Entenda impasse entre Governo e Prefeitura sobre a recuperação da Ponte dos Ingleses

Na manhã desta quarta-feira (26), o prefeito de Fortaleza, José Sarto, disse que assumiria a integralidade das obras na ponte devido a uma espera de "um ano e meio" pelo Estado. À tarde, o governador do Ceará, Elmano de Freitas, rebateu as declarações

Os desentendimentos públicos entre a Prefeitura de Fortaleza e o Governo do Ceará sobre a reforma da Ponte dos Ingleses, na Praia de Iracema, ficaram ainda mais evidentes nesta quarta-feira (26), e acentuaram a incerteza sobre o futuro do equipamento centenário que já foi um dos principais cartões-postais da Cidade.

O embate começou pela manhã, com o prefeito José Sarto (PDT) anunciando que tomaria para si a responsabilidade integral sobre a recuperação do equipamento, após "um ano e meio de espera" pela parte que cabe ao Estado, e seguiu à tarde, com o governador Elmano de Freitas (PT) alegando que não teve como tocar a obra porque a gestão municipal não recuperou a base da ponte e, portanto, não cumpriu sua parte no acordo firmado pelos Executivos em 2021.

"Não posso deixar que a Ponte dos Ingleses vire mais um Acquário", alfinetou Sarto, se referindo a outro projeto estruturante parado há mais de uma década na região. "Solicitamos à Prefeitura um esclarecimento, porque não vamos colocar um peso sobre a ponte se, embaixo, não foi feito o necessário para garantir a obra", rebateu, depois, Elmano.

A "disputa com narrativas" entre Estado e Município tomou proporções ainda maiores ao longo do dia, com a divulgação do laudo de uma vistoria técnica feita no último dia 18 de julho por dois engenheiros civis da Superintendência de Obras Públicas (SOP) e um bombeiro militar da Companhia de Mergulho e Resgate.

A equipe constatou que, em sua parte do acordo, a Prefeitura de Fortaleza não recuperou a contento os pilares, as estacas e as vigas que sustentam a Ponte dos Ingleses, o que inviabilizou a continuidade da reforma por parte do Governo do Estado.

O documento, assinado pelo gestor da SOP, Francisco Quintino Vieira Neto, data da última sexta-feira (21), menos de uma semana antes de o prefeito José Sarto anunciar que assumiria a totalidade da obra e revelar que o Estado alegou "indisponibilidade orçamentária" para tocar as intervenções.

O que diz o Governo

Segundo o Estado, cabia à gestão municipal executar uma "parte indispensável do projeto, considerada mais tecnicamente complexa e onerosa", que envolvia o tratamento e o reforço na estrutura de concreto da ponte. Porém, laudo feito pela SOP mostrou que a estrutura segue deteriorada e que, inclusive, corre risco de desabar.

"Considerando que todo o reforço da infraestrutura é de responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza e que foi constatada a inconformidade de que a obra não contemplou a execução de parte indispensável do projeto, considerada mais tecnicamente complexa e onerosa, e que a aplicação do sobrepeso previsto em projeto deve acarretar em colapso da estrutura, considera-se inexequível a execução do projeto que cabe ao Governo do Estado", concluiu o documento técnico.

Cabia à gestão estadual, na sequência da recuperação cumprida pela Prefeitura, construir uma laje em concreto sobre a ponte restaurada e urbanizar o equipamento e seu entorno.

Cumprindo agenda em Brasília, o governador Elmano de Freitas reforçou o posicionamento da SOP de que as intervenções estaduais não foram iniciadas porque as colunas afundariam e disse que a recuperação dos alicerces é de responsabilidade da gestão municipal.

Nós acabamos de oficiar a Prefeitura, porque fizemos um laudo de restauro da estrutura da ponte e o laudo que temos é que ela não suporta. Então, solicitamos à Prefeitura um esclarecimento, porque não vamos colocar um peso sobre a ponte se, embaixo, não foi feito o necessário para garantir a obra".
Elmano de Freitas (PT)
Governador do Ceará

O que diz a Prefeitura

Depois da repercussão do posicionamento da SOP e da declaração do governador Elmano, a Prefeitura voltou a se manifestar garantindo que cumpriu a recuperação dos pilares e das estacas, bem como a estruturação da base para receber o piso em concreto, parte que cabe à SOP, e que as obras foram entregues ainda no ano passado.

"As obras, entregues em janeiro de 2022, atenderam a todas as especificações técnicas de uma intervenção desta natureza, tanto que foi recebida pelo órgão estadual, que utilizou o projeto para realizar uma contratação sem sucesso e uma outra contratação direta com dispensa de licitação para a execução das obras de urbanização, também sem avanços", rebateu, em nota, a Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf).

O órgão também afirmou que recebeu "com surpresa" o laudo de vistoria técnica divulgado pelo Governo e criticou o conteúdo do documento, dizendo que contém "graves inconsistências e erros técnicos, como a descrição dos materiais utilizados na intervenção, dentre outros".

