Há 40 anos em Fortaleza, Bar do Frazão vira hit no TikTok ao reunir bodega, roda de samba e boemia

Com cara de casa e clima de interior, estabelecimento no Álvaro Weyne tem convocado antigas e novas gerações a reviver outros tempos e conservar a energia festiva e simples da cidade

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Misto de bodega, boteco e boemia, o Bar do Frazão tem feito sucesso muito além do Álvaro Weyne
Foto: Ismael Soares

“Eita que é papudim reunido”, alguém grita. São 20h de uma terça-feira. No Bar do Frazão, parece domingo. Mal-iluminado e carente de pintura, o estabelecimento no Álvaro Weyne brilha entre quatro paredes. Roda de samba, turma de amigos reunida e clima de festa desanuviam qualquer tristeza. Tem cheiro de outro tempo. Tem cara de outra cidade.

Esse clima de interior na Capital – num misto de bodega, boteco e boemia – é o responsável por fazer o lugar se tornar um hit nas redes sociais. Faz quatro meses desde que Plínio Henrique, um dos frequentadores do bar, publicou um vídeo no TikTok e viu tudo ficar diferente. “Agora vem gente até de outras cidades, do Brasil inteiro”, celebra o empresário.

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Não é por menos. Imagine um recanto onde o papo é fácil e a brincadeira é constante. Onde se toca samba, bossa nova, internacional e MPB com zero formalidade. Onde os pedidos são anotados na caderneta e, se o cliente quiser tira-gosto, ele que traga. No balcão tingido de vermelho, só passa cerveja, cachaça, whisky e “tranqueiras” em geral.

Sem camisa, atrás do birô, está o próprio mentor, Antônio José Alves Frazão. Sessenta e sete anos de vida e 45 dedicados ao comércio. Natural de Mulungu, município do Maciço de Baturité, interior cearense, tem quatro décadas que abriu a bodega de codinome bar – herança do tino do pai e dos irmãos mais velhos para os negócios. “Segui o rumo deles”, conta.

Sem nunca ter trabalhado em outra área e empresa – “sou preguiçoso”, confessa, aos risos – tirou dali não apenas o próprio sustento, mas a capacidade de manter alegria na vida. Adora ver o cantinho lotado, embora não seja muito difícil. Minúscula, o que a mercearia ostenta de grande é mesmo a tradição.

São prateleiras lotadas de pacotes de arroz, feijão e outros insumos. Biscoito, margarina, leite condensado e goiabada. Pendurados no teto, pano de coar café, raspa-coco, pano de chão e, pasmem, até ratoeira. “Tem de tudo, até lamparina usada. O que você quiser, encontra aqui. As pessoas mesmo comentam, ‘É só ir lá no Frazão que tem’”.

Legenda: Com toda a simplicidade, Frazão anota os pedidos na caderneta "pra ninguém sair sem pagar"
Foto: Ismael Soares

Nada de luxo, nada de cerimônia. Aos mais exigentes, parece até decaído. Bom mesmo, porém, é ver a energia brotando do gogó, dos instrumentos e da camaradagem. Diariamente, incluindo sábados, domingos e feriados, a roda se forma e chama mais gente. Sem esforço, naquele compromisso bonito apenas com o prazer de estar.

Resgate do que importa

Shaolin da Costa, 62, é um que não desgruda dali. Há 15 anos foi convidado para conhecer o bar e nunca mais se despediu. Manipula um cajon quando iniciamos a prosa. “Não sou profissional, mas já toquei na noite e faço composições também. Continuo fazendo isso, embora sempre brincando por aqui”.

Descontração é palavra-chave quando pensa na bodega-bar. O sentimento cresce sobretudo quando situa o local como um paraíso para quem chega do trabalho e quer apenas relaxar. “Dos sete dias da semana, se eu pudesse vir oito era bom”, gargalha. “É difícil se despedir, a gente sai daqui andando de costas, já pensando em voltar”.

Legenda: Diferentes instrumentos, estilos e canções fazem morada nas rodas musicais do Bar do Frazão
Foto: Ismael Soares

Enoc Morais, 61, segue na mesma toada. No posto de radialista e musicoterapeuta, é satisfatório ver o quanto a arte pode mudar o cotidiano das pessoas. É mais que apenas reunir gente pra lembrar clássicos do rádio: tem mais a ver com fortalecimento de laços, riso solto, paz interna. “Há 30 anos venho pra cá e nada mudou”.

