Cabeleira de poder: dupla de mulheres abre espaço colaborativo para enaltecer beleza negra

Localizado no bairro Bonsucesso, o Estúdio Pró Afro é inaugurado neste sábado (12) com serviços de estética, beleza e mais

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: As sócias Nathalia Arruda e Kathleen Alves inauguram espaço de resistência negra
Foto: Helene Santos

Fortalecer a autoestima e enaltecer a beleza preta são objetivos de vida de Nathalia Arruda e Kathleen Alves. Foi pensando nisso que as duas criaram o Estúdio Pró Afro, um espaço colaborativo com foco nos cuidados afro. Moradoras do Morro Santa Terezinha, as jovens de 23 anos viram no trancismo capilar uma alternativa de geração de renda para elas.

Neste sábado (12), acontece a inauguração do espaço, localizado no bairro Bonsucesso. Além dos atendimentos dos serviços de beleza, o evento traz shows da cantora Luiza Nobel e do DJ Flaubeck. 

Para Nathalia, o trancismo foi muito mais do que uma habilidade adquirida ou uma escolha estética, foi uma mudança completa de perspectiva de vida. 

“A Pró Afro começou comigo há três anos, quando estava desempregada e precisava pagar minha faculdade de Psicologia. Sempre trancei meu cabelo, aí quando as coisas apertaram mesmo, comecei a trançar o cabelo de outras meninas. O trancismo me tirou da fome”, relembra Nathalia. 

Sem tanta experiência, ela revela que chegou a cobrar, no início, R$20 em um serviço que durava pelo menos três dias para ser realizado completamente. 

Também desempregada, Kathleen resolveu aprender a fazer as tranças por vídeo na internet. “Conheci a Nátaly Nery, uma youtuber, e aprendi a trançar. Fiz em mim, na minha irmã, até que começou a surgir cliente”, relata a jovem. Tempos depois, em abril de 2019, as duas se conheceram e firmaram parceria. 

Legenda: Um dos focos do estúdio é o trancismo capilar
Foto: Helene Santos

A importância dessa ascensão social acontecer a partir de saberes ancestrais é destacada pela antropóloga e professora Izabel Accioly. “Trançar o cabelo não é uma técnica nova, é um aspecto cultural do povo negro que surgiu na África. Com a diáspora, acabaram por pulverizar nossa cultura e ver esse movimento de tornar outras mulheres mais confiantes sobre sua beleza é muito especial, pois a gente é ensinado a se odiar”, afirma. 

A realidade de Nathalia e Kathleen representa quase metade do perfil do empreendedor negro no Brasil. 43% deles abriram o próprio negócio por necessidade. O dado é do Estudo Empreendedorismo Negro no Brasil de 2019, da PretaHub.

De acordo com Izabel, isso se dá pois a estrutura do mercado de trabalho ainda é racista e machista. “Não há vaga para essas mulheres e, por isso, acabam recorrendo ao empreendedorismo pra obter uma renda. Esse é o caso, por exemplo, da vizinha que vende dindim”, explica.

Mudanças

A sala da casa de Nathalia já não era suficiente para dar conta da demanda e, em março deste ano, ainda antes da pandemia, decidiram investir num espaço maior. 

O local que hoje abriga a Pró Afro é grande o suficiente para, além do serviço de tranças e de beleza, funcionar como um espaço colaborativo, com lojas independentes criadas também por mulheres, e serviços como estética, tatuagem e um estúdio de fotos. 

As duas pretendem ainda tornar o local um point cultural com espaço aberto para a realização de eventos, palestras e cursos voltados para a comunidade. 

“Nosso objetivo é ser facilitadora desses agitadores culturais, mudar essa cena que existe em Fortaleza, onde tudo é muito padrão. No meio do ano, por exemplo, demos um curso de capacitação de trancismo para meninas daqui. Queremos que seja um espaço de resistência e de aprendizado”, pontua Nathalia. 

A pesquisadora Izabel explana que iniciativas como essa refletem “o sentimento do povo negro de crescimento, que não é individual. Esse lugar pode até ser considerado um quilombo urbano, tem vários desses espaços se formando, porque as pessoas negras querem estar juntas onde se sintam seguras”.

Legenda: No espaço, as duas pretendem oferecer cursos para capacitar outras mulheres na arte do trancismo
Foto: Helene Santos

Em nova localização, no bairro Bonsucesso, as duas contam ter sido difícil sair do Morro Santa Terezinha, onde foram acolhidas e conquistaram as primeiras clientes. Porém, vislumbram novas oportunidades. 

Cabelos

Izabel Accioly relembra a dificuldade histórica em se auto declarar negro e abraçar suas feições.

“Crescemos ouvindo que o que é branco é lindo e que o é preto é feio, ruim”, destaca. 

E foi na luta dessa perspectiva que a dupla percorreu a relação com os próprios cabelos até alcançar o orgulho atual. Kathleen, por exemplo, recorreu por anos ao alisamento. “Eu não conseguia me enxergar bonita de cabelo cacheado, a trança foi uma forma que encontrei de passar pela transição capilar”, relata. 

Já com Nathalia, o processo foi diferente, já que tem os cabelos lisos de nascença. “Isso fez com que minha identidade fosse arrancada de mim. O trancismo veio como essa ferramenta de afirmação, pois eu não sabia se era branca ou preta, sofria o racismo, mas não sabia o porquê. Hoje, tenho uma relação bem melhor com o meu cabelo, não é mais meu inimigo”, revela.

Para elas, é gratificante poder ver o sorriso de felicidade dos clientes com o resultado. Afinal, este é um dos principais objetivos da iniciativa: elevar a autoestima dessas pessoas e impulsionar essa aceitação em outras meninas.

Serviço
Inauguração do Estúdio Pró Afro
Sábado (12), a partir de 10h, na Rua Vital Brasil, 51, Bonsucesso. Funcionamento: de segunda-feira a domingo, das 10h às 19h (99959.6021)

 

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