidade na BR-116 chamou atenção de todo o Brasil devido à ocorrência da maior tragédia registrada em estradas federais pelo menos desde 2007. Na madrugada do sábado, 21 de dezembro, na altura do km 286 da BR-116, em Minas Gerais, houve uma colisão envolvendo um carro de passeio, um ônibus e uma carreta carregada com bloco de granito que deixou 41 mortos.
Possíveis explicações para as mortes na BR–116 no Ceará
Coordenador da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global no Brasil, Dante Rosado aponta que esses números são subnotificados, uma vez que a PRF registra apenas os óbitos que ocorrem no local. “Eles não acompanham as mortes que acontecem depois do sinistro, por exemplo, no hospital. Mas é uma referência porque a comparação é a mesma para todo o País”, explica.
A maior parte das mortes na rodovia, em 2024, ocorreram no trecho que vai até o km 10, no município de Fortaleza. Rosado aponta que, além de ser um trecho mais movimentado, que “tende a ter mais sinistros e consequentemente mais lesionados e feridos”, houve um adensamento no entorno da rodovia, o que leva a um grande fluxo de pedestres.
“Se você passar lá, vai ver que tem poucas passarelas e as que tem estão com infraestrutura muito precária. São chamadas passarelas provisórias, apesar de estarem lá há mais de 10 anos. (...) As pessoas têm receio de subir, elas não têm rampa, só escadas precárias”, afirma.
Com isso, os pedestres acabam atravessando fora das passarelas. “Não estou colocando culpa nessas pessoas, porque, se não tem estrutura adequada, elas vão atravessar onde acharem que conseguem, de forma mais fácil”, frisa.
Nesse contexto, ele defende que é necessário repensar a função desse trecho da BR-116 dentro da Capital. “Com certeza, um redesenho traria mais segurança. Por exemplo, a rodovia hoje não tem uma ciclovia”, afirma.
Gerente do programa da Vital Strategies, Rosado também destaca a necessidade de fiscalização. Para ele, é importante reforçar as estratégias de controle para evitar que os motoristas respeitem o limite de velocidade da via, de 60km/h, apenas onde há radares fixos.
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O conceito de “Visão Zero”
De acordo com o levantamento da CNT, colisão (62%), atropelamento (21,5%) e saída de pista (10%) são os principais tipos de sinistros com mortes na BR-116. Além disso, o principal tipo de veículo envolvido nessas ocorrências são motocicletas (45,6%). Entre as vítimas, a maioria era homem (87,3%) e tinha acima de 45 anos (41,8%).
Considerando os sinistros com vítimas, e não os com mortes, as principais causas apontadas pela PRF são:
- “Condutor deixou de manter distância do veículo da frente” (14,4%)
- “Ausência de reação do condutor” (13,4%)
- “Acessar a via sem observar a presença dos outros veículos” (10,3%)
- “Manobra de mudança de faixa” (10,3%)
- “Reação tardia ou ineficiente do condutor” (6,4%)
Também há registros de sinistros em que um pedestre cruzava a pista fora da faixa, o condutor estava transitando na contramão e ultrapassagem indevida, entre outros.
Dante Rosado destaca que — no geral, não particularmente na BR-116 —, coloca-se a culpa do sinistro nos usuários e, quando há um erro de comportamento, não se faz uma reflexão sobre o papel do poder público para mudar essas atitudes, seja com fiscalização ou com mudanças na infraestrutura.
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Nesse sentido, ele aponta o conceito de “Visão Zero”, originalmente criado na Suécia, segundo o qual nenhuma morte no trânsito é aceitável. Essa abordagem reconhece que as pessoas cometem erros, mas sinistros e mortes no trânsito são evitáveis. Com isso, a responsabilidade pela segurança passa a ser compartilhada com a gestão pública e o planejamento urbano.
“Você tem que desenhar o seu sistema de trânsito e as vias para que qualquer erro cometido seja absorvido por esse sistema”, explica. Um exemplo que ele cita é a duplicação de trechos de rodovias em locais onde muitos sinistros ocorrem por ultrapassagens indevidas.