Professor cearense que descobriu fósseis de dinossauro carnívoro vai ganhar 'Oscar' da Paleontologia

Álamo Feitosa Saraiva, da Universidade Regional do Cariri, é reconhecido pela defesa do patrimônio histórico natural do Estado

Crato, década de 1960. De olhos atentos, o menino Álamo Feitosa Saraiva observa homens valentes tangendo o gado leiteiro criado pelo pai. A admiração é tanta que ele sonha com a mesma profissão: ser vaqueiro no Cariri cearense. Mas os caminhos da vida o levarão a desbravar os segredos escondidos por baixo do solo pisado pelas vacas e bois e a receber, décadas depois, a premiação considerada o “Oscar” da Paleontologia mundial.

Álamo foi agraciado neste ano com o prêmio Morris F. Skinner, que será entregue no mês de novembro. Concedido pela Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP) dos Estados Unidos, ele leva o nome de um importante paleontólogo americano que viveu entre 1906 e 1989 e contribuiu para o acervo do Museu de História Natural de Nova York. Em seus 24 anos de existência, a distinção nunca havia sido concedida a um brasileiro.

Quando Skinner faleceu, Álamo havia acabado de finalizar a graduação em Ciências Biológicas na Universidade Regional do Cariri (Urca) e nem pensava em investigar fósseis da Chapada do Araripe - formação geológica na divisa entre Ceará, Pernambuco e Piauí riquíssima em peças oriundas do período Cretáceo, há mais de 100 milhões de anos.

“Até os 14 anos, o que eu queria era ser vaqueiro”, rememora Saraiva em conversa com o Diário do Nordeste. “Mas sempre fui um cara ligado à natureza: pegava peixes nos riachinhos e fazia criatórios, fazia coleção de conchas e de insetos”.

Ele até pensou em seguir para a Botânica, mas teve grande influência do professor Plácido Cidade Nuvens, então vice-reitor da Urca, para enveredar pela Paleontologia. Na década de 1990, já professor da instituição, Álamo passou a ir a campo com paleontólogos famosos, como Diógenes de Almeida Campos e Alexander Kellner. “Tive um curso rápido estilo ‘Seja paleontólogo em 10 aulas práticas’”, conta entre risadas.

O empenho e a paixão foram tantos que ele fundou e coordena até hoje o Laboratório de Paleontologia da Urca, além de ser curador do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, na cidade de Santana do Cariri, produtor e diretor de filmes didáticos e escritor de livros de paleontologia.

No entanto, o currículo não o envaidece. Álamo considera que o prêmio vem em seu nome, mas reconhece o trabalho de toda uma geração de pesquisadores da região.

“Isso até me encabula porque Paleontologia é uma ciência que não se faz só. Não se vai pro campo só, não se escava só, não se prepara um fóssil só, nem se escreve um trabalho só”, afirma.

Incentivo à pesquisa

Plácido, que dá nome ao Museu, “era uma figura admirável, um dos homens mais inteligentes que conheci na vida”. Sociólogo por doutorado, ele percebeu a importância da preservação dos fósseis - antigamente expostos até em feiras livres do Cariri - e instigou Álamo a seguir o mesmo caminho.

Num dos diálogos mais marcantes entre os dois, o professor cita:

– Álamo, por que você não estuda essas pedras de peixe, esses fósseis? 
– Plácido, é muito longe do que eu faço… eu sou botânico.
– É, e eu sou sociólogo. 

“Isso soou como um tapa na cara. Ele estava se esforçando bem mais longe do que eu”, percebeu.

Além dele próprio, Álamo contabiliza cerca de outros 10 pesquisadores “que vêm dessa semente do Plácido”. E dele mesmo, em sequência, pois a maioria dos professores efetivos da área atualmente é fruto do Laboratório. “Isso me dá muita alegria”, orgulha-se.

Principais descobertas

Com quase três décadas de trabalho em campo, há diversas conquistas acumuladas pelo pesquisador. Ele foi um grande ativista pelo retorno do dinossauro ancestral das aves Ubirajara jubatus, contrabandeado do Ceará para a Alemanha em 1995. O retorno do material ao Estado só foi concretizado em junho de 2023. 

Conheça outras descobertas com a participação dele:

Aratasaurus museunacionali

Partes do dinossauro carnívoro de cerca de 3 metros foram recuperadas de uma explosão de bomba para exploração de gipsita, um mineral abundante na área e utilizado para fabricação de gesso e cimento. Como faltavam equipamentos especializados para estudá-lo, eles foram enviados ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 2015. 

O equipamento pegou fogo em 2018 e deixou os pesquisadores apreensivos, mas as peças haviam sido guardadas num anexo vizinho. “Ele escapou do fogo duas vezes, então resolvemos botar o nome Aratasaurus - ‘arata’ significa ‘nascido do fogo’”, explica o professor.

Camarões bioluminescentes

O grupo ocorre em parte da América do Sul e do sudeste asiatico. Muitos pesquisadores acreditavam que ele era novo, mas os caririenses encontraram o primeiro fóssil no mundo, com 115 milhões de anos. “Uma descoberta fantástica”, considera.

Planta ancestral

Entre as plantas, a mais emblemática foi encontrada por uma aluna orientada por ele. Pertencente à família gnetácea e de origem asiática, ela foi batizada cientificamente com o nome de uma professora da Urca: Arlenea delicata. A hipótese dos pesquisadores é que as sementes dela foram espalhadas pelo mundo por pterossauros, répteis voadores de grande porte.

Legado para o futuro

Álamo espera que o prêmio traga mais holofotes, investimentos e proteção para os fósseis no Cariri, já que ainda hoje as peças são alvo de tráfico internacional e representam perdas significativas para o patrimônio científico-natural cearense. 

“Não se justifica mais fóssil virando gesso, virando cal, virando cimento. O Governo Estadual e o Governo Federal têm que fazer a sua parte. O Estadual já botou o Batalhão de Polícia Ambiental para fazer recolhimentos em algumas áreas de exploração do calcário laminado, mas ainda temos o problema da gipsita explorada na Bacia”, pondera.

Além da produção de conhecimento para toda a humanidade a partir do estudo do passado, o professor lembra que os fósseis também permitem a geração de renda no Cariri por meio do turismo científico e de aventura, favorecendo hospedagens, comércios e artesãos.

O pesquisador ainda reforça a necessidade de mostrar os fósseis “a todo custo” para as novas gerações, pois “ninguém preserva o que não conhece”.

“Como vou fazer um esforço e parar o que estou fazendo para proteger isso? Só se eu souber que é importante e tiver pertencimento disso. Espero que esse prêmio seja um despertar de vocações para que as pessoas vejam a importância do fóssil da Bacia do Araripe”, entende.

Por fim, ele acredita que o estudo é capaz de recompensar até quem nasceu no interior de um Estado e veio de uma família com dificuldades. “Se eu consegui, qualquer um pode”, diz o ex-menino vaqueiro que, assim como seus ídolos do passado, mantém uma relação íntima com a terra onde vive.