Ceará abre uma investigação de trabalho infantil a cada dois dias

Exploração de crianças e adolescentes ocorre tanto no setor formal como no informal da economia

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Trabalho infantil pode comprometer o desenvolvimento físico e psicológico de crianças
Foto: Kid Jr.

O número de procedimentos abertos pelo Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) para investigar a exploração do trabalho de crianças e adolescentes deu um salto expressivo nos últimos dois anos. Só em 2023, foi instaurado praticamente um a cada dois dias, segundo levantamento da entidade.

Neste ano, foram registrados 188 procedimentos investigatórios. Em todo o ano passado, foram 217. O número também é quase cinco vezes superior ao de 2019, quando 40 procedimentos foram iniciados.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define trabalho infantil como perigoso e prejudicial para a criança/adolescente e que interfere na sua escolarização. Nessa lista, ainda há as “piores formas”, que mais oferecem riscos à saúde e ao desenvolvimento. Elas incluem não só práticas análogas à escravidão, prostituição e tráfico, mas trabalhos em lavouras, pesca, mineração, construção civil, mecânicas e borracharias.

Antonio de Oliveira Lima, procurador do Trabalho e coordenador do Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca) - que completou 15 anos e tem 110 municípios participantes - atribui o crescimento não só às denúncias, mas a fiscalizações contínuas do Ministério do Trabalho para identificar as piores formas.

“O impacto maior está no setor formal da economia, nas atividades de empresas, mas tem um número significativo também em atividades informais. O que a gente observa é que, na pandemia e no pós, aumentou a vulnerabilidade, muitas famílias perderam emprego e colocaram os filhos para ajudar no sustento”, analisa.

Entre essas atividades, as mais comuns são a venda de produtos em ruas, semáforos e praias e o recolhimento de materiais recicláveis.

Conselheira tutelar de Fortaleza, Cecília Góis reflete que o trabalho infantil é um problema complexo de ser combatido por ser, muitas vezes, naturalizado pela sociedade brasileira.

“Tem uma questão cultural de que é melhor trabalhar do que ‘fazer o que não presta’. As pessoas acham que estão fazendo um bem ao comprar delas, ou seja, aceitam e estimulam que crianças trabalhem. É uma ideia imoral porque assim, se tornam omissas e negligentes e não denunciam”, indica.

Ainda segundo a conselheira, o trabalho de garantia desses direitos ainda é mais dificultado porque não é bem recebido pelas famílias envolvidas, que consideram as intervenções “reprováveis” ou “desnecessárias”.

Em Fortaleza, a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) age no enfrentamento às piores formas de trabalho infantil “de forma contínua e sistemática”, por meio das atividades do programa Ponte de Encontro, que atende crianças e adolescentes em situação de rua e trabalho infantil, e o Programa Rede Aquarela, responsável pelo acompanhamento de crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual.

Legenda: Comércio ambulante em ruas e semáforos é uma das principais atividades de crianças e adolescentes em Fortaleza
Foto: Kid Jr.

Acolhimento e ação

Segundo o procurador Antonio Lima, na prática, a busca por maior punição se volta a quem explora o trabalho infantil em atividade econômica, com a identificação das empresas responsáveis nos relatórios de fiscalização. Nesses casos, é proposto um termo de ajustamento de conduta (TAC) ou ajuizada uma ação civil pública (ACP). 

Quando a conduta tem relação com a família, há o encaminhamento da criança ou jovem para a rede de proteção, com serviços de convivência e educação para crianças ou aprendizagem profissional para adolescentes a partir de 14 anos. Os casos podem ter intermediação de Conselhos Tutelares e Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).

Cecília Góis explica que, em Fortaleza, os agentes do Ponte de Encontro fazem uma primeira averiguação dos casos, nas ruas ou locais de denúncia, e buscam se munir de informações como estudo e benefícios sociais recebidos por esses jovens. Só então o Conselho Tutelar é acionado para intervir junto à família.

“A criança ou adolescente não tem consciência de que é algo errado, acham que é pra ajudar a família ou comprar o que tem vontade, mas não sabe que é explorada. A gente só vai conseguir mudar com conscientização. Para se desenvolver, criança tem que brincar e estudar”, lembra. 

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Fenômeno nacional

O Brasil tem quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O número representa praticamente 5% do total de jovens entre 5 e 17 anos no país, e um novo aumento em relação aos 1,8 milhão contabilizados na última edição da pesquisa, em 2019.

Nos recortes por gênero e raça, 65% do total são meninos, e 66% pretos ou pardos. A maioria dos jovens em situação de trabalho infantil têm entre 16 e 17 anos (52,5%), seguidos por pessoas de 5 a 13 anos (23,9%). Em 2022, o rendimento médio deles foi de R$ 716 por mês. 

Saiba como denunciar

Ao presenciar uma situação de trabalho infantil, qualquer cidadão pode fazer uma denúncia em diferentes canais. A mais rápida e simples é por meio do Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que também funciona no WhatsApp e no Telegram.

Outras formas incluem o site do Ministério Público do Trabalho; ouvidorias dos tribunais da Justiça do Trabalho; Conselho Tutelar de sua cidade; Delegacia Regional do Trabalho mais próxima ou Secretarias de Assistência Social.

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