“Muita gente pergunta como é possível reunir tantos músicos em um bairro só. Respondo que é coisa de Deus. Aqui a gente se encontra, conversa, troca figurinha e aprende também. O Frazão estimula muito porque ele também é cantor e compositor. Esse caba do Mulungu tem muitos versos bacanas, sabe?”.

Legenda: O radialista e musicoterapeuta Enoc Morais, entre músicas e insumos alimentícios: "Há 30 anos venho pra cá"
Foto: Ismael Soares

Não apenas Frazão, diga-se de passagem. Carlos Falcão, 66, igualmente. Compôs uma canção encostado no balcão do dono da bodega. Chama-se “Cultura de bar”, prontamente cantada ao vivo e a cores para este repórter que vos escreve. A última estrofe diz: “Mas o camarada que tá do meu lado/ Pede uma rodada e fala pra mim/ Tu já pensou se o dia tivesse mil horas?/ 800 delas eu ficava aqui”. Paixão louca.

A resenha aqui é boa demais. E outra coisa: estamos numa idade em que não almejamos mais nada na vida. Só se divertir, curtir, tomar um whiskyzinho com mel, limão e água mineral com gás”, chacoalha o pulso com o copo na mão. “Aqui a gente bebe fiado; às vezes paga, às vezes não paga; e, quando não paga, continua sendo bem-vindo. Isso é que é bom”.

Legenda: Carlos Falcão (à esquerda) compôs uma música no balcão de Frazão
Foto: Ismael Soares

É o artesão Daniel Carlos, 52, quem fecha o time dos músicos entrevistados. São 20 no total, revezando-se entre os dias. Para ele, o coração do Bar do Frazão está no resgate. De costumes, de canções, de comportamentos. “Uma vez, um senhor chegou e disse: ‘Vocês não sabem a felicidade em estar aqui. Esse lugar lembra o meu pai, no interior. Lá tinha esse mesmo formato’. Isso são lembranças. A gente faz esse retorno ao passado no presente”.

Ser família

Foram esses os ingredientes que despertaram o já citado Plínio Henrique a fazer um vídeo e publicar nas redes sociais. O primeiro apresentava apenas a estética única da bodega. Na sequência, a exibição do molejo da roda de música ia um pouco mais além. Em pouco tempo, mais de 20 mil visualizações se acumularam e tudo se deu.

Legenda: Diversidade de itens é o que não falta na bodega
Foto: Ismael Soares

“Eu não era de frequentar aqui, quem vinha era o meu sogro. Mas aí o cara chega, tem música, uma cervejinha… Pra sair, ‘tem é Zé’”, situa. “E preciso dizer: o caba morar aqui perto não é bom não, viu? Haja fígado. E eu só não me arrisco na roda de samba porque não quero perder seguidores. Se eu inventar de cantar, é isso que vai acontecer”.

Frazão, claro, é todo orgulho de ver o empreendimento se expandir mundo afora. Não tem pretensão de mudar nada. Honrar a memória do pai e as próprias raízes interioranas é lei. Por isso mesmo, acredita que, quando partir, a bodega também sumirá. Os três filhos, já crescidos, trabalham em outras áreas e parecem pouco afeitos a seguir com o negócio.

Legenda: Ninguém vai embora até que, às 21h, as luzes se apaguem; o Bar do Frazão não dorme
Foto: Ismael Soares

“Mas enquanto eu tiver vivo, isso aqui tem que ficar vivo. A gente vive muitas histórias nesse balcão. Quem chega, geralmente tá sofrendo com dor de cotovelo, e aqui se cura – ou, pelo menos, diminui. Sou eu que curo esses meninos”, sorri ao lado de Velma, esposa e “eterna namorada”.

Ninguém vai embora até que, às 21h, as luzes se apaguem. O Bar do Frazão não dorme. Apenas descansa. Às 7h, já é hora de abrir as portas de novo e de novo e de novo. A vida pode ser assim. “Viver bem não é ter dinheiro: é ter amizade. Nessa parte, sou rico. Sou o cara mais feliz do mundo com todos os meus amigos aqui”.

 

Serviço
Bar do Frazão
Esquina das ruas Graça Aranha e São Bernardo, Álvaro Weyne, Fortaleza. Funcionamento: diariamente, de 7h ao meio-dia e de 15h às 21h

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