Qual o papel de Camilo Santana na movimentação política no Ceará
A série Influências Políticas, do Diário do Nordeste, apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022
Ao renunciar o Governo do Ceará e transferir o Executivo para sua vice, Izolda Cela (PDT), no início de abril, Camilo Santana (PT) deixou o Palácio da Abolição após sete anos no Poder como um dos mais populares políticos da “nova geração” no Estado. Reeleito em 2018 com quase 80% dos votos, foi sustentado por ampla aliança, com um estilo apontado como “moderado” e “habilidoso” por correligionários.
Agora, se prepara para a segunda disputa política no Legislativo como pré-candidato unânime da base governista ao Senado.
Alçado à vida pública pelos irmãos Ciro e Cid Gomes (PDT), Camilo, na última década, foi mantido como um dos principais membros do grupo governista, principalmente a partir do primeiro mandato como governador, em 2014. Analistas, no entanto, apostam em um novo momento de sua carreira política.
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Caso leito em outubro, na análise de especialistas, o ex-governador tem em mãos a chance de explorar o capital político acumulado nos últimos anos. Isso o tornaria capaz, inclusive, de montar um grupo próprio, ao seu molde, se consolidando no papel de um dos principais líderes políticos no Ceará.
A ideia, no entanto, não é seguida por parte dos aliados que prefere apostar na liderança do ex-governador sem condicionar isso à formação de um novo grupo político.
Para entender qual o papel de Camilo Santana na conjuntura política cearense e como ele poderá influenciar inclusive nas escolhas pelo candidato governista em 2022, o Diário do Nordeste ouviu especialistas e correligionários. A reportagem faz parte da série Influências Políticas, que analisa o papel de principais lideranças do Estado na estratégia da campanha eleitoral deste ano.
Papel na sucessão
“Ele sabe a dificuldade que tem o próximo governador. A qualidade, os atributos que precisa ter para se houver crise, saber bem enfrentar, como ele enfrentou. Ele, sem sombra de dúvidas, é o protagonista na sua sucessão", pontuou o prefeito de Fortaleza José Sarto (PDT), durante entrevista dele para a FM Assembleia, em maio.
A figura, a influência e o “estilo” do ex-governador, na visão de aliados e especialistas, são cruciais na atual conjuntura. Isso, porque o petista é umas das peças centrais na engrenagem estratégica que apontará o candidato da base governista.
Em meio a um possível racha entre PT e PDT – a maior aliança do Estado -, o ex-governador, segundo as análises, funcionaria como um elemento, dada a popularidade e liderança, para “acalmar os ânimos” e evitar o rompimento com o grupo dos FGs.
“Se fosse definir o Camilo Santana em palavra é ‘moderação’. Quem analisa é o cientista político Raulino Pessoa, da Universidade Regional do Cariri (URCA), que também destaca o que define como “habilidades políticas”, o que inclui até a forma como ex-governador se apresenta fisicamente.
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"Esse símbolo de aparição de Camilo Santana vestindo a camisa branca que ele sempre usa, é uma marca em que ele atua. Ele é vinculado ao PT e não demonstra um partidarismo grande, mas não deixa de apoiar os candidatos do PT", diz.
“Estilo Camilo”
O tom centralizador de Camilo se evidenciou recentemente, após Ciro Gomes disparar que há um “lado corrupto” do PT no Ceará e dizer que o partido envia “recados intoleráveis” ao PDT.
As falas abriram uma crise e puseram em xeque a maior aliança política do Estado.
Pelo acordo entre dirigentes, cabe ao PDT indicar o nome que irá disputar o Governo do Ceará. No entanto, o PT pressiona para ter poder de interferir na escolha, indicando a atual governadora Izolda Cela (PDT) para a reeleição.
Também estão postos os nomes do ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, do presidente da Assembleia Legislativa do Ceará Evandro Leitão e do deputado federal Mauro Filho.
No auge do tensionamento, o deputado federal e vice-presidente nacional do PT, José Guimarães, se valeu da influência do ex-governador na sucessão.
“Todo mundo sabe que ninguém ganha eleição do Ceará sem o aval do Camilo e do Lula", disse em uma publicação no Twitter.
Em meio à disputa, Camilo foi as redes sociais e, ao invés de rebater as críticas preferiu elogiar o trabalho de Izolda Cela à frente do Governo.Desde então, o ex-governador passou a destacar os feitos da governadora.
“Jeitão de tucano”
“Camilo tem uma trajetória interessante consolidada no segundo mandato. No primeiro momento, era muito à sombra dos Ferreira Gomes, mas, no segundo mandato, teve sua marca própria, uma capacidade de diálogo”, observa a cientista política Monalisa Soares, da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Essa avaliação, de acordo com a especialista, faz de Camilo um político que pertence ao PT, um partido de esquerda, com identidade definida, mas que não necessariamente se enquadra aos moldes dos políticos mais engajados na sigla.
Durante uma inauguração em um shopping de Fortaleza, em 2017, o senador Tasso Jereissati (PSDB) ao ser questionado sobre um suposto convite para filiar Camilo ao partido, disse que o movimento seria uma “falta de cortesia”, mas que o então governador tinha “um jeitão de tucano”.
Possibilidade de um novo grupo no Ceará
A possibilidade de passar oito anos no mandato de senador instiga em especialistas uma possibilidade de “saída” de Camilo do grupo de Ciro e Cid.
Isso ocorreria, na avaliação de cientistas políticos, em meio ao capital eleitoral que o ex-governador mantém após mais de sete anos no comando do Executivo.
“Seria uma arena, um local em que ele conseguiria construir um grupo do Camilo independentemente dos Ferreira Gomes, numa eventual vitória do Lula poderia ter um destaque nacional de ele conseguir criar um grupo próprio”, projeta Raulino Pessoa.
Para Monalisa, por sua vez, “provavelmente o ex-governador está nesse caminho, de construir um grupo de pessoas mais próximas para ele; a gente viu uma leva de deputados entrando no PT e isso tem uma articulação dele".
Questionado sobre esse movimento e se o petista teria aspirações de seguir reunindo aliados independente da aliança com o PDT, o ex-vice governador Domingos Filho (PSD) acredita na permanência de Camilo ao lado de Ciro e Cid Gomes.
“Até esse instante Camilo não dá sinais nesse sentido. É muito natural que todo e qualquer força que se destaque passe a atrair quem possa se aliar mais autonomamente, mas até esse momento não há um ato do Camilo que demonstre o desejo de fazer um grupo apartado do projeto do Cid gomes”, avalia o ex-vice-governador.
Relembrando a época em que foi articulador político do governo de Camilo, o vice-prefeito de Fortaleza e ex-secretário Chefe de Gabinete no Governo Camilo, Élcio Batista (PSB) também minimiza a possibilidade.
“Ele é uma pessoa que busca trazer aliados e construir consenso. Ele não é uma pessoa de formar grupos, ele é uma liderança. O papel dele é liderar. Formar grupo não depende da nossa vontade”, pondera.
Contexto nacional: “equilibrista de pratos”
Fazer parte de um grupo que compõe um grande arco de alianças requer traquejo político, principalmente em época de eleição. No primeiro turno de 2018, por exemplo, o ex-governador adotou uma postura “neutra” na disputa nacional.
Isso, porque o PT tinha o ex-ministro da Educação Fernando Haddad como candidato à Presidência da República disputando uma vaga no 2º turno como Ciro Gomes (PDT), seu padrinho político.
“Ele permaneceu próximo dos Ferreira Gomes e também sem deixar o PT e o Lula. Conseguiu muito bem equilibrar esses pratos”, pontua ainda Monalisa Torres.
Para o professor Raulino, que também avalia a postura do ex-gestor dentro do próprio partido, “Camilo alcançou uma atuação nacional no segundo mandato; ele era conhecido como uma nova cara do PT; um PT que não era radical como nos anos 1980, (dessa vez) mais ‘paz e amor’”.
Em 2022, dessa vez pré-candidato ao Senado, Camilo terá mais uma vez que se colocar entre uma candidatura do PT – com Lula e Alckmin -, ao mesmo tempo em que Ciro tentará o cargo de Presidente da República pela quarta vez.
“Esse ano se estabelece outro dilema em torno disso: Lula é candidato e é vantajoso um ter o outro no seu palanque. Isso o coloca no dilema com os Ferreira Gomes; e a própria dinâmica da escolha da sucessão; considerando seu capital político como ex-governador", ressalta ainda Monalisa Torres.
Para Domingos Filho (PSD), a postura do petista deverá permanecer a mesma. “Ele tem sempre primado pelo diálogo e tem agregado; com isso tem conseguido harmonizar forças políticas em torno desse projeto político que se iniciou com o Cid em 2007”, pontua.
No fogo cruzado
Se nacionalmente Camilo Santana se equilibra entre as aspirações petistas e a candidatura de um dos líderes do seu grupo, a sucessão ao Governo do Estado também o coloca, dada a conjuntura em 2022, em uma situação delicada.
No último dia 15 de junho, Ciro Gomes respondeu, em entrevista coletiva durante evento do PDT, às investidas de ala do PT cearense em romper a aliança: "que seja muito feliz", afirmou.
A fala se deu ao Ciro ser questionado sobre as ações do deputado federal e vice-presidente nacional do PT, José Guimarães, em mobilizar apoio por uma candidatura própria petista.
Ao passo que é muito ligado aos pedetistas, Camilo fica no fogo cruzado do tensionamento entre as duas siglas no Estado.
O ex-governador, no entanto, não se manifestou sobre o assunto. Líderes do PT como José Guimarães e o deputado estadual José Airton pressionam abertamente pelo rompimento caso o PDT não opte pela reeleição de Izolda.
Na terça-feira (21), em evento que celebrou os 15 anos do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) no Ceará, Camilo reafirmou a defesa da aliança entre PT e PDT e o engajamento político ao lado de Cid Gomes e Izolda Cela.
"Cid é um dos extraordinários governadores do Ceará, começou esse projeto do Paic juntamente com a Izolda. Por isso Cid sempre terá todo e irrestrito apoio nosso", disse Camilo Santana. Sobre Izolda, Camilo chegou a chamá-la de "mãe do Ceará".
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Vida pública inicia com derrota em casa
Apesar da influência e da popularidade nas urnas, o início da vida pública de Camilo, no entanto, foi de derrota em seu próprio berço político, a Região do Cariri.
Suas primeiras tentativas ao Executivo culminaram em frustração quando tentou se eleger prefeito de Barbalha nos anos 2000 e 2004.
Antes disso, ainda na faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC), foi do movimento estudantil. Ocupou os cargos de presidente do Centro Acadêmico (CA) de Agronomia e de diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Em 2006, Camilo foi chamado por Cid Gomes para integrar sua estratégia de campanha ao Governo. Já no ano seguinte, no início da nova gestão, em 2007, assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Agrário, permanecendo como titular por três anos.
A aproximação com o grupo que mais tarde viria ser o mais hegemônico e longevo no comando do Estado fez com que Camilo ganhasse ainda mais confiança e, mais uma vez, enfrentou uma disputa eleitoral, a primeira para o Legislativo.
À sombra do então governador, foi eleito o deputado estadual mais votado em 2010 com 131.171 votos. No segundo mandato de Cid Gomes, ele assumiu a Secretaria das Cidades a partir de 2011.
Em 2014, por meses fora do radar de pré-candidaturas ao Governo, Camilo foi anunciado por Cid Gomes como o candidato à sucessão.
“Tinham cinco candidatos: Mauro Filho, Zezinho Albuquerque, Átila Sobral, Domingos Filho e Izolda Cela. Nos últimos dias de definir a candidatura, informaram que o candidato do PT não iria disputar o Senado, e sim o Governo, essa indicação foi dos Ferreira Gomes e não do partido, como candidato de confiança”, relembra Raulino.
A reeleição com ampla vantagem em 2018 e os últimos três anos de mandato gerindo um Estado em meio a crises na segurança pública e a uma pandemia colocaram Camilo no centro do debate eleitoral de 2022. O desenrolar das alianças será um divisor de águas no papel político do ex-governador.
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