Como a empresa do homem mais rico do Nordeste é afetada pela crise do setor eólico?

Companhias de energia eólica do Ceará tiveram prejuízo de mais de R$ 104 milhões

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foto de turina de energia eólica
Legenda: Setor de energia eólica do Brasil vive a pior crise da história, segundo entidades
Foto: Thiago Gadelha

A crise no setor de energia eólica, causada pela redução da demanda de energia e cortes na geração determinados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), traz dificuldades para empresas de geração de energia e também para a indústria do setor - que produz componentes dos parques eólicos. 

As empresas do setor já tiveram prejuízo de R$ 1,6 bilhão devido aos cortes de geração, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Energia Eólica (ABEEólica). 

No Ceará, que tem 46% de sua matriz energética formada pela geração eólica, o prejuízo chega a R$ 104 milhões. Com o corte de 867 mil MWh foi o terceiro maior impacto financeiro, atrás apenas da Bahia e Rio Grande do Norte. 

Como fica a Casa dos Ventos?

A preocupação recai sobre grandes companhias do setor com ativos no Estado. Um dos players é a Casa dos Ventos, a maior desenvolvedora de projetos de energia renovável do País.

Fundada pelo cearense Mário Araripe, considerado o homem mais rico do Nordeste pela lista da revista Forbes, a companhia tem 1,8 GW de projetos em operação e 1,3 GW em construção. A reportagem procurou a companhia para comentar o assunto, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.

Segundo o site da companhia, no Ceará, a empresa está desenvolvendo atualmente três projetos, sendo dois deles em Tianguá e um terceiro nas cidades de Ubajara e Dom Inocêncio, no Piauí. 

Além disso, a Casa dos Ventos tem outros 12 projetos em desenvolvimento nos estados do Rio Grande do Norte, Piauí, Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul. 

No início de dezembro, a companhia anunciou uma parceria com a Ypê, empresa de higiene e limpeza, em parque solar localizado na Bahia. A parceria envolve aquisição de participação societária no parque solar Fótons de São Cláudio Energias Renováveis, que ainda não está em operação.

No primeiro semestre deste ano, a Casas dos Ventos anunciou também o avanço de projeto de produção de hidrogênio e amônia verde no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), no Ceará.

A companhia firmou um memorando de entendimento (MoU) com a Utilitas, empresa que atua no tratamento de água e de efluentes, com o objetivo de obter fornecimento de água de reuso para o empreendimento, um dos mais avançados do gênero com área assegurada, licenciamento ambiental prévio obtido e estudos de engenharia e viabilidade financeira em evolução.

Em maio deste ano, Mário Araripe disse ao Diário do Nordeste que deve investir na construção de um data center na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Cipp. O investimento total no equipamento deve ser de R$ 55 bilhões. 

Impactos na economia

Devido à sobrecarga da infraestrutura de transmissão da energia, as usinas são obrigadas a interromper momentaneamente a geração de energia. Em agosto de 2023, com o apagão que atingiu boa parte do país, o ONS restringiu o escoamento de energia entre o Nordeste e aumentou os cortes.

A situação só foi normalizada em outubro, com a entrada de três novas linhas de transmissão, todas no Ceará. Mas a retomada não encerra o acúmulo de prejuízos do setor, destaca Raphael Amaral, professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Com os prejuízos milionários, muitas empresas judicializaram a questão, muitas perderam na Justiça. O que tem consequências na prospecção para novos investimentos”, explica.

O especialista ressalta que o cenário não impõe riscos à distribuição de energia no Estado, já que o Brasil tem um sistema interligado, mas pode ter fortes impactos na economia. 

Setor vive pior momento da história

O diretor de Geração Centralizada do Sindicato das Indústrias de Energia do Ceará (Sindienergia-CE), Luiz Eduardo Moraes, destaca que o setor eólico brasileiro passa pela maior crise de sua história.

O executivo descarta que as empresas em operação podem suspender ou desativar os parques eólicos no Estado, mas aponta que pode haver uma fuga de novos investimentos. 

“Não acredito que vai deixar de acontecer um projeto que já está contratado. Mas o que não está contratado ainda, o empreendedor pode segurar para avaliar o cenário”, afirma. 

O diretor do Sindienergia lamenta que o reforço das linhas de transmissão tenha ocorrido apenas no último trimestre, impedindo a operação total das empresas no último semestre, que costuma ser o melhor para os ventos.

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“Isso só vai se resolver ao longo do tempo. Há uma infraestrutura de transmissão que está sendo feita, porém, isso não acontece no curto e no médio prazo. Não são obras simples”, aponta. 

A baixa demanda por novos parques eólicos é registrada em todo o País, destaca Francisco Silva, diretor técnico regulatório da ABEEólica. Ele aponta que nenhum novo aerogerador foi contratado durante 2024 - de modo geral, as empresas contratam a fabricação de equipamentos dois anos da instalação dos parques.  

Ele destaca a consolidação da indústria local de aerogeradores e pás eólicas realizada nos últimos 15 anos, mas lamenta que as empresas sejam afetadas pela falta de demanda de novos parques.

O Ceará, considerado o pioneiro da geração eólica, vem sendo afetado há ainda mais tempo por problemas de transmissão. 

“O Ceará teve um problema muito grave em 2016, relacionado às linhas de transmissão. Por falta de infraestrutura, você não conseguia obter os requisitos para fazer novos projetos no estado. Isso foi equacionando, só que agora estamos em um momento onde não tem demanda por energia elétrica”, explica.

Recuperação judicial e ações em queda

Algumas empresas do setor já começam a sentir os impactos do cenário de geração eólica. A cearense Aeris, fabricante de pás eólicas, viu suas ações na bolsa de valores caírem mais de 70% de janeiro a novembro deste ano. 

Em maio, a Aeris demitiu em torno de 1.500 funcionários após o fim do contrato com uma gigante de geração de energia. Questionada sobre os planos para recuperação e um possível comprometimento das atividades no Ceará, a empresa não se posicionou. 

Já a empresa 2W, que tem um parque eólico no Ceará, se encaminha para um processo de recuperação judicial, com dívidas de cerca de R$ 1,1 bilhão. 

A empresa inauguraria do Complexo Eólico Kairós Wind, em Icapuí, até o fim deste ano. A 2W também não se posicionou sobre possíveis impactos no Ceará.

Outra importante empresa com ativos no Ceará, a Vestas afirmou que segue comprometida com as operações no Estado. Segundo Leonardo Euler de Morais, vice-presidente de Assuntos Públicos para América Latina, a produtora de turbinas discute iniciativas com o Governo Federal para viabilizar novos empreendimentos.

“Mesmo com uma conjuntura desafiadora, a Vestas trabalha com um cenário de incremento de demanda por energia renovável no médio prazo. Data centers e novos vetores energéticos, como hidrogênio verde e seus derivados, são exemplos dessa perspectiva”, diz a empresa. 

Setor prevê alívio em 2025

A projeção do setor é que, com as melhorias nas condições de infraestrutura, contratos para novos parques eólicos sejam assinados no segundo semestre de 2025. 

Francisco Silva aponta que, mesmo sem novos parques construídos no momento, as empresas investem na melhoria dos portfólios em operação.

“Nós acreditamos que, na hora que tivermos um destravamento de novos contratos, vamos ter atendida a nova capacidade de infraestrutura para os anos de 2026 e 2027”, aponta. 

Luiz Eduardo Moraes reitera que o Ceará deve retomar o fortalecimento da produção eólica, com o crescimento da infraestrutura a longo prazo. 

“Ninguém nunca vai tirar o potencial do Ceará. O caminho da energia é irreversível, o mundo todo está envolvido na transição energética, é um caminho sem volta”, destaca o diretor do Sindienergia.

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