Arteterapia: atividades artísticas ajudam no desenvolvimento de crianças

Técnicas desenvolvidas pelas psicólogas Amanda Sales e Brena Marques tratam, através da arte, questões interiores como autoconhecimento, autoimagem, preconceito e bullying

Escrito por Ana Beatriz Farias , beatriz.farias@tvdiario.tv.br
Legenda: A arte permite que assuntos como bullying e preconceito sejam tratados de forma lúdica
Foto: Foto: Rodrigo Gadelha / SVM

Do feitio de pinturas à confecção de brinquedos, ou qualquer outra manifestação artística e criativa infantil haverá espaço para o desenrolar de um diálogo. A partir de desafios e tarefas - que podem parecer simples para o adulto desavisado - se constrói um mundo de possibilidades, entremeado por reflexão, autoconhecimento e senso de coletividade. Acreditando nisso, as psicólogas Amanda Sales e Brena Marques decidiram montar um grupo de arteterapia.

Num canto da sala, sentadas sobre almofadas coloridas, as crianças parecem compenetradas na missão que receberam das duas psicólogas que coordenam as atividades. Com bolinhas de isopor, cola, tinta, tecido, dentre outros materiais, cada um vai construindo um boneco que deve ser a reprodução de si.

Para os meninos e meninas que põem a técnica em prática, talvez pareça apenas mais uma brincadeira que exige criatividade e atenção, mas, a partir de uma atividade como essa, é possível trabalhar diversos aspectos do interior de cada ser.

"Elas podem desenvolver o autoconhecimento sobre questões tais quais 'como é o meu cabelo', 'qual é o tamanho do meu corpo', 'que estampa eu gosto mais'. Criando uma reprodução de si, a criança entra em contato com as projeções que tem da própria imagem, mesmo que não seja compatível com a realidade", relata Brena, exemplificando o caso de uma criança de baixa estatura que constrói um bonequinho comprido.

"Se ela se faz muito alta, a gente pergunta se aquele é o tamanho dela. Então a criança pode entrar em contato com isso e ver que não é alta, é baixa e que este fato pode ser uma fragilidade. Quando você vê o que cria, pode ter um 'start', e isso se torna mais claro", complementa Brena.

Os encontros são quinzenais e reúnem meninos e meninas, a maioria entre 8 e 12 anos. Além da confecção manual de brinquedos, as duas profissionais à frente do projeto dispõem de diversas técnicas artísticas para acessar o interior das crianças com mais facilidade. De acordo com a Amanda, "a ideia é fazer isso brincando. É diferente do processo do adulto, em que ele tem a necessidade de dizer o que está sentindo. A criança aqui pode pintar o que ela está sentindo, ela pode dançar o que está sentindo. O objetivo do espaço é exatamente oferecer diferentes alternativas para a expressão de si mesmo".

Experimento

Juntas, Amanda e Brena já realizavam oficinas voltadas às crianças com a temática artística, mas é a primeira vez que realizam o trabalho de forma continuada. "Anteriormente, as edições eram voltadas para um conhecimento sobre alguns artistas, sobre poesia, música e arte contemporânea. Agora, a gente criou um grupo de arteterapia em que a gente quer fazer com que as crianças conheçam mais a arte", diz Brena.

Toda essa atmosfera sensível é propícia ao desenvolvimento dos participantes em relação a temas como identidade, bullying e preconceito. Brena Marques, que sempre se identificou com a área artística, continuou a se interessar pela área na faculdade, mas só na formação como arteterapeuta acessou os recursos necessários para trabalhar profissionalmente com esta abordagem.

Em relação ao público infantil, a psicóloga acredita que o contato com as diferentes linguagens da arte pode suprir uma lacuna comumente existente na formação humana: "Essas demandas precisam ser tratadas e, às vezes, na correria, há muita aula, muito conteúdo. A escola é conteudista e acaba não acolhendo algumas demandas essenciais para o desenvolvimento infantil".

Espaço plural

Uma das preocupações das profissionais que guiam o grupo é que todas as crianças sintam-se acolhidas no espaço afetivo criado para terapia e reflexão, segundo Amanda Sales, que também atua como acompanhante terapêutica e é pós-graduanda em Educação Inclusiva.

"A arte é uma ferramenta extremamente poderosa na questão da inclusão. Ela é um potencial psicomotor. Então, para a criança com síndrome de Down, o ato de pintar gera benefícios enormes; para uma criança que tem autismo também. Tem a questão da interação, do oferecer diferentes formas de falar de si", diz Amanda.

Desde a época das oficinas já havia essa abertura para crianças com paralisia cerebral, autismo e síndrome de Down. "A gente faz questão de que o grupo seja diverso para que as crianças aprendam mais umas com as outras e convivam com as diferenças".

Novos horizontes

A agente de viagens Sandra Santos é mãe de Letícia Santos, 15 anos, que tem síndrome de Down. Ela conta que a filha começou a frequentar as atividades desenvolvidas pelas psicólogas ainda na época das oficinas.

O contato se deu por meio de Amanda, que já era acompanhante terapêutica de Letícia. A confiança na profissional e o apreço pelas linguagens artísticas levaram a família a apostar na arteterapia como ferramenta de desenvolvimento pessoal.

"Eu acho que a arte é muito ampla e dá um melhor olhar para a vida, socializa. Quando elas abriram turmas, a gente encaixou a Letícia e ela foi participando de todas as edições", conta Sandra.

Foram os resultados positivos que encantaram-na a ponto de matricular a filha também no grupo de encontros contínuos: "ela consegue se expressar melhor no desenho, na pintura e na socialização. Ela já fala muito dos meninos (demais participantes) como 'meus amigos'e se sente mais incluída, o que acho fundamental para que ela se sinta igual, porque é isso que tem que ser feito", diz a mãe.

Sob a ótica deles

Se os rostinhos concentrados e alegres não forem suficientes para provar a felicidade em estarem juntos, entrando em contato com possibilidades de criação e produzindo arte, os discursos das crianças participantes do grupo de arteterapia não deixam dúvidas.

Ana Luiza Girão, 10 anos, por exemplo, já frequenta atividades do tipo há um tempo e se mostra muito satisfeita: "todas as vezes que eu venho pra cá, me divirto muito. Eu aprendo a pintar melhor, gosto muito das leituras sobre os artistas também, para eu conhecer melhor quem é cada um deles e aprender mais".

Com um sonoro "sim", Ana Luiza responde que o projeto a faz bem. "São atividades bem diferentes do que eu faço no dia a dia", compara a menina.

O estudante de 11 anos, Breno Rafael, também está feliz em participar do grupo terapêutico que, segundo ele, oferece novos conhecimentos. "Eu gosto bastante do jeito que a gente se diverte e estou gostando também de aprender sobre os artistas que elas tão falando, que antes eu não conhecia".

Assuntos Relacionados