Em resposta ao Diário do Nordeste, o titular da Seinf, Samuel Dias, afirmou ainda que a versão apresentada pelo Governo "difere fundamentalmente" da que teria sido dada pela gestão estadual há cerca de um mês, em uma audiência no Ministério Público do Estado (MPCE). "

"Não tem o menor fundamento técnico essa versão. As obras foram feitas com todo o rigor técnico necessário. A ponte não apresenta nenhum risco estrutural e está pronta para receber as próximas fases, que serão, sim, efetuadas, agora, pela Prefeitura de Fortaleza. Essa nova versão difere fundamentalmente da versão dada um mês atrás, em audiência com o Ministério Público, quando a SOP afirmou que não tinha orçamento para fazer a obra", disse Dias.

Além disso, o secretário disse que o Estado chegou a questionar sua responsabilidade sobre o equipamento. "A única notícia que tivemos foi através de uma audiência com o Ministério Público, que conseguimos ouvir da SOP a questão que eles não teriam orçamento e que entendiam que a ponte não era de responsabilidade da Setur [Secretaria do Turismo do Estado]. Em nenhum momento a SOP levantou qualquer questão técnica", concluiu o gestor.

O Diário do Nordeste entrou em contato na noite desta quarta-feira com o MPCE para buscar informações sobre a reunião ocorrida entre Prefeitura e Estado no último mês de junho e aguarda retorno para atualização desta matéria. 

Imbróglio na execução do projeto

O Diário do Nordeste publicou uma reportagem sobre o andamento da reforma da Ponte dos Ingleses em fevereiro deste ano. À época, foi dito pelo Governo do Estado que a obra estava parada devido a um descumprimento contratual e foi prometido que as intervenções voltariam naquele mesmo mês, mas ainda sem prazo para a entrega.

A reportagem também mostrou que os serviços executados pela Prefeitura, referentes à concretagem das ferragens, à manutenção preventiva e ao restauro estrutural, com investimento de R$ 4,1 milhões, foram concluídos no ano passado e que, desde então, o espaço estava livre para que os operários contratados pelo Estado pudessem atuar.

No entanto, devido à rescisão contratual entre o Estado e a empresa responsável pela recuperação da estrutura, a obra ficou novamente parada nos últimos meses. Até que o Estado conseguiu novamente licenciar as intervenções, mas, após vistoria técnica, concluiu que a estrutura não havia sido bem recuperada.

Na época, a reportagem procurou a SOP em busca de entrevista com o superintendente para entender o que ainda precisava ser feito na estrutura e quanto tempo levaria para a conclusão, mas o pedido não foi atendido.

 

Leia as duas notas oficiais, na íntegra

Nota da Superintendência de Obras Públicas (SOP), divulgada pela manhã nesta quarta (26)

A Superintendência de Obras Públicas (SOP) informa que a Prefeitura de Fortaleza não cumpriu o acordo realizado anteriormente para a plena execução da obra de superestrutura da Ponte dos Ingleses, conforme o Termo de Cooperação Técnica nº 004/2021 - SEINF/SETUR/SOP, assinado em 18 de novembro de 2021.

Pelo acordo, a PMF faria toda a "reparação estrutural da Ponte dos Ingleses, incluindo o projeto de reestruturação do piso". E o Governo do Estado, na sequência, faria a urbanização do equipamento. Um estudo de viabilidade foi realizado por engenheiros da SOP e do Corpo de Bombeiros no equipamento após a conclusão da parte realizada pelo município, pois essa não incluiu uma série de intervenções acordadas anteriormente e previstas em projeto.

O relatório atestou riscos para o equipamento, inclusive de desabamento, caso houvesse o andamento da obra de urbanização, que já estava devidamente licitada pelo Estado.

Nota da Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf), divulgada pela tarde nesta quarta (26)

A Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf) informa que executou o projeto de reparação estrutural da Ponte dos Ingleses que incluía a recuperação dos pilares e estacas, bem como a estruturação da base para receber o piso em concreto, parte que cabia à Superintendência de Obras Públicas (SOP). As obras, entregues em janeiro de 2022, atenderam a todas as especificações técnicas de uma intervenção desta natureza, tanto que foi recebida pelo órgão estadual, que utilizou o projeto para realizar uma contratação sem sucesso e uma outra contratação direta com dispensa de licitação para a execução das obras de urbanização, também sem avanços. 

A Seinf recebeu nesta quarta-feira (26/07) com surpresa, um “parecer de vistoria” assinado por engenheiros da SOP, contendo inclusive graves inconsistências e erros técnicos, como a descrição dos materiais utilizados na intervenção, dentre outros. A justificativa do órgão estadual para a não continuidade das obras que se comprometeu a fazer não traz nenhuma prova concreta de falhas  técnicas de engenharia.

A Prefeitura de Fortaleza reitera que a gestão municipal realizará de forma integral as obras de urbanização da Ponte dos Ingleses, bem como a sua posterior gestão e manutenção, garantindo assim a continuidade das melhorias que já vem sendo realizadas na região e evitando obras descompassadas naquele trecho. 

A decisão se deu após um ano e meio de espera pela execução do projeto por parte do Governo do Estado, que alegou a indisponibilidade orçamentária para a realização das obras, o desconhecimento da posse da ponte, além de outras justificativas apresentadas durante audiência ocorrida em junho deste ano, na sede da 135ª Promotoria de Justiça de Fortaleza.