Caçar e manter animais sem licença têm média de 5 prisões por mês no Ceará: ‘Há até grupos armados’

Desequilíbrio ambiental pode levar a extinção de espécies e até prejuízos na produção de alimentos

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Aves são alvo de caça para comercialização
Foto: SSPDS/Reprodução

A caça de animais silvestres – e outras infrações como manter em cativeiro espécies sem licença – nos municípios cearenses leva à prisão de, pelo menos, 5 pessoas por mês. No Estado, existem grupos armados e até “times de caçadores” que perseguem, comercializam e matam bichos causando desequilíbrio ambiental.

Entre janeiro de 2021 e novembro deste ano, 192 prisões foram realizadas por causa do crime previsto no Artigo 29 da Lei nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998 com 6 meses a um ano, e multa. Quando acontece para tráfico, em geral as espécies mais afetadas são de aves. Já a caça esportiva prejudica, principalmente, tatus, mas há relatos de perseguição a onças e veados.

Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), que atua para combater o crime ambiental nos municípios. Confira o balanço:

  • 2021: 73 prisões
  • 2022: 52 prisões
  • 2023, até novembro: 67 prisões

O assunto, inclusive, foi tratado no painel "Impactos das Mudanças Climáticas no Ceará" da Superintendência Estadual da Agência Brasileira de Inteligência (Sece/Abin), neste mês.

"O problema da caça é seríssimo no Ceará, existem até grupos armados e precisamos trabalhar nisso", refletiu Kurtis François, coordenador no Ceará do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) durante o evento.

Essa é uma realidade percebida pelas equipes que combatem a caça no Estado. "São pessoas e grupos que se associam para pegar e vender esses animais no tráfico de animais silvestres", avalia Maria Carolina, delegada adjunta da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA).

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As prisões acontecem após denúncias ou em ações espontâneas, como explica, e são resultado da ação para tráfico de animais, esportiva ou para alimentação.

“No interior tem muita caça de animais silvestres para que possam ser vendidos depois e muita gente que caça para comer. Em alguns locais, como Canindé, já tivemos procedimento para caça esportiva”, detalha.

Após abordar os suspeitos pelo crime ambiental, os animais são encaminhados para locais adequados com apoio do Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) ou de organizações não governamentais.

Legenda: Cães são usados durante operações para combate de animais
Foto: SSPDS/Reprodução

É comum que os bichos resgatados estejam machucados ou doentes. "Na prática, a gente faz o procedimento criminal e a posteriori a gente encaminha esses animais para o Cetas (Centro de Triagem de Animais Silvestres) do Ibama, quando está superlotado ou não recebe determinada espécie, nós temos uma parceria com o Instituto Pró-Silvestre", contextualiza.

A pena é aplicada também para quem impede a procriação da fauna sem licença, modifica ou destrói ninhos e quem vende ou guarda espécies em cativeiro.

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

Contudo, o tempo de prisão pode ser maior, caso haja alguma outra infração associada, como acrescenta Maria.

"Uma pessoa que cria um papagaio (sem licença) em casa não vai responder pelo mesma tipificação criminal de outra que está se associando para a compra e venda de animais silvestres. Com a investigação a gente consegue, inclusive, demonstrar uma lavagem de dinheiro e tudo isso vai aumentando a pena”, completa.

Grupos armados e 'times de caçadores'

A caça acontece desde o início da formação do Ceará, inicialmente, ligada à sobrevivência devido às baixas condições de produção de alimentos. Por causa disso, algumas espécies, como a anta, já não existem mais no Estado e outras estão ameaçadas de extinção.

"Nós temos uma situação socioeconômica diferente e a caça não está mais ligada a uma dependência, mas uma atividade de fim de semana, com 2 ou mais pessoas, associadas ao consumo de bebida alcoólica e esse era basicamente o padrão até 6 ou 7 anos”, contextualiza o biólogo Hugo Fernandes,  professor da Universidade Estadual do Ceará e autor da Tese "A Caça no Brasil".

Isso porque surgiram grupos de caça organizados, como times que competem entre si com diversas modalidades. Em algumas, há a perseguição dos animais e em outras as espécies viram troféus quando mortas.

“Seja qual for a modalidade, estamos falando de uma atividade ilegal e que traz um impacto ambiental sem precedentes”, reflete Hugo.

Essa retirada direta de animais pela caça traz problemas muito sérios, provoca um desbalanço em todas as relações tróficas, ou seja, de presas e predadores. Isso tudo gera consequências em cadeias, como aumento de pragas, diminuição de dispersores de sementes, inclusive, do que pode ser consumido pelo ser humano.
Hugo Fernandes
Biólogo

Hugo avalia a necessidade de aumento da fiscalização, mas reconhece que isso não é o suficiente. “É preciso muito investimento em educação ambiental, em alternativas de renda que considerem o uso sustentável do recurso silvestre”, completa.

Outra vertente é envolver as comunidades na resolução do problema. “Digo que para cada passarinho morto que um traficante vende por dezenas de reais, nós teríamos milhares de reais no turismo de observação de aves”, conclui o biólogo.

Como acontecem as fiscalizações

A capitã Talyta Maciel, comandante da 1ª Companhia do Batalhão de Policiamento Militar Ambiental (BPMA), observa casos em que de 50 a 60 aves são resgatadas em operações.

"O mais comum são aves, as pessoas ainda têm esse costume de ter animais e sempre fiscalizamos os locais onde têm feiras e às vezes a gente nem consegue pegar os responsáveis, que saem correndo e deixam os animais”, completa.

Por isso, ela avalia que o número de prisões poderiam ser até maior. "Tanto na caça, como na fiscalização de feiras, os responsáveis acabam conseguindo fugir e abandonam animais e armas", frisa.

O policiamento preventivo é realizado por meio do BPMA, da Polícia Militar do Ceará (PMCE), que realizou o resgate de 3.999 animais, entre silvestres e domésticos, de janeiro a novembro deste ano.

Já no ano de 2022, entre os meses de janeiro até dezembro, os policiais civis realizaram o resgate de 2.505 animais.

Por sua vez, o Corpo de Bombeiros resgatou, entre janeiro e novembro de 2023, 10.191 animais em situação de risco no Estado. Em 2022, os bombeiros realizaram o resgate de 9.038 animais.

Como denunciar 

DPMA: (85) 3247-2637, ou pelo e-mail dpma@policiacivil.ce.gov.br.
Boletins de Ocorrência (BO): podem ser feitos em qualquer delegacia distrital ou por meio da Delegacia Eletrônica (Deletron), no site www.delegaciaeletronica.ce.gov.br, em qualquer horário do dia ou da noite.
WhatsApp: (85) 3101-0181, por onde podem ser enviados áudios, vídeos, fotografias e documentos, 
Disque-Denúncia da SSPDS: 181
Urgência: 190 

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