Documento retrata Maria Bethânia e aborda tolerância religiosa
"Fevereiros" detalha a homenagem feita pela escola de samba Mangueira à cantora no Carnaval de 2016. Mais que um resumo da vida de Bethânia, a produção toca em pontos como a devoção brasileira
A festa que celebra a padroeira de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, ganhou mais um dia neste ano. Tradicionalmente, as comemorações encerram-se no dia 2 de fevereiro, com um grande cortejo pela cidade, com flores, devoção e músicas para a santa imponente no seu andor. Dessa vez, os moradores da representativa cidade baiana voltaram um dia depois da procissão para a Praça da Igreja de Nossa Senhora da Purificação. Lá, assistiram ao documentário que conta como Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá, encantou a Sapucaí em 2016, e fez a Estação Primeira de Mangueira voltar a figurar como campeã do Carnaval naquele ano.
Mas "Fevereiros", que está em exibição em Fortaleza desde a última quinta-feira (14), não é apenas um documentário sobre um desfile de escola de samba, muito menos pode ser visto como mais um filme referente à Maria Bethânia. Com poesia e leveza, o diretor Marcio Debellian apresenta ao espectador uma produção complexa sobre o sincretismo religioso brasileiro e a urgente necessidade de falar sobre tolerância.
Sob o pretexto de mostrar a devoção de Bethânia - que herdou a fé católica da mãe, Dona Canô, mas desde a infância mantém forte ligação com o candomblé e o culto aos orixás -, o diretor acaba falando da construção de fé de um país inteiro.
O filme consegue ainda unir a festa sagrada e sincrética do povo de Santo Amaro, cidade natal dos Veloso, à celebração do Carnaval carioca. Com uma narrativa cuidadosa, o documentário mostra, a partir da cantora baiana, que as duas festas têm mais semelhanças do que se imagina.
"Bethânia fez perfeitamente a junção entre Oxum e Nossa Senhora, entre Santa Bárbara e Iansã, de uma maneira muito bonita. Sem melindrar nem ofender ninguém", sintetiza a poeta Mabel Velloso, em um dos depoimentos no filme.
Católica e admiradora do candomblé, a irmã de Bethânia é um dos símbolos de tolerância religiosa evocados no documentário. Assim como ela, Caetano Veloso e Chico Buarque são convidados a falar sobre a cantora atravessada pela fé.
Os depoimentos se complementam com o carnavalesco da Mangueira Leandro Vieira, o historiador Luiz Antonio Simas, a porta-bandeira Squel Jorgea e a própria Bethânia, que foi a última entrevistada e cuja fala funcionou como fio condutor da produção.
No entanto, esse não é um documentário que se faz nas palavras. É essencialmente nas imagens que "Fevereiros" se constrói. O filme mostra, por exemplo, uma confortável e festiva Bethânia na quadra da Mangueira como se estivesse na ruas de Santo Amaro, quando se permite uma conversa qualquer, um gole de cerveja e a concentração da reza. Essa ligação improvável entre o morro carioca e o interior da Bahia, o trabalho de Debellian explica com muita sutileza.
Tolerância
Coprodução da Debê Produções, Globo Filmes, GloboNews e Canal Brasil, "Fevereiros" começou a ser filmado no fim de 2015 e foi apresentado pela primeira vez no Festival do Rio de 2017. Ao grande público, o longa é lançado três anos depois de a Mangueira ser campeã com o enredo sobre Bethânia. E não está velho.
Justamente por colocar temas como liberdade religiosa, racismo e tolerância no centro do debate, o filme surge na tela renovado. Debellian chegou a dizer durante entrevistas que o longa aparece quando as questões por ele abordadas ganham "mais urgência".
Longe de ser um resumo da vida de Bethânia, o documentário aposta na complexidade da personagem e se amplia ao falar de um País vasto, festivo e fruto de muitas ancestralidades.