Mulheres comediantes cearenses descobrem na internet uma nova modalidade de fazer humor

Como forma de reinvenção e experimentação, humoristas libertam a veia cômica com produção de conteúdo para as redes sociais

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Jéssika iniciou no humor fazendo stand up comedy e hoje experimenta novos formatos na internet
Foto: Arquivo pessoal

Que o Ceará é conhecido como a terra do humor isso não é segredo para ninguém. Chico Anysio, Tom Cavalcante, Rossicléa e tantos outros nomes integram a lista de referências do gênero. Se por muitos anos esse palco foi ocupado em maioria por homens, hoje presenciamos uma nova geração de mulheres na comédia e habitando outros espaços, como a rede social. 

Foi nas brincadeiras despretensiosas entre os amigos que Mila Costa, de 34 anos, descobriu ter uma veia cômica. Quando começou na internet, há cinco anos, a cearense fazia graça com o que vivenciava: os estudos para concurso. Formada em Direito, foi no humor, no entanto, que ela se encontrou. 

“Sempre achei que o humor era uma saída pras coisas. Quando estava na faculdade e estudava pra concurso, comecei a fazer umas sátiras sobre a nossa rotina e daí surgiu a ideia de fazer isso no Instagram e, de repente, se tornou algo maior”, relembra Mila. 

Caminho parecido foi trilhado por Jéssika Angelim, de 32 anos. Apesar de saber que era engraçada e de gostar de fazer os outros rirem, a comediante demorou a acolher essa característica como algo rentável.

“Foram barreiras minhas comigo mesma. Morando no Canadá, comecei a estudar em uma escola de atuação, mas eu só via como teatro, não me via como comediante”. 

De volta ao Brasil, mas para morar em São Paulo, o teatro seguiu como um hobby. “Isso acabou se tornando maçante pra mim, não era meu movimento. Eu sempre queria colocar uma pitada de humor, colocava uma comicidade que não cabia. Passei um tempo sem fazer nada e quase explodo. Não queria assumir que era comédia que eu tinha que fazer”, conta.

Foi preciso que uma pessoa pouco próxima a ela sugerisse que Jéssika fizesse stand up comedy. “Fui fazendo e pegando o gosto, entendi que eu dava pra coisa, pois comecei a ouvir muitos feedbacks da galera. Aí pronto, me encontrei”, diz a cearense. 

Pandemia 

Recém-saída de um emprego e no meio de uma pandemia, Mila viu a vida ter uma reviravolta impensável e, mesmo já produzindo conteúdo para o Instagram como hobby, decidiu tornar aquilo uma profissão. A brincadeira deu tão certo que foram cerca de 28 mil seguidores a mais nesse período de março a outubro. 

Legenda: Durante a pandemia, Mila teve um crescimento de 28 mil seguidores no Instagram
Foto: Arquivo pessoal

“Não imaginava chegar onde cheguei, pois comecei de forma despretensiosa. Ter essa quantidade de gente me seguindo era algo muito distante, agora se tornou meu trabalho”, afirma Mila. 

Já para Jéssika a internet se tornou um espaço de experimentação nesse período, já que antes o foco era o trabalho nos palcos, com produção de vídeos. 

Se para quem está começando a internet é uma plataforma que funciona como uma vitrine, para quem já está no ramo há mais de 30 anos é uma oportunidade de reinvenção. Uma das pioneiras da comédia cearense, Rossicléa criou um curso online para formar novos comediantes, a Universidade da Rossicléa. 

“É uma vontade minha estar na internet pra quando lembrarem daqui 20 anos da gordinha do Ceará da voz estridente, me acharem. É um ambiente muito tóxico, que insufla muita violência, mas é por isso que eu tenho que estar também pra levar um outro olhar”, explica Rossicléa. 

Experiência 

“Eu comecei muito cedo, sempre fui uma menina que gostava de falar, de responder professor em sala e quando eu vi isso, essa possibilidade, abriu um novo mundo pra mim. A comunicação, a necessidade de me comunicar, de ser vista, compreendida, tudo pode ser feito com humor e eu descobri isso muito cedo”, conta a humorista sobre como tudo começou. 

Legenda: Há 32 anos trabalhando com a comédia, Rossicléa precisou se reinventar com a internet
Foto: Divulgação

Para ela, esse movimento da nova geração se descobrir seja no stand up ou nas redes sociais, é um ganho enorme para o humor cearense.

“Quando você vê jovens cearenses hoje testando, fazendo stand up, mostrando outras formas de se fazer comédia e tendo espaço pra isso, que é o autoral, eu me sinto realizada”.

Dificuldades 

Trabalhar com a arte, embora prazeroso, é envolvido em dificuldades. Para Rossicléa, a maior delas é perceber as mudanças com o passar dos anos e colocar isso na comédia de forma responsável. “Eu sou do tempo que se podia falar tudo, hoje temos que olhar sempre para o outro. É muito importante quem tá no humor analisar isso, ter cuidado de não potencializar esses preconceitos e não ferir ninguém”, ressalta. 

Mila aponta que a maior dificuldade que enfrenta é manter a saúde mental. “Quem trabalha com internet precisa fazer terapia, é um lugar onde as pessoas opinam e falam qualquer coisa. A cobrança é muito grande, você mesmo se cobra muito, trabalhar com as expectativas dos outros é muito complicado”. 

“Pra mim, é você ter tanto autoconhecimento e tanta noção de quem você é a ponto de entregar pra plateia algo leve e natural. Ainda tem muito estigma sobre quem faz humor, o talento de alguns é dança, de outros é canto, de alguns é fazer graça e tomara que todo mundo que tenha esse talento entenda que pode fazer isso de uma carreira. É tão bom rir”, conclui Jéssika. 

Ouça o podcast Diz, Mulher, com Gabi Dourado

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