Na rua, no quintal ou na livraria, por que você deveria participar de um sarau

Oferta desses encontros em Fortaleza é grande, alcançando diferentes praças, públicos e apelos; confira experiências e lugares onde eles acontecem

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: A Confeitaria Sublime, no São João do Tauape, iniciou com uma edição experimental do sarau em setembro de 2021, e gostou da experiência
Foto: Arquivo pessoal

Gostamos de estar com pessoas. Não se trata de generalização: o espírito humano é social. Dito isso, a experiência dos saraus é um dos melhores exemplos de como o encontro com os pares pode ser bonito e frutífero. Na capital cearense, essas reuniões acontecem do Curió ao Jangurussu, entre o Benfica e o São João do Tauape. E você deveria participar delas.

Integram a vida de pessoas feito o artista interdisciplinar David Devir, 30. Ele é enfático quando o assunto envolve saraus: as iniciativas propõem uma perspectiva relacional, estimulando a participação direta dos envolvidos. “Você tanto pode ir para assistir à programação – organizada pelos próprios moradores daquela localidade – como também para mostrar sua arte, seja qual for a linguagem (teatro, literatura, dança ou música)”, partilha.

Com essa dinâmica, os espaços se tornam recantos capazes de estimular e possibilitar a visibilidade de diversos artistas locais. Também é interessante encará-los como lugar de experimentação e treinamento, no qual talentos iniciantes desenvolvem a própria habilidade – mirando talvez em festivais mais complexos e editais promovidos pelo Estado futuramente.

Legenda: Sarau Livre, localizado no bairro Curió: diálogos entre diferentes assuntos, com distintas faixas de idade
Foto: Divulgação

Não há segredo: é chegar, trocar ideias e sentir a boa energia que vem do contato. Neste momento de retomada das atividades presenciais, parece não haver nada melhor que esse sentimento de pertença. “Além disso, os saraus também são espaço de formação do pensamento crítico social. Quem os frequenta pode refletir sobre a cidade em que vive, questionar as políticas públicas voltadas para a juventude ou a própria estrutura do bairro”.

David situa dois promissores saraus em Fortaleza: Sarau Livre Curió, localizado no bairro homônimo; e o baRRósas, totalmente organizado por e para mulheres, no Barroso. Este último é o que ele frequenta. Ambos possuem perfil nas redes sociais, onde divulgam quando haverá as próximas edições. Fique atento: oportunidade.

Fortaleza, inclusive, é um manancial de saraus e poesia. Em todos os cantos da cidade, há muito tempo os fazedores de saraus se manifestam. Há o Sarau Bate Palmas, no Conjunto Palmeiras; o Sarau da B1, no São Cristóvão; o Okupação, no Antônio Bezerra; o Corpo sem Órgãos, no Conjunto Ceará, apenas para citar alguns.

Legenda: O Sarau BaRRósas, totalmente organizado por e para mulheres, acontece no bairro Barroso
Foto: Arquivo pessoal

Independentemente de onde acontecem, é natural que pessoas de outros bairros os frequentem – estando na programação do evento ou sendo apenas público, em busca de atividades gratuitas e de qualidade. Para se apresentar, basta entrar em contato com o(a) organizador do sarau, informar o tipo da apresentação e a duração. Pronto: microfone aberto, é possível mostrar a própria arte no encontro. 

“Essa dinâmica cria um clima de encorajamento nos jovens que assistem. A simplicidade e possibilidade de ver o seu parceiro ou parceira se apresentando gera em quem ainda não é artista a possibilidade de, de repente, escrever uma poesia e recitar no próximo sarau – com essa produção sendo ouvida por outras pessoas”, situa Devir.

Geralmente, os poemas escritos e declamados falam da difícil realidade daquelas juventudes. Entra em cena, assim, o fomento à criticidade por meio da organização de ideias que contestam e denunciam as múltiplas formas de desigualdade. 

“Por outro lado, falar dessas mazelas, da realidade que se vive nas periferias, também faz dos saraus espaços de catarse, empatia e altruísmo, uma vez que expressar daquilo que dói é uma tentativa de equilíbrio e busca da saúde mental”.

Periferia e além

Certo é que, com maior incidência nas periferias, os saraus também estão chegando a outros espaços da cidade, apresentando diversas faces dessa iniciativa. Foi assim que a artista visual e escritora Renata Froan, 33, estreou no movimento. Até agora, ela participou de apenas dois saraus, mas já garante o encanto por essas reuniões repletas de força, beleza e inspiração.

“Meu desejo é seguir participando, partilhando poemas, jogando as palavras no mundo. Muitas vezes o caminhar na escrita é bem solitário, então poder dividir, conversar, ouvir o que outras pessoas escrevem, o que pensam sobre sua escrita, é incrível”, divide.

