"Patrimônio imaterial, mas sem respeito devido”: maracatus cearenses expõem sacrifícios dos desfiles

Tradição e manifestação cultural artística, as agremiações carnavalescas sofrem com a falta de apoio do poder público e melhores condições para desfiles

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Desfiles de maracatus acontecem na Domingos Olímpio desde a década de 1990
Foto: Rodrigo Carvalho/Secultfor

Potência, grandiosidade, criatividade e expressão ancestral. A beleza dos desfiles que ocupam a Avenida Domingos Olímpio nos quatro dias de Carnaval encanta o público, mas até o fim da maratona são muitas dificuldades pelas quais passam essas agremiações culturais, maracatus, afoxés, cordões e blocos.  

Neste sexta-feira (24), acontece a apuração e a divulgação do resultado das campeãs de 2023, a partir de 16h, no Ginásio Aécio de Borba. 

Demandas como falta de incentivo, recursos atrasados e estrutura não adequada aos desfiles ainda persistem na realidade desses coletivos artísticos. Neste ano, por exemplo, o apoio financeiro concedido pela Prefeitura de Fortaleza foi depositado apenas dois dias antes do início das apresentações.  

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“A gente tem que fazer empréstimo pra pagar a estrutura do desfile”, relata Teonildo de Assis Lima, presidente do Maracatu Rei Zumbi, que ainda aponta que o valor de cerca de R$ 30 mil não é suficiente para arcar com os custos.  

Dois anos sem Carnaval por conta da pandemia também castigaram os coletivos. Francisco José Barbosa, presidente do Maracatu Rei de Paus, relembra que houve alguns editais entre 2021 e 2022, mas não foram suficientes. “O recurso acaba, não teve uma continuidade. Mesmo com os editais, ainda ficou muito por ser feito”.   

Sambódromo em Fortaleza?  

Desde a década de 1990, a Domingos Olímpio recebe a estrutura para os desfiles, e essa é outra questão apontada por representantes de Maracatus. Para Marcos Gomes, diretor de Carnaval do Maracatu Az de Ouro, deveria haver um espaço específico para os desfiles das agremiações, como um Sambódromo. “Esse espaço não seria só pro Carnaval, seria pro São João e outras festividades”.  

“Tem muitas árvores no canteiro da Domingos Olímpio, muitas lojas comerciais, não podemos colocar os carros alegóricos nas ruas, porque é passagem dos ônibus. No sábado, não dá pra estacionar nas calçadas porque as lojas comerciais ainda funcionam. Fora a questão do asfalto”, detalha Teonildo.   

Além disso, Teonildo alega que o chão da avenida está cheio de pedras, o que causa machucados nos pés de quem desfila descalço.

“São crianças e jovens que terminam o desfile às vezes chorando com os pés machucados das pedras”. 
Teonildo de Assis
Presidente do Maracatu Rei Zumbi

Por sua vez, Francisco José acredita que a localização e o entorno da Domingos Olímpio favorecem que o evento aconteça lá. O problema, conforme ele, é que a estrutura é montada de última hora. "Lá próximo, tem o 5º Batalhão da Polícia Militar, tem um público já fiel, tem várias estações de ônibus”.  

“O negócio é adequar a avenida, fazer lances de arquibancada fixos dando condição pro comércio continuar existindo durante todo o ano”.  
Francisco José Barbosa
presidente do Maracatu Rei de Paus

Quem partilha dessa opinião é Márcio Santos, do Maracatu Vozes da África, que afirma ser uma localização estratégica “Se a gente pegar a história do carnaval de rua de Fortaleza já passamos por vários espaços, já foi na Duque de Caxias, já na Avenida da Universidade. Fomos pra Domingos Olímpio, tentaram levar pra Beira Mar, mas não deu certo”.  

“Eu acho que não precisa construir sambódromo, primeiro, nosso carnaval precisa ter visibilidade e uma melhor estrutura. Tem muita ‘tartaruga’, ciclofaixa, via de ônibus, não sei qual seria a solução, mas é preciso pensar em algo. Temos que ter o maior cuidado com os carros alegóricos pra não bater nas tartarugas”.  
Marcio Santos
do Maracatu Vozes da África

Legenda: Agremiações demandam mais incentivo do poder público
Foto: Rodrigo Carvalho/Secultfor

Dia de Maracatu  

Passado o Carnaval, a demanda agora também é para a realização dos cortejos festivos do dia 25 de março, mais conhecido como o Dia do Maracatu, em alusão à libertação dos escravos no Ceará. Desde 2013, com a Lei Municipal 5.827/1984, o objetivo é celebrar, valorizar e divulgar o Maracatu Cearense em Fortaleza.  

Além da data, essas agremiações são reconhecidas como patrimônio imaterial da Capital cearense, desde dezembro de 2015, pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza (Comphic). “Da última vez, não teve cortejo e queremos que o poder público já esteja com esse recurso pra que a gente consiga realizar o evento e temos a lei municipal”, diz Francisco.  

Legenda: Dia do Maracatu é celebrado no dia 25 de março, em Fortaleza
Foto: Rodrigo Carvalho/Secultfor

“Como eu sempre falo, a gente não tem o respeito devido, embora nós sejamos patrimônio imaterial de Fortaleza. Não é só um título no papel, mas é pra ter estrutura, condições pra fazer o nosso trabalho com muito mais excelência. O mínimo que se deve ter é recurso, investimento pra que essa manifestação cultural seja resguardada”, acrescenta Marcio. 

Ao Diário do Nordeste, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) informou que uma reunião deve ser marcada nas próximas semanas com as agremiações para estabelecer um diálogo. Além disso, o edital da festa do Dia de Maracatu será lançado nos próximos dias. 

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