‘Burnout social’: como o esgotamento para interações pode impactar a saúde mental no fim de ano

Cansaço acumulado, dificuldade de negar convites e esforço para corresponder a uma imagem idealizada estão entre as causas do quadro

Confraternização de fim de ano
Legenda: Estar entre as pessoas íntimas é a melhor escolha para o período
Foto: Shutterstock

São “confras”, reuniões familiares, festas com amigos… Falta energia para lidar com tantas demandas sociais neste fim de ano. Entre as repercussões psicológicas disso, há um esgotamento para interações com irritabilidade, insônia e até taquicardia. Em 2024, o termo “burnout social” ganha maior visibilidade para descrever o quadro.

Burnout vem da expressão do inglês "burn" (queima) e "out" (exterior), traduzida como Síndrome do Esgotamento Profissional. O distúrbio emocional envolve uma exaustão extrema, como indica o Ministério da Saúde. Imagina a expansão disso para as interações em grupo?

O burnout social pode ser descrito como um esgotamento da capacidade de interação e acontece num contexto de alta exposição que consome as pessoas, assim explica a doutora em Psicologia Clínica e colunista do Diário do Nordeste, Alessandra Xavier.

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“Boa parte dessas demandas são por uma exigência de um afeto irreal. As pessoas têm que mostrar querer bem e ter alegria em ambientes que não são nenhum pouco correspondentes a esses afetos”, descreve a especialista sobre uma realidade, muitas vezes, difícil de admitir.

O burnout está relacionado a uma situação onde a gente excede as nossas capacidades, seja de trabalho, seja de interação social, e por causa disso a gente começa a adoecer
Alessandra Xavier
Doutora em Psicologia

Esse “adoecimento” pode surgir em escalas diferentes a depender do contexto de cada um. Alessandra Xavier lista uma série de sintomas ligados ao quadro.

Sintomas do burnout social

  • Dor de cabeça
  • Mal-estar
  • Insônia
  • Taquicardia
  • Desconforto intestinal
  • Dores pelo corpo
  • Choro fácil
  • Irritabilidade decorrente dessa exaustão psíquica

O psicólogo e professor universitário Vicente Melo acrescenta que o termo novo também está associado à expressão “minha bateria social está esgotando”, como um indicativo de alerta.

"É o esgotamento do tempo e da atenção para dedicar a alguém e de conseguir suprir com o que a outra pessoa deseja. Ao mesmo tempo, nos coloca numa posição de prestar contas com o outro fazendo com que a pessoa não consiga dizer ‘não’”, completa.

Na análise de Vicente, o quadro também está ligado à capacidade de negar a participação em eventos sociais.

Festas de fim de ano
Legenda: Negar convites faz parte de um cotidiano saudável
Foto: Shutterstock

"Nem sempre a pessoa está disponível, mas como há uma convenção social, algo quase que imposto, as pessoas se sentem na necessidade de suprir esse encontro. Isso pode ser um agravante", alerta.

Causas do burnout social

O esgotamento para interagir com as pessoas acontece devido ao próprio cansaço físico, aos desgastes relacionados ao trabalho, ao esforço para atender a todos os convites e à tentativa de corresponder a imagem criada pelos grupos aos quais alguém está inserido.

"No campo social, a gente vê uma cobrança constante de que você tem de estar em exposição, em interação, alimentando redes sociais com conteúdos que envolvem festas, mostrando que você está sempre cercado de pessoas e curtindo a noite”, exemplifica Alessandra.

Esse volume de socialização pode ultrapassar o limite do saudável mesmo diante do fato de que somos seres de interação social. Com isso, as relações interpessoais conflituosas podem ser um peso ainda maior nesse momento de vulnerabilidade.

As pessoas que sentem pressão por cumprir expectativas dos outros porque querem agradar todo mundo, ser aquela pessoa incrível, o amigo mais legal, e passam a se sentir culpadas se não atendem o que os outros desejam
Alessandra Xavier
Doutora em Psicologia

Vicente Melo contextualiza que o esforço empregado para lidar com muitas pessoas na dinâmica de trabalho também explica o esgotamento social.

"Também não dá para desassociar ao burnout ligado ao trabalho porque, às vezes, você convive com pessoas, fazendo diversas atividades, e quando chega na sexta e no fim de semana se sente tão cansado que não deseja estar na confraternização", frisa.

'Tenho pouco tempo para mim e para lidar com minhas questões'

Quem busca o equilíbrio em meio à rotina intensa é o arquiteto Lucas Nobre, de 25 anos. Para o jovem, a conta não fecha: 8 horas para dormir, 8 horas em expediente e 8 horas para administrar todos os outros aspectos da vida não são suficientes em um dia.

“Eu vejo o esgotamento social como uma consequência do próprio esgotamento de trabalho, porque não tem como dissociar uma coisa da outra. Além do trabalho em si, tem o deslocamento, preparar marmita, estudar e outras coisas que levam tempo”, detalha.

Eu penso muito que diariamente eu tenho pouco tempo para mim e para lidar com minhas questões, sentimentos e reflexões sobre a minha vida porque, graças a Deus, eu consigo entender a importância de ter esse tempo para mim
Lucas Nobre
Arquiteto

Soma-se a isso às cobranças e comentários desagradáveis comuns – e até motivo de piadas – em boa parte das famílias.

"Todo ano tem a mesma coisa: do 'ah, e os namoradinhos?', 'e o trabalho?'. Chega. É tão difícil porque a gente já se pressiona muito, de questionar se estamos indo bem, e vem uma pessoa falando isso durante a confraternização...", reflete.

Como cuidar da saúde mental

Quem não consegue lidar com os encontros cheios de estímulos complexos deve selecionar o grupo ao qual se sente mais confortável. É preciso ter limites definidos para as relações interpessoais.

"A importância da gente priorizar conexões íntimas, verdadeiras, onde você possa ser quem você é, se sentir aceito nas suas condições e limitações, com conexões honestas e seguras que comportam o 'não', a diferença, a frustração e uma imagem da gente que não é perfeita e não tem que agradar todo mundo e pode ter falhas", observa Alessandra.

Outra dica da psicóloga é reduzir o uso das redes sociais ligadas à necessidade de estar continuamente em contato com muitas pessoas.

Brinde de ano novo
Legenda: Respeitar os limites dos amigos e familiares contribui para encontros satisfatórios
Foto: Shutterstock

“Tem momentos que precisamos ficar quietos, sozinhos e que não vamos ter condições de participar de coisas, mesmo que sejam de pessoas importantes e queridas. Se essas pessoas se decepcionarem e cortarem relações, precisamos entender a saúde e a verdade desse vínculo”.

Além disso, é fundamental fazer uma observação interna para entender até que ponto é saudável empregar energia, como aponta Vicente. "Saber priorizar aquilo que te faz bem e não aquilo que suga a energia, porque nem sempre o que é convencional é importante para você. Pode muito mais desgastar do que fazer bem", conclui.

Para Lucas Nobre, voltar o olhar para si faz parte dessa manutenção ainda mais relevante no fim de ano. "Entrar em contato comigo mesmo, cuidar da saúde e ir para a academia. Eu adoro ir à praia e tento fazer isso sozinho para ter energia, me sentir feliz e bem", compartilha. 

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