Legenda: A artista visual e escritora Renata Froan estreou nos saraus recentemente, por meio da iniciativa promovida pela Livraria Lamarca
Foto: Arquivo pessoal

Recentemente, ela lançou o primeiro livro, “No coração do escorpião mora o perigo”, de poemas. Na ocasião, integrou o sarau da Livraria Lamarca, no Benfica. Ali mesmo já ficou bastante claro: é só chegar nessas programações e somar. A partir do momento de microfone aberto, quem quiser ler, cantar ou se apresentar de outro modo, pode se aproximar e partilhar.

O resultado se reflete em amplos aspectos. No caso de Renata, compor a atmosfera dos saraus interfere na forma como ela se percebe escritora. “Partilhar a escrita me mudou profundamente. Levei muito tempo para colocar meus textos no mundo, me entender enquanto escritora. Quando comecei a fazer isso, parece que um universo se abriu. Participar de programações literárias como os saraus me fortalece enquanto artista”.

Não à toa, o incentivo: por geralmente serem espaços abertos para a participação de qualquer um que deseje compartilhar trabalhos artísticos, os saraus são espaços de muita troca e fortalecimento. “Por isso acredito que todos deveriam conhecê-los, somar nesse movimento”.

Democracia e comunicação

Poeta, idealizador e produtor do Sarau Lamarca, Francélio Alencar explica que a ideia de fazer esses encontros no estabelecimento iniciou em 2018, a partir de um bate-papo com os gestores da livraria. O espaço – que ambienta não apenas o comércio de livros, mas também se propõe a outros projetos – almejava promover atividades variadas. 

“Nada melhor do que os saraus pra reunir os fazedores de arte da cidade”, percebe o artista. “Iniciamos fazendo mensalmente; depois, pela dinâmica mais intensa, passamos mais de dois anos realizando semanalmente às sextas, fazendo mais de 100 edições com mais de 200 artistas. Hoje fazemos novamente de forma mensal”.

Legenda: Poeta, idealizador e produtor do Sarau Lamarca, Francélio Alencar explica que a ideia de fazer esses encontros no estabelecimento iniciou em 2018
Foto: Divulgação

As participações variam de edição para edição. Francélio montou uma programação básica com cinco ou seis artistas; depois, abre-se o microfone para quem quiser participar com os próprios poemas ou músicas. Saraus são democracia e comunicação.

“Sempre penso o sarau como uma manifestação de diversidade, onde todas as linguagens artísticas podem coexistir. A poesia escrita é o grande motor, mas a poética está em tudo e em todxs que se permitem participar. A repercussão desses anos tem sido muito positiva. As pessoas sempre perguntam: e aí quando tem sarau? Posso participar? Claro que pode! No sarau, todxs são bem vindos. Menos fascistas, é claro!”, sublinha.

Esticar os saraus

O espírito agregador percorre outro espaço da cidade cujo sarau acontece para além das periferias. Localizada no São João do Tauape, a Confeitaria Sublime iniciou com uma edição experimental em setembro de 2021, e gostou da experiência. Na ocasião, recebeu o pernambucano Thiago Medeiros, as escritoras cearenses Dauana Vale e Vitória Andrade, e muitos outros convidados.

A proposta é tornar o momento informal. Ainda não há frequência definida para ocorrência dos encontros, mas a tendência é que o sarau entre na programação fixa do estabelecimento, assim como as apresentações musicais e clubes de leitura. 

Legenda: Ainda não há frequência definida para ocorrência dos encontros na Confeitaria Sublime, mas a tendência é que o sarau entre na programação fixa do estabelecimento
Foto: Divulgação

“Cada pessoa participa da forma como se sentir mais à vontade: lendo um texto próprio, de outro autor, ou mesmo só como ouvinte”, pontua Airton Correia Jr., proprietário da Sublime. “Tivemos um bom feedback. Há expectativa para os próximos, tanto de quem participou do último como de clientes que não conseguiram estar presentes”.

A torcida é para que a cultura, a poesia e a literatura ocupem cada vez mais espaço. “Acreditamos que a arte é transformadora. É um momento de novos escritores mostrarem seus trabalhos e um instante do público ter acesso a novos talentos”.

O sarau, enfim, é onde você quiser. Não é um lugar específico. É rua, quintal e livraria. Sala, palco e asfalto. Manifestação de arte e contestação. “Junte duas, três pessoas, saia recitando poesias e você já tem um sarau”, sintetiza Francélio Alencar. Que assim seja.


Serviço
Saraus em Fortaleza
Perfil dos saraus mencionados na matéria: Sarau baRRósas (@barrosaspoesia), Sarau Livre Curió (@livrolivrecurio), Sarau Lamarca (@livraria.lamarca) e Sarau da Confeitaria Sublime (@confeitariasublime

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