Após impasses sobre custeio de viagem, alunos de Fortaleza ganham medalhas na Olimpíada de História
Contabilizando escolas públicas e particulares, o Ceará foi o estado que conquistou o maior número de medalhas na ONHB
Estudantes da rede municipal de Fortaleza foram medalhistas na final da 16ª edição da Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB), que ocorreu nos dias 24 e 25 de agosto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. Nomeada “Hello Kittys Soviéticas”, a equipe da Escola Municipal Professora Maria José Macário Coelho, do bairro Passaré, ganhou a prata na competição, enquanto o grupo “Sábios historiadores viajantes”, da Escola Municipal Marieta Guedes Martins, do Novo Mondubim, ficou com o bronze.
A conquista ocorreu após um impasse sobre o custeio, pela Prefeitura de Fortaleza, das despesas relacionadas à participação das equipes na última etapa do certame, que foi presencial. Inicialmente, apenas três dos 15 estudantes de escolas públicas da Capital finalistas na Olimpíada receberiam suporte financeiro do Município, por formarem a equipe com melhor classificação entre os cinco grupos da rede municipal que poderiam participar da final.
Os demais alunos finalistas, juntos aos professores que integravam as equipes, organizaram vaquinhas para pagar a ida para realização da prova. Após matéria do Diário do Nordeste, a Prefeitura de Fortaleza anunciou que todas as cinco equipes receberiam recursos para viajar para Campinas.
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“Só a nossa ida até Campinas já foi uma conquista de uma luta”, disse a professora Amanda Duarte, orientadora da equipe “Sábios historiadores viajantes”. Ela conta que a primeira participação da final da ONHB foi enriquecedora. “Os estudantes amaram essa experiência que ficará guardado para toda a trajetória da vida deles.”
Confesso que assim que eles subiram para fazer a prova final chorei emocionada, pois ali naquele momento já tinha cumprido a minha missão, dali em diante seria o desempenho deles e saíram da prova muito felizes e contentes. No dia da premiação foi uma surpresa muito grande, ganhamos medalha de bronze, me emocionei muito.
Professora e ex-aluna da rede pública, Amanda Duarte destaca a importância de a escola municipal ter chegado à final da Olimpíada Nacional em História do Brasil, onde havia “uma multidão de equipes”, muitas delas de escolas particulares e de turmas olímpicas de todo o Brasil.
“Fizemos história em fazer a Prefeitura rever decretos municipais e em ser uma das primeiras equipes medalhistas da rede municipal de ensino de Fortaleza na ONHB. [...] Espero muito que nos próximos anos todas as equipes finalistas da rede municipal de ensino tenham a garantia da participação na final. Essa sim será a maior de todas as conquistas”, afirma.
Para a historiadora Adaiza Gomes, professora que orientou a equipe “Hello Kittys Soviéticas”, a viagem, a participação na final da Olimpíada de História e a conquista da medalha pelo grupo reafirmaram a força da escola pública e confirmaram que, “com uma educação de qualidade, é possível mudar a realidade e transformar vidas”.
Mesmo sem a mesma estrutura das escolas particulares, conseguimos sair na frente de muitas delas. Para mim foi um sinal de que estou realizando um bom trabalho. Para os estudantes foi maravilhoso, pois sentiram que são capazes e que, com esforço e estudo, eles podem ter muitas realizações ainda pela frente.
CEARÁ FOI DESTAQUE NA 16ª OLIMPÍADA DE HISTÓRIA
As equipes nordestinas conquistaram o maior número de medalhas na final da 16ª Olimpíada Nacional em História do Brasil — com destaque para os alunos do Ceará, que receberam 19 medalhas. Em seguida, na lista dos estados com mais vencedores, vem a Bahia (15) e Pernambuco (14).
Além dos estudantes das escolas municipais de Fortaleza, outras 13 equipes de estudantes do Ceará foram classificadas para a final da ONHB. Ao todo foram 19 equipes, sendo 75 estudantes de 14 cidades do Estado.
Em 2024, o evento teve número recorde de inscritos, com 51,2 mil grupos. As equipes são formadas por um professor de História e três alunos do Ensino Fundamental (8º e 9º anos) ou Médio de escolas públicas e particulares.
Em 2023, o Ceará também foi o maior destaque na ONHB, com 18 medalhas na 15ª edição. Em 2022, o Estado ficou na 3ª posição com 13 equipes vencedoras. Neste ano, foram duas medalhas de ouro, oito de prata e nove de bronze.
Foram seis fases online realizadas entre maio e junho. Já a final foi presencial e, nela, os alunos realizaram uma prova dissertativa que teve como tema a repatriação do Manto Tupinambá, do século XVI, em julho de 2024. O Manto estava no Museu Nacional da Dinamarca e foi entregue ao Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Para a professora Adaiza Gomes, esse destaque do Ceará reflete que “somos um povo que valoriza a Educação e que busca o conhecimento”. “Existe uma corrida por medalhas por parte das instituições de ensino privadas, por muito tempo elas foram as protagonistas nessas premiações. Com muito esforço, nós, professores de escolas públicas, estamos revertendo essa situação”, afirma.
Além disso, ela acredita que esse resultado também reflete uma valorização da educação por parte dos poderes públicos, mas pondera que “ainda temos muito para avançar”. “Espero que o impacto dessa conquista seja muito positivo e que nós tenhamos mais investimentos nessa área e mais valorização para profissionais de educação”, defende.
