Dia do artista: profissionais da cultura se mobilizam para garantir recursos da Lei Aldir Blanc

Fruto da mobilização e diálogo da classe artística, a Lei Aldir Blanc é realidade. Agora, artistas, produtores e gestores culturais precisam correr contra o tempo para que o auxílio emergencial seja usado em sua plenitude

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Diante do difícil momento, artistas se uniram para ajudar o setor. Lei Aldir Blanc é conquista destes trabalhadores e trabalhadoras
Legenda: Diante do difícil momento, artistas se uniram para ajudar o setor. Lei Aldir Blanc é conquista destes trabalhadores e trabalhadoras
Foto: Arte: Lincoln Souza

A data referente ao “Dia do Artista” acontece em momento dos mais incertos. No Brasil de 2020, ser artista significa resistir, levantar a cabeça e lutar por dias melhores. Mais de 100 mil vidas foram ceifadas pela pandemia da Covid-19 no País. Não bastasse o cenário de dor, inúmeros profissionais do mercado cultural estão com as rendas drasticamente reduzidas ou zeradas. 

O grito de socorro ecoa de todos os Estados. A intensa mobilização dos profissionais da cultura resultou na Lei nº 14.017. A vitória atende pelo nome de Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Sancionada pelo Governo Federal na última semana, seu objetivo é contornar os efeitos de um trágico cenário às artes do País.

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A Aldir Blanc vai amparar trabalhadores e trabalhadoras da cultura. A renda emergencial é no valor de R$ 600, por três meses consecutivos. Outra urgência da Lei é garantir a sobrevivência dos espaços culturais do País. O subsídio mensal pode ser de R$ 3 mil a R$ 10 mil reais. 

A terceira abrangência da Lei mira o desenvolvimento de políticas públicas. Cada Estado deve reservar o mínimo de 20% da verba para incentivar ações no setor. Podem ser editais, bem como chamadas públicas, prêmios e aquisição de bens e serviços.

A verba é proveniente do Fundo Nacional de Cultura (FNC). A parcela única é de R$ 3 bilhões. A quantia será destinada a Estados, Distrito Federal e Municípios a partir do dia 1º de setembro. Os recursos serão operacionalizados pela Plataforma +Brasil

“Se essa lei tivesse vindo antes, teríamos segurado bem mais tempo, não teríamos fechado. Infelizmente, não deu para manter”. A fala é do produtor Tonioni Havana. Ele e um grupo de músicos com atuação efetiva na cena musical de Fortaleza mantinham o Havana 1884. O clube funcionava no bairro Benfica há mais de dois anos. Doze dias antes da Aldir Blanc ser sancionada, os caras precisaram fechar as portas. 

O Havana 1884 abrigou shows de bandas do Brasil inteiro. O exemplo desse espaço cultural explica bem o que significa a cadeia produtiva ligada à arte. Com o fechamento, toda uma lista de profissionais segue desamparada.

“Várias pessoas que trabalhavam conosco ficaram em situação difícil. A grande missão foi tentar empregar todo mundo. Alguns conseguiam um bico, outros não. Galera de segurança, zeladoria, som, roadies. Muita gente ficou sem saber o que fazer”, lamenta Tonioni. 

Sem tempo 

A estimativa da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) é de que o Estado seja atendido com R$ 138 milhões. Desse total, R$ 71 milhões irão para o governo estadual e os outros R$ 67 milhões para execução dos municípios cearenses. Consolidada, a Lei Aldir Blanc agora exige outra demanda. Para ter acesso ao benefício emergencial, trabalhadores e espaços culturais precisam estar devidamente cadastrados. 

É necessário correr contra o tempo para que o dinheiro seja usado integralmente. Os municípios têm 60 dias para usar a verba. Caso não consigam, o valor vai para os estados (fundos estaduais de cultura). Se os estados não executarem o montante revertido em 120 dias, as quantias retornam para o governo federal. 

Ao longo dos últimos meses, a Secult atua em parceria com a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) e a Associação dos Dirigentes Municipais de Cultura do Ceará (DiCultura). Uma série de encontros virtuais busca o engajamento dos gestores e dirigentes municipais. Outra missão é dar esclarecimentos acerca da Lei, e orientar o planejamento dos municípios.

Suporte

Um Comitê de Acompanhamento e Fiscalização no Ceará foi criado para que a legislação seja implementada e tenha os recursos distribuídos de forma participativa e transparente. A socióloga e especialista em Gestão Estratégica de Políticas Públicas Andrea Vasconcelos explica que o grupo vai dar suporte, ofertar diálogo e acompanhar as articulações das cidades cearenses.

“A ideia é que nesse momento aconteça uma grande rede solidária de apoio e contato. Para que possamos concluir o objetivo de gerar essa renda tão importante, mas também fortalecer o campo cultural”, defende a produtora que representa a linguagem circo. A entrevistada avalia que a Lei Aldir Blanc ressalta a importância da existência e atuação dos Conselhos de Cultura. 

A ausência de gestão no setor cultural é realidade à maioria dos 184 municípios cearenses. “Geralmente são estruturas administrativas muito pequenas dentro dessas cidades, com pouco recursos. O gestor de cultura é geralmente um auxiliar, um secretário, não passa muito disso. Não tem assessoria jurídica, setor administrativo financeiro. Essa redução das estruturas municipais é um grande complicador”, reflete Andrea Vasconcelos. 

O repasse para pessoa física (renda emergencial de R$600) é responsabilidade dos governos estaduais. O subsídio para os espaços culturais é via controle municipal. “Os municípios precisam fazer um esforço de busca ativa para contemplar a diversidade destes espaços dentro de seu território”, alerta a integrante do Comitê de Acompanhamento e Fiscalização no Ceará. 

Mobilização

A articulação do Fórum de Arte e Cultura de Maracanaú vem conquistando resultados positivos na Região Metropolitana de Fortaleza. Criado em 2019, o fórum busca o constante diálogo com a gestão local. Uma recente conquista em meio à pandemia foi a reativação do Conselho Municipal de Cultura da cidade. O debate e luta continuam. 

Artista e pesquisadora em dança, teatro, performance e circo, Tatiana Valente atua junto ao fórum. “Realizamos encontros virtuais a fim de discutir as demandas das diferentes linguagens artísticas e expressões culturais atuantes em Maracanaú. A missão é debater pautas importantes como a Lei Aldir Blanc, mas, principalmente, reunir os trabalhadores da cultura a partir de linguagens e expressões culturais alinhadas com os diversos Conselhos de Cultura do País”, explica. 

Assinada por Alessandra Castro e Wagner Mendes, reportagem do Diário do Nordeste detalha os valores que devem chegar aos gestores municipais. Maracanaú ocupa a quarta posição, atrás de Fortaleza, Caucaia e Juazeiro do Norte. O montante previsto para Maracanaú, especificamente, é superior a um milhão e meio de reais. O fórum trabalha para tirar as dúvidas de tudo que a Lei oferece. 

Quase 340 agentes culturais já foram cadastrados, número significativo, avalia a representante. “Estamos contentes com a possibilidade de pensar uma nova política e a forma de trabalhar nesse ativismo, nessa atividade política de maneira mais enérgica”, completa Tatiana Valente. 

A Lei Aldir Blanc reflete a união do setor cultural e o diálogo com Senado e Congresso. A exigência do cadastramento pode resultar em um útil banco de dados. “Com esse mapeamento dos trabalhadores, temos uma cartografia e um mapeamento da cultura brasileira que nunca fizemos antes, não com tamanho alcance social e político. É uma construção e conquista da sociedade civil”, pontua o Secretário da Cultura do Ceará, Fabiano dos Santos Piúba. 

O desafio é trabalhar num tempo extremamente exíguo, já que o prazo final de execução é até 31 de dezembro. “Ou é uma Lei que reúna as pessoas, ou não conseguimos executar, é uma corresponsabilidade do Estado com a sociedade civil, no encaminhamento, pensamento e execução em tão pouco tempo”, descreve o gestor estadual. 

Como fora informado antes, a Lei Aldir Blanc exige que os Estados reservem o mínimo de 20% da verba para promoção de políticas públicas. Fabiano detalha que o Ceará usará 30% dessa ajuda. O investimento será dirigido a eixos específicos de atuação.

O secretário cita o Pontos de Cultura, ações de cidadania e diversidade cultural; patrimônio cultural e tradição; economia da cultura e formação; fomento às artes e aquisição de bens e serviços e ativos culturais.

 
“É uma Lei emergencial, mas estratégica. Pode ter resultados a depender de como vamos executar, Estados, municípios e sociedade. Pode ser estratégica para o futuro das políticas públicas culturais no País”, comemora Fabiano dos Santos Piúba. 

O Havana 1884, conta Tonioni, pode retornar em 2022. No último sábado, o lançamento do DVD ao vivo da banda Diagnose (gravado na casa) marcou uma das últimas ações deste espaço. Além de essencial à formação do indivíduo, cultura é trabalho e comida na mesa de muito brasileiro.