Como taxar super-ricos pode encarecer a vida dos mais pobres?
A nova tributação de dividendos parece justa no papel. Mas quem paga a conta quando empresários repassam custos? Spoiler: não são os ricos.
Desde 26 de novembro, o Brasil voltou a tributar dividendos após 29 anos de isenção. A Lei 15.270/2025 cobra 10% sobre lucros acima de R$ 50 mil mensais distribuídos aos sócios.
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No discurso oficial, é "justiça tributária". Na prática, pode ser um tiro no pé que acerta o bolso de quem ganha salário mínimo.
A pergunta que ninguém está fazendo é simples: e se os empresários não absorverem esse custo?
A matemática cruel do repasse
Seu João tem uma rede de supermercados no Ceará. Distribui R$ 100 mil mensais de lucro. Com a nova lei, R$ 5 mil vão pro governo (10% sobre os R$ 50 mil que excedem o limite).
João tem três opções: aceitar ganhar menos, cortar custos ou aumentar preços. Adivinhe qual ele escolhe?
A Confederação Nacional do Comércio já alertou: empresas brasileiras operam com margens apertadas. Quando o custo tributário sobe, o repasse ao consumidor é automático.
No varejo, analistas do Itaú estimaram que lojas precisarão subir preços até 3% para compensar mudanças tributárias recentes. Para uma família que gasta R$ 800 no mercado, são R$ 24 a mais por mês. R$ 288 por ano.
Quem realmente paga a conta
Tributar dividendos não afeta só bilionários. Afeta donos de farmácias, mercadinhos, padarias. Empresários médios que empregam milhões de nordestinos.
E quando a conta aperta, preços sobem, investimentos congelam, vagas somem. Enquanto isso, o verdadeiro super-rico tem contador, holding, planejamento sofisticado. Ele não sente. Quem sente é o consumidor da feira livre.
Segundo o Sebrae, até 30% do preço final no Brasil é composto por tributos. E como nossa carga tributária é concentrada no consumo, quem ganha menos paga proporcionalmente mais.
Um trabalhador de R$ 3 mil gasta tudo em consumo básico, tributos comem 20-25% da renda. Um executivo de R$ 50 mil poupa e investe, tributos pesam 5-8%.
Quanto mais pobre, maior o impacto.
A armadilha da "justiça tributária"
Ninguém é contra ricos pagarem impostos. O problema é como se faz isso. Tributar dividendos sem tributar patrimônio, herança, grandes fortunas é maquiagem.
Cria a ilusão de que "o rico vai pagar" quando, na verdade, o ônus vai pro preço. E preço alto quem sente é a dona de casa de Juazeiro, o motoboy de Sobral, o aposentado de Caucaia.
E agora?
Se você é consumidor, prepare o bolso. Se você é empresário, converse com contador sobre estratégias legais (lucros de 2025 aprovados até 31/12 ficam isentos até 2028).
Mas a verdade dura é essa: quando o governo aperta um lado, o aperto escorre pro outro. E no Brasil, o "outro lado" sempre foi o mais fraco.
Tributação justa não é cobrar mais de quem já paga. É fazer quem nunca pagou começar a pagar. Enquanto não houver imposto sobre grandes fortunas e heranças milionárias, taxar dividendo de empresário médio é enxugar gelo.
O pobre comemora isenção de IR até R$ 5 mil. Mas chora quando o pão sobe 10% no ano que vem. A conta sempre fecha. A questão é: em qual bolso?
Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.