Já para os estudantes, principalmente os de escola pública, essa conquista tem um impacto enorme, pois é uma experiência única. Desde andar de avião e estar dentro do espaço da universidade — algo que é muito distante da realidade deles — até a emoção de ganhar a medalha, resultado do estudo e do esforço deles. Isso, [com] certeza abrirá portas futuras e aumentará a autoconfiança deles. No caso da minha equipe, que é de escola pública, competiu com as maiores escolas privadas do País e conquistou medalha de prata —, foi muito emocionante. Tenho certeza que marcou a vida deles para sempre. Agora eles sabem que também são capazes, que podem conquistar o mundo. E eles merecem!
Confira as escolas cearenses com equipes vencedoras na 16ª ONHB
- Centro de Educação Básica e Profissional Professor Luciano Feijão: Ouro (Sobral/Particular)
- Escola Estadual Francisca Castro de Mesquita: Ouro (Reriutaba/Pública)
- Colégio Farias Brito Jovem Seis Bocas: Prata (Fortaleza/Particular)
- Colégio Nossa Senhora das Graças: Prata (Fortaleza/Particular)
- Farias Brito Pré-Vestibular Aldeota: Prata (Fortaleza/Particular)
- Escola Estadual Antônia Nedina Onofre de Paiva: Prata (Assaré/Pública)
- IFCE Campus Limoeiro do Norte: Prata (Limoeiro do Norte/Pública)
- Colégio Militar do Corpo de Bombeiros Escritora Rachel De Queiroz: Prata (Fortaleza/Pública)
- Escola Municipal Professora Maria Jose Macário Coelho: Prata (Fortaleza/Pública)
- Colégio Nossa Senhora das Graças: Prata (Fortaleza/Particular)
- Colégio Nossa Senhora Das Graças: Bronze (Fortaleza/Particular)
- Escola Estadual Dona Júlia Alves Pessoa: Bronze (Fortaleza/Pública)
- Colégio Ari de Sá Cavalcante Washington Soares: Bronze (Fortaleza/Particular)
- Colégio da Polícia Militar do Ceará Ministro Jarbas Passarinho: Bronze (Sobral/Pública)
- Colégio Farias Brito Jovem Seis Bocas: Bronze (Fortaleza/Particular)
- Escola Municipal Marieta Guedes Martins: Bronze (Fortaleza/Pública)
- Colégio Tiradentes: Bronze (Fortaleza/Particular)
- Colégio Farias Brito Jovem Eusébio: Bronze (Eusébio/Particular)
- Colégio Farias Brito Jovem Seis Bocas: Bronze (Fortaleza/Particular)
ENTENDA O IMPASSE
Conforme o Diário do Nordeste noticiou no último 16 de julho, quatro equipes da rede municipal de Fortaleza que eram finalistas da ONHB estavam fazendo vaquinhas para custear a viagem a São Paulo. Dessa forma, os estudantes e professores orientadores estavam sob risco de não conseguir estar presente no evento.
Isso porque, segundo a Secretaria Municipal da Educação (SME), o grupo que teria as despesas custeada seria a “Historiadores J.A.”, da Escola Municipal José de Alencar, no bairro Jardim Iracema, que teve o melhor desempenho entre as finalistas da rede municipal.
Em contato com a reportagem, a professora Amanda Duarte explicou que, por não ter recurso, o grupo iniciou um protocolo junto à Prefeitura de Fortaleza em 5 de julho, mas não havia recebido resposta oficial até o dia da veiculação da matéria.
Questionada pelo Diário do Nordeste, a SME informou que a Prefeitura precisa seguir a legislação e, portanto, pagará as despesas de apenas uma equipe. A Pasta se referiu à lei nº 11.320/2022, regulamentada pelo decreto nº 15.578/2023, que dispõe sobre o custeio de despesas para participação em eventos científicos, artísticos, culturais e desportivos de alunos da rede pública municipal de ensino. Pelo texto, o orçamento destinado para essas ações não deve ultrapassar R$ 1,2 milhão por ano e até cinco alunos e um professor podem ser beneficiados por evento ou projeto.
“Ressalta-se que a lei foi criada no ano de 2022 e regulamentada em 2023, partindo da compreensão da gestão municipal sobre a importância de viabilizar que estudantes da Rede Municipal de Ensino possam expandir seus conhecimentos para além da Capital. O projeto inovador prevê que a gestão municipal custeie a participação dos alunos em eventos científicos, artísticos, culturais e desportivos fora da Cidade, incluindo passagens, hospedagem, alimentação e transporte”, ressaltou a Secretaria, em nota.
À época, a orientadora dos “Sábios historiadores viajantes” afirmou que a norma faz sentido juridicamente, mas não social e historicamente, “pois a demanda apresenta uma outra realidade”.
“Deveria ter uma flexibilidade em casos específicos, e não uma rigidez tão grande no que diz respeito a representatividade da educação da Prefeitura em outros estados em eventos nacionais e até internacionais. A Prefeitura estimula a inscrição e participação, mas não garante a possibilidade de irmos até a final. É desestimulante”, argumentou Amanda Duarte.
Após a publicação da matéria pelo Diário do Nordeste, a Secretaria Municipal de Educação (SME) reviu a decisão e anunciou que financiaria os custos de viagem das cinco equipes. “A partir de reivindicações feitas pela categoria de educadores da Rede Municipal de Ensino, a SME, em articulação com a iniciativa privada, irá garantir os recursos que viabilizam a participação das escolas aprovadas”, afirmou a Pasta, em nota.