Demissões e prejuízo milionário: qual o futuro da cearense Aeris, única fabricante de pás eólicas do Brasil?

Mais de 5 mil funcionários já foram demitidos pela empresa

Escrito por
Mariana Lemos mariana.lemos@svm.com.br
(Atualizado às 09:33, em 21 de Fevereiro de 2025)
foto da planta da Aeris no Porto do Pecém
Legenda: Cearense Aeris, fabricante de pás eólicas no Porto do Pecém, enfrenta crise financeira
Foto: Divulgação

Com o cenário de redução da demanda de novos parques de energia eólica que se prolonga desde o ano passado, a preocupação recai sobre a sustentabilidade financeira das empresas do setor. 

A empresa cearense Aeris, a única fabricante brasileira de pás eólicas em operação, vem enfrentando resultados financeiros negativos. Na última semana, a indústria demitiu 700 funcionários de sua planta no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do Ceará (Sindmetal-CE), mais de 5 mil funcionários já foram demitidos pela empresa ao longo da crise no setor. Um corte de 1.500 funcionários ocorreu em maio de 2024, após rompimento de contrato com a companhia europeia Siemens Gamesa. 

Segundo a Aeris, foram realizados ajustes na infraestrutura devido à perda de demanda e à situação do mercado. Em nota, a Aeris ponderou que acredita nas perspectivas positivas de futuro, com os investimentos previstos em energia renovável para a cadeia do hidrogênio verde.

A empresa convocou assembleia com investidores para prorrogar o pagamento de juros remuneratórios, inicialmente previsto para 15 de janeiro, por mais 30 dias. Um primeiro adiamento foi consentido anteriormente.

A administração da companhia também pedirá alteração de prazos das debêntures (títulos de dívidas emitidos por empresas de capital aberto na bolsa) e alterações no cronograma de juros. 

Segundo a Aeris, a companhia tem tratativas em curso com seus principais credores para aprimorar a estrutura de capital e otimizar a situação financeira. 

A companhia cearense fechou o terceiro trimestre de 2024 com prejuízo de R$ 56,7 milhões. A receita teve redução de 13% e atingiu o menor valor desde 2022. Entre os motivos apontados, além da queda da demanda, está o descomissionamento de duas linhas. 

RECUPERAÇÃO É DIFÍCIL

A Aeris é uma das empresas mais afetadas pela crise no setor devido uma conjunção de fatores econômicos, avalia Jaques Paes, professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV. A redução de demanda se combinou à falta de diversificação de clientes e alta concorrência global.

A empresa cearense, que produz pás eólicas sob contratos de longo prazo, vem sofrendo devido à diminuição do número de clientes. 

“Com o rompimento de contratos de longo prazo, influencia o fluxo de caixa e a sustentabilidade financeira da empresa. Há dificuldade de investir em novos projetos, que acaba criando um espiral descendente da empresa”, aponta o especialista.

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Outro elemento que explica a crise é alta variação do preço do dólar. “Há um aumento na concorrência com os fabricantes estrangeiros. O dólar está chegando a valores que torna inviável a negociação do produto frente a quem fabrica em dólar”, explica Jaques Paes.

Ele ressalta que o quadro de funcionários é diretamente proporcional à quantidade de projetos em andamento, embasando as demissões em massa realizadas pela companhia. 

Na análise do professor da FGV, tendo em vista que o setor eólico não apresenta sinais claros de recuperação, é difícil que a Aeris se recupere financeiramente e retome o patamar de operação anterior.

Eu acho que a empresa não consegue resistir sem que haja intervenção governamental - não estou falando de aporte, mas sim de proteção à indústria nacional, de polícias que reduzam a dependência de fabricantes estrangeiros.
Jaques Paes

ELEMENTO IMPORTANTE DA INDÚSTRIA CEARENSE

Outro fator que pode contribuir com o desempenho financeiro negativo da empresa é a diminuição das exportações para os Estados Unidos, diante da política protecionista de Donald Trump, acrescenta Bernardo Viana, diretor de regulação do Sindienergia.

“É uma tempestade perfeita: o mercado brasileiro com desaceleração de fonte eólica e o mercado norte-americano cortando subsídios e incentivos na cadeia da exportação. Se você pegar o histórico, a Aeris se deu bem com suas exportações durante o governo Biden”, aponta.

O dirigente do Sindienergia destaca que a empresa é um importante ativo da indústria de energia cearense, com quadro de funcionários que já chegou a oito mil trabalhadores

Bernardo Viana pondera que há uma excelente oportunidade de mercado a vista: a potencial indústria eólica offshore, que teve a regulamentação aprovada no fim de 2024 e pode começar a sair do papel nos próximos anos. 

“O problema disso é o timing. É qual momento realmente vão começar as obras e a Aeris vai precisar ajustar sua produção para atender a cadeia eólica no mar. De fato, existem muitos projetos no Brasil, que podem garantir 10 anos sem crise para o setor. Mas no curto prazo, realmente é bem delicado”, avalia.

Jurandir Picanço, consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), reitera a visão que os parques eólicos tradicionais, em terra firme, não estão com demanda significativa para aquecer a operações das indústrias de pás e aerogeradores.

O especialista explica que a energia eólica perdeu protagonismo para a energia solar fotovoltaica, que inicialmente era menos competitiva, mas passou por forte redução de custos. 

“A perda para o setor eólico cearense já ocorreu com a redução da atividade do setor no Brasil. A Aeris é hoje a única fabricante de pás eólicas em território brasileiro. As demais encerraram suas atividades”, ressalta. 

Conforme a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), nenhum novo aerogerador foi contratado ao longo de 2024. O setor projeta melhora ao longo de 2025, com novos parques eólicos contratados no segundo semestre. 

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