Estética de "Matrix" inclui de filmes clássicos de ação à figurino sadomasoquista
"Matrix" (1999) aterrissou nos cinemas sem muito alarde, mas conseguiu atingir em cheio o entretenimento do início dos anos 2000, alterando as formas de produção na moda, música, publicidade entre outras expressões artísticas
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Em Fortaleza, a obra-prima das irmãs Wachowski acompanhou o ritmo da estreia brasileira e só chegou aos cinemas locais no dia 21 de maio de 1999, quase dois meses da estreia nos Estados Unidos. O filme ocupou apenas três salas da capital cearense, porém, a febre mundial em torno da ficção científica também pode ser sentida meses depois nas locadoras de VHS da cidade.
Sem o atual serviço de compartilhamento via streaming, a obra atingiu o reconhecimento por meio de uma divulgação boca a boca eficiente. O ritmo acelerado e as coreografias de luta popularizaram rapidamente "Matrix" entre os fanáticos por filmes de ação.
A batalha de Neo e sua turma contra a opressão das máquinas reunia influências de produções orientais de Kung Fu. A cena de luta entre Morpheus e Neo, logo no começo da história, conectava a memória do espectador com fitas protagonizadas por mestres Shaolin.
Quem apreciava trabalhos de John Woo como "Bala na Cabeça" (1990) e "Fervura Máxima" (1992) se deleitou com a profusão de tiroteios e cenas de resgate.
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Outro recado direto e mágico foi a consolidação do efeito "bullet-time", responsável por criar a cena em que Neo desvia das balas atiradas por um dos agentes. O jogo de câmeras tornou-se mania, passando a ser utilizado amplamente em várias outras obras de Hollywood, aparecendo também em jogos eletrônicos, comerciais e videoclipes.
Cena com efeito bullet-time
O delírio visual criado pela equipe de "Matrix" jogou nos olhos do espectador um mundo artificial filmado de forma especialmente cartunesca. É possível a sutil impressão de que os prédios, paredes e objetos de cenas são de isopor. A ilusão na qual a mente dos humanos está presa é sordidamente artificial e plastificada.
Boa parte dos cenários são limpos e até a sujeira do quarto de hotel onde Trinity surge na trama soa asséptico, despregado do real.
Cada frame obedece ao uso do filtro verde, sinalizando a ideia para o espectador que ele via a Matrix por meio de um monitor comum dos anos 1990. Já as cenas representando o mundo real, assim como na nave Nabucodonosor possuem tonalidade azul.
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Outro elemento é o preto, além das famosas cores vermelha e azul das pílulas apresentadas por Morpheus.
Outro atrativo da obra é reunir expressões culturais de nicho como a atividade hacker, consumo de drogas alucinógenas e a prática sexual BDSM. O figurino justo e repleto de látex preto representa bem esse tipo de estética mais underground.
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Música
A trilha sonora reunia nomes de peso da indústria musical daquele momento. Rock Industrial, New Metal e música eletrônica ditavam o ritmo das cenas. Rob Zombie e seu "Dragula" explodem na festa em que Neo e Trinity se conhecem.
O grande tiroteio no lobby do prédio onde Morpheus está preso é embalado pela faixa "Spybreak", dos ingleses da Propellerheads. A faixa, ou versões similares tornou-se obrigatória na mídia. "Wake Up", do Rage Against the Machine preenche brilhantemente a cena final em que Neo voa como o Super-Homem.
A primeira parte da franquia "Matrix" preservou-se como documento generoso do cinema hollywoodiano sobre liberdade, justiça e conexão com um mundo melhor. É uma mensagem de coragem, um aviso para o milênio que batia à porta de todos.