Como a segunda-feira de Fortaleza virou a Segunda Sem Leite e Sem Limite, dedicadas ao samba

Festas reúnem músicos de diferentes gerações, repertório afiado e público cativo, responsável por lotar as casas onde acontecem as rodas e consolidar cada vez mais a cena

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Eventos como a Segunda Sem Leite, no São João do Tauape, reúnem até 500 pessoas numa segunda-feira em torno de uma roda de samba
Foto: Ismael Soares

O que faz você sair de casa numa segunda-feira à noite? Se as possibilidades eram restritas, Fortaleza agora tem fama de oferecer agito inclusive no começo da semana. O maior exemplo atual são rodas de samba. Realizadas em diferentes partes da cidade, convidam o público para mais perto. O resultado é bonito, forte e criativo.

A começar pelo nome das festas. O Verso visitou duas, e atesta: é para ninguém colocar defeito. Segunda Sem Limite e Segunda Sem Leite reservam, cada uma à própria maneira, formas particulares e, ao mesmo tempo, totalmente sintonizadas de curtir um som capaz de movimentar muita gente e dar aquele pontapé necessário para embarcar na semana com tudo.

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Comecemos pela Segunda Sem Limite. Idealizada no começo deste ano, tem como recanto o Quintal do Samba, no Benfica. Músicos de várias gerações se agrupam ao redor de uma mesa tendo as estátuas de São Jorge e de Zé Pelintra como guia. Ali os artistas interagem com a plateia, soltam a voz e passeiam pelo melhor do cancioneiro sambista.

“A roda fica bem no meio do público, pra galera sentir o calor. O intuito é fazer algo bem fervoroso, igual às rodas de samba do Rio de Janeiro. A turma fica muito junta, batendo na palma da mão, sentindo a real energia da música”, descreve Belinho, músico e sócio da festa, com ingressos a R$25. Ele, o Grupo DTF e convidados puxam o bonde semanalmente.

Legenda: A Segunda Sem Limite nasceu no início deste ano e já tem público fiel no Benfica
Foto: Ismael Soares

O repertório é vasto, entre composições clássicas e contemporâneas, e vai de 20h até meia-noite. O quente mesmo – quando começa o “furdunço” – acontece às 22h. Não é difícil ver gente fechando os olhos ou pondo o molejo para jogo, algo favorecido pela arquitetura do Quintal do Samba, com mesas distribuídas no primeiro andar e no piso.

“A gente tem várias pretensões. Primeiro, queremos tornar a Segunda Sem Limite um evento de grande porte para que o turista possa vim pra cidade e ver a festa como opção para ele curtir Fortaleza. Isso nos dará força financeira para talvez trazer um artista nacional pra somar, estreitando o laço do sambista alencarino com outros”, diz Belinho.

Legenda: Para Belinho, quando mais eventos acontecerem nas segundas-feiras de Fortaleza, melhor será para a cidade
Foto: Ismael Soares

Igualmente será chance de mostrar a outras partes do Brasil que a capital cearense sabe, sim, fazer bom samba. Números não mentem: apenas na Segunda Sem Limite, mais de 350 pessoas saem de casa para curtir o agito. Isso sem falar em outros redutos do gênero musical, espalhados por Parquelândia, Conjunto Ceará, São João do Tauape, entre outros bairros.

“É isso que faz o movimento crescer. Quando mais eventos acontecerem nas segundas de Fortaleza, melhor será pro entretenimento e pra gente. Isso porque as pessoas terão mais opção pra sair nesse dia. Nossa cidade é grande, tem muitos habitantes e eventos para todo mundo. Temos que pensar no coletivo”, defende Belinho entre uma canção e outra.

Como tudo começou

Mas, afinal, que ideia foi essa de transformar a segunda-feira de Fortaleza num oásis para o samba? Tudo começou com Felipe Vieira, o Felipim. Em viagem ao Rio de Janeiro há alguns anos, o músico percebeu que rodas de samba aconteciam na cidade também às segundas. Uma das mais tradicionais é o Samba do Trabalhador.

“Tive o prazer de ir nessa roda, me apaixonei e pensei que poderia trazer algo parecido pra cá. Acho Fortaleza uma cidade muito badalada hoje em dia, então tínhamos que ter uma segunda-feira assim”, conta. Para ele, a proposta é ir na contramão do que geralmente persegue o cearense e o nordestino de modo geral.

Legenda: Felipe Vieira, o Felipim, ao centro: músico teve a ideia de transformar a segunda-feira de Fortaleza num oásis para o samba
Foto: Ismael Soares

“Para nós, a segunda-feira é aquele dia de não sair, de começar dieta, de voltar para a academia… Mas nunca de tomar uma, de curtir um samba. Então pensei que poderia dar muito certo lançar algo diferente disso. Aconteceu, e já estamos no segundo ano assim”.

É o mesmo período de tempo da Segunda Sem Leite, idealizada por Felipim e tocada por ele, Dipas, Kildare Ferreira e Matheus Carvalho, do Pagode no Sigilo – todos de diferentes grupos de referência na Capital. O evento acontece no Seu Dedé Botequim, bairro São João do Tauape, com duração de cinco horas e ingresso a R$20.

Legenda: A Segunda Sem Leite acontece no Seu Dedé Botequim, bairro São João do Tauape, com duração de cinco horas e ingresso a R$20
Foto: Ismael Soares

A semente da Segunda Sem Limite nasce no antigo movimento de tocar samba em restaurantes e barracas de praia. A partir da ideia de Felipim de deslocar o samba para as segundas-feiras, novos agrupamentos foram se formando e a logística dos eventos também mudou. No último 9 de setembro, essa configuração completou dois anos.

Dipas reforça o conceito de tocar samba às segundas. “A segunda-feira é historicamente conhecida como o dia no qual artistas e pessoas que trabalham na noite e no fim de semana costumam folgar. Sendo assim, o intuito das rodas de samba nesse dia é inteiramente voltado pra isso, integrar esse imaginário popular que relaciona a prática do samba com o descanso, aquele momento de lazer das pessoas que fazem parte desse movimento após o trabalho”.

Reforçar a amizade

Tem outro componente importante nessa equação: o fato de os projetos validarem a força da amizade. Não à toa, além de artistas ligados diretamente ao samba, são convidados outros para a roda, de diferentes vertentes da música. Gente do forró, do axé e de outras tribos chegam junto para animar o público e reforçar laços.

“São cinco cantores e tem o restante da rapaziada que faz a roda de samba acontecer. Por isso mesmo, toda segunda tem por volta de 400 a 500 pessoas. Já chegamos a mais de 700”, contabiliza Matheus Carvalho, contente pela consolidação da cena e reforçando que, ao longo do show, ninguém desce do palco. Banda e plateia comungam do mesmo espírito.

Legenda: Banda e plateia comungam do mesmo espírito nas rodas de samba
Foto: Ismael Soares

De repente, não se sabe o que é samba nem o que é pagode – distinção refutada pelos músicos. Segundo eles, samba é gênero musical; pagode tem a ver com reunião de músicos para tocar samba. Independentemente de nomenclaturas e performances, o desejo é de que o evento, já tão badalado, possa crescer ainda mais.

“Pensamos em levar o projeto para outras cidades – não para ser executado na segunda-feira, claro, porque já é um ritual nosso – mas para que realmente aconteça além de Fortaleza”, situa Felipim.

Legenda: Energia do evento é sentida de longe e coloca a segunda-feira como dia também querido
Foto: Ismael Soares

“A gente também quer levar pra praia. Já fizemos até um bloquinho no Carnaval. Agora, no dia 9 de novembro, vamos fazer o aniversário no mesmo formato do bloquinho, com abadá e na parte de fora da casa, e prepararemos algo maior para o ano que vem”.

No fim das contas, existe vontade quase oculta nesse papo todo. De que, para além do fortalecimento do samba, da amizade e das boas energias, há desejo grande de exaltar a boemia. Felipim arremata: “Na verdade, isso tudo tá acontecendo porque a gente precisava de uma desculpa pra poder tomar uma na segunda-feira”.


Serviço
Segunda Sem Limite
Às segundas-feiras, a partir das 20h, no Quintal do Samba (R. Paulino Nogueira, 91 - Benfica). Ingressos a R$25. Mais informações nas redes sociais do evento

Segunda Sem Leite
Às segundas-feiras, a partir das 21h, no Seu Dedé Boteco (Avenida Pontes Vieira, 1700, São João do Tauape). Ingressos a R$20. Mais informações nas redes sociais do evento

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