Legislativo Judiciário Executivo

Marido da governadora Izolda Cela, Veveu Arruda não deve assumir função no Governo do Ceará

A ausência de função vai no sentido oposto ao exercido por primeiras-damas, tanto no Estado como em municípios cearenses

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Veveu Arruda, Izolda Cela, Camilo Santana e Onélia Santana
Legenda: No dia 2 de abril, Izolda Cela tomou como a primeira governadora efetiva do Ceará
Foto: Thiago Gadelha

Pela primeira vez, o Ceará conta com a figura de primeiro-cavalheiro. O marido da governadora Izolda Cela (PDT) e ex-prefeito de Sobral, Veveu Arruda (PT) ocupa o papel, mas, ao contrário de primeiras-damas em gestões anteriores, não deve ter nenhuma função oficial dentro do Governo do Ceará durante a gestão.

Segundo a própria governadora, Arruda "não vai ter atuação no governo". Ela disse que, no momento, o ex-prefeito de Sobral atua na coordenação de dois projetos voltados à Educação: a Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração e o Educar para Valer. 

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Ambos os programas são voltados a fortalecer a colaboração entre estados e municípios brasileiros tanto para "garantir o sucesso da alfabetização de crianças" como para ampliar "as experiências de êxito" na Educação obtidas no Ceará, afirmou Izolda Cela. 

A ausência de uma função oficial para Arruda na gestão estadual vai no sentido oposto ao observado durante o comando de governadores anteriores, quando a primeira-dama assumia atribuições dentro da máquina pública. 

Durante os sete anos do Governo Camilo Santana, por exemplo, a primeira-dama Onélia Santana atuava em gabinete vinculado à Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), na qual estava a frente de projetos relacionados ao artesanato e à Infância - como o programa Mais Infância.

Com a mudança na gestão, Onélia Santana foi convidada pela governadora Izolda Cela a assumir a titularidade da SPS - função para a qual foi nomeada em abril. 

Pesquisadora do primeiro-damismo no Brasil, Moíza Medeiros aponta que essa ausência da primeira-dama pode ajudar a "desconstruir" o imaginário construído sobre essa figura. 

"Não tem que existir esse instituto dentro da estrutura do governo. O lugar da primeira-dama deveria ser só esposa. Estamos falando de um fenômeno cultural e desconstruir na cabeça de muitos é difícil, inclusive porque a sociedade vai cobrar. Esse debate só existe porque achamos que a primeira-dama tem que ocupar um lugar no governo", afirma. 

Capital

Fortaleza também está, desde julho de 2021, sem uma primeira-dama. O prefeito da Capital, José Sarto (PDT) anunciou a separação de Natália Herculano, que até então vinha atuando como mediadora em demandas relacionadas a pessoas LGBTQIA+ e com deficiência (PCDs), por exemplo. 

Na época, a assessoria da Prefeitura informou que a "equipe que a auxiliava (...) retorna aos órgãos de origem e as demandas seguem sendo recebidas e executadas pelos setores responsáveis pelas políticas públicas". 

Nos meses em que ocupou o posto de primeira-dama, Natália Herculano tinha uma sala e equipe própria, com a qual recebia representantes de segmentos sociais, ouvia as pautas e encaminha para órgãos da Prefeitura, como a Secretaria de Governo e a Secretaria de Direitos Humanos. 

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Antes disso, inclusive, ela teve atuação semelhante na Assembleia Legislativa do Ceará - quando Sarto exercia o mandato de presidente da Casa. Ela foi nomeada, em fevereiro de 2019, como presidente de honra do Movimento das Mulheres do Legislativo Cearense (MMLC) - que reúne mulheres que atuam na Assembleia Legislativa com a finalidade de desenvolver ações voltadas para o bem-estar social do cidadão cearense.

Agora, Natália Herculano deve se candidatar a uma cadeira na Assembleia Legislativa pelo PSDB. Apesar da experiência na vida pública, esse será o primeiro mandato eletivo ao qual ela concorrerá. 

Papel da primeira dama

Também professora de Serviço Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Moíza Medeiros afirma que o papel desempenhado pela primeira-dama - seja a nível municipal, estadual ou federal - dentro da administração pública é uma construção cultura no País, mas que acaba por "desprofissionalizar" a assistência social. 

"A primeira-dama não teria que ter esse lugar, de ter gabinete, equipe, orçamentos públicos. Não teria que existir esse instituto dentro da estrutura do governo. Estamos falando de um fenômeno cultural", explica. 

Um fenômeno explicado por diferentes características, dentre as quais a questão de gênero, na qual as mulheres - inclusive, as que ganham destaque na vida pública - são sempre associadas a temas relacionados ao social e ao cuidado. Medeiros aponta, por exemplo, que não se espera que companheiros de prefeitas ou governadoras exerçam papel semelhante ao das primeiras-damas. 

"Só falamos dessa preocupação porque tem um lugar para as mulheres, porque é esse lugar do social, do cuidado. É uma determinação de gênero, do lugar ocupado pela mulher na sociedade".
Moíza Medeiros
Professora de Serviço Social do IFCE

Histórico

Autora de tese de doutorado intitulada "Primeiro-damismo e Sistema Único de Saúde", Moíza Medeiros afirma que a questão de gênero não é a única envolvida na construção da figura da primeira-dama. 

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Ela lembra que o posto ganhou relevância durante o governo do presidente Getúlio Vargas, com a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) pela primeira-dama, Darcy Vargas. Na época, com o avanço da industrialização no País, o Estado começava a ter que lidar com o aumento da desigualdade social e da precarização na condição de vida de parte da população. 

Com o avançar dos anos, a primeira-dama continuou a encabeçar ações ou programas vinculados à administração pública com foco em lidar com essas questões. Medeiros aponta, no entanto, que essa atuação costuma ser pontual e recai para o assistencialismo. 

"Quando se vincula a figura da primeira-dama a uma política social, eu desprofissionalizo essa política pública. Ela não foi eleita, não ocupa cargo público. Ela é simplesmente a mulher do governante", argumenta. 

Com a criação do Sistema Único de Assistência Social, em 2005, Medeiros afirma que esse foco das ações sociais na figura da primeira-dama pode, inclusive, enfraquecer a consolidação de políticas públicas centradas na assistência social. 

Capital político

Apesar de nunca ter desaparecido, Medeiros aponta que o primeiro-damismo voltou a ganhar força por conta de um cenário de aumento da pobreza e da desigualdade social,  "O Estado começa a não dar conta de atender as demandas da população, então (as ações encabeçadas pela primeira-dama) servem para mostrar que o governo está fazendo", explica. 

O problema, segundo a professora, é que com o protagonismo da primeira-dama acaba fazendo com que o foco das políticas públicas saíam do caráter universal do Sistema Único e indo para uma dimensão mais particular. "Desloca a política pública para o individual e acaba repercutindo como favor ou como bondade e não como direito", afirma. 

A personalização destas medidas na figura da esposa do governante também traz consigo o capital político daquela atuação - seja ela revertida para futuras candidaturas da própria primeira-dama ou do esposo. "O papel da primeira-dama é muito mais esse marketing do governo do que de implementar essas políticas", completa Moíