Ciro Gomes adverte: juro da dívida vai a R$ 1,1 trilhão neste ano

Falando a empresários cearenses, o ex-ministro da Fazenda criticou a política monetária do Banco Central e apostou: “Bolsonaro será condenado antes do fim do ano”.

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 07:48)
Legenda: Ciro Gomes falou para empresários cearenses, criticou a política MOnetária do BC e disse que, no fim deste ano, juros da dívida passarão de R$ 1 trilhão
Foto: Reprodução YouTube

Foi um “petit comité” – 20 pessoas, a maioria empresários e apenas dois curiosos jornalistas – o evento protagonizado pelo ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional Ciro Gomes, na noite de quinta-feira, numa das varandas do 15º andar da torre Norte do Edifício BS Design, onde está o escritório da Tricorp Consultoria Corporativa, promotora do colóquio.

Foi a primeira vez que este colunista viu e ouviu o também quatro vezes candidato à Presidência da República expondo, com absoluta tranquilidade, suas melhores virtudes de analista da economia e da política brasileiras. Provavelmente, contribuíram para sua correta performance o ambiente intimista e o silêncio dos que o escutaram.

Sem o gestual agitado, mas concentrado, apenas, na exposição das várias crises que o país atravessa – “temos, chegando, a crise da Previdência, cujo rombo só faz aumentar, e temos a crise do serviço da dívida, que neste ano chegará a R$ 1,1 trilhão”, por exemplo – o orador, falando de pé, sem microfone, lamentou que o Brasil, tão rico e bonito por natureza, tenha perdido várias chances de consertar seus problemas, que se avolumam como uma bola de neve.

Na opinião de Ciro Gomes “não tem nenhum sentido” a política monetária praticada pelo Banco Central, tanto sob o comando recente do bolsonarista Roberto Campos Neto quanto pela chefia atual do lulista Gabriel Galípolo. Olhando para o céu sem estrelas e erguendo as mãos, ele fez, com outras palavras, as seguintes perguntas, dando-lhes as devidas respostas:

“O que tem a ver os preços administrados pelo governo (energia elétrica, combustíveis) com a taxa de juros? Nada! E a mensalidade escolar, que sobe todo ano no mês de fevereiro? Nada! Mas o Banco Central leva isso em conta e põe tudo na taxa Selic, que é só o piso dos juros, porque, na vida real, o que os senhores – dirigindo-se aos empresários presentes – têm de juros é bem diferente do que informa a taxa básica estabelecida pelo Comitê de Política Monetária, o Copom. Na rede bancária, os juros para a empresa de bom comportamento, ou seja, que se mantém adimplente, são hoje bem mais altos do que os 15% ao ano que, no próximo mês de maio, o Copom fixará para a Selic.”

Alguém lembrou que as isenções fiscais – incluindo as da Zona Franca de Manaus e as oferecidas à indústria e à agropecuária do Nordeste – são uma montanha de dinheiro do tamanho de R$ 650 bilhões, suficiente para um severo ajuste fiscal. Ciro recordou que já propôs a redução de 20% dessas isenções, mas o eleitor preferiu outras propostas e agora colhe os frutos amargos de sua opção eleitoral.

Outro dos presentes à reunião quis saber se Ciro Gomes será candidato, novamente, à Presidência da República, ao que ele respondeu à moda mineira:

“Não é minha intenção” – resposta que abre um leque de interpretações. Seu partido, o PDT, é da base de sustentação do governo Lula, ocupando o milionário Ministério da Previdência, onde se encontra seu presidente Carlos Lupi, que herdou de Leonel Brizola, fundador da legenda, apenas o gosto pela política. Só.

Quanto a Jair Bolsonaro, Ciro não tem dúvida e, com outras palavras, comentou: “Até o fim deste ano, Bolsonaro será condenado e estará fora da disputa eleitoral.” Depois, acrescentou: “Há o governador de São Paulo, o Tarcísio de Freitas, que é bem avaliado, mas é da mesma matriz, ou seja, está ligado ao sistema, não carrega o bom vírus reformista, e o Brasil precisa de reformas”.

Ciro Gomes evitou comentar sobre a política cearense, mas fez um leve e rapidíssimo comentário a respeito da possibilidade de o PDT cearense indicar para o Senado o deputado Mano Júnior.

“É, eu ouvi falar nisso”. Ponto.

Os presentes entreolharam-se, com um sorriso de desdém. Em ocasiões assim, os meneios fazem mais barulho do que a buzina de um navio. Tradução: o seleto público que o ouvia concordou com o veto do palestrante.

Ao fim da reunião, um dos presentes aproximou-se de Ciro e mostrou-lhe a resposta que a Inteligência Artificial lhe deu à pergunta sobre qual a taxa real de juros de hoje, no governo Lula, diante da praticada no governo Bolsonaro. A IA revelou que o juro real de hoje é 22 vezes maior do que o daquele tempo recente. Mas aconselha o bom senso: sempre desconfie da IA.

UM POUQUINHO DE CIRO GOMES

Os que conhecem o DNA de Ciro Gomes ressaltam suas excepcionais qualidades de orador encantador, muito bem equipado intelectualmente, bem-informado a respeito, principalmente, da economia brasileira.

Mesmo não sendo economista – é advogado – ele domina a matéria, tendo aproveitado os quatro meses que passou como ministro da Fazenda, entre setembro e dezembro de 1984, para aprender, humildemente, com quem sabia mais do que ele: Pedro Mallan, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Elena Landau e Sérgio Amaral – a equipe econômica que criou e implantou o Plano Real.

Quem, naquele ano, teve a chance de testemunhar as conversas entre eles – na hora do almoço das sextas-feiras – pode afirmar que Ciro colheu boas lições e preciosos ensinamentos.

Antes de concluir sua curta e exitosa experiência como ministro da economia brasileira (entregou o ministério ao seu sucessor, Pedro Malan, com a inflação equilibrada e superávit fiscal), ele teve tempo de transformar em livro uma entrevista de seis horas concedida em um sábado de novembro de 1984, no Hotel Caesar Park, no Rio de Janeiro, aos jornalistas Marcelo Pontes, do Jornal do Brasil; Míriam Leitão e Ancelmo Góis, do O Globo; Suely Caldas, do Estadão de São Paulo; e Geneton Moraes Neto, da TV Globo.

Esse livro – “Ciro Gomes no país dos contrastes”, lançado pela Editora Revan, proporcionou-lhe uma boa ajuda financeira para o período que passaria – a convite dos professores Mangabeira Unger e Jeffrey Sachs – como aluno visitante e bolsista da Universidade de Harvard, em Cambridge, no estado de Massachussets, nos EUA. De volta ao Brasil, tornou-se candidato à Presidência da República em 1998 (teve 10,97% dos votos), 2002 (11,97%), 2018 (12,47%) e 2022 (3,04%).

Em 2002, já muito perto da eleição presidencial, Ciro, candidato pela quarta vez, apareceu no Datafolha ganhando de Lula no segundo turno. A vitória estava à vista, bastava, apenas, comboiar a tendência do eleitorado, sem fazer marola.

Em uma sexta-feira daquele ano, o saudoso senador Antônio Carlos Magalhães recebeu-o no Aeroporto de Salvador com pompa e circunstância e acompanhado de uma multidão de políticos, tudo coreografado por um grupo de autênticas baianas, vestidas à caráter.

Em seguida, em carreata, Ciro e ACM foram entronizados no Centro de Eventos de Salvador, onde gigantesca reunião, com a presença de cerca de 400 prefeitos. À noite, a programação foi brilhantemente encerrada com grande comício que consolidou a preferência do povo da Bahia pelo presidenciável Ciro Gomes.

Mas no dia seguinte, um sábado, numa emissora de rádio da capital baiana, entrevistado por Mário Kertz, ele cometeu um escorregão verbal que gerou imediata manchete no Uol e no Jornal Nacional, da Globo, cujas câmeras o caçavam em busca de uma verborragia. Na semana seguinte, outra frase infeliz causou a ira das mulheres e levou ao naufrágio o que teria sido um grande projeto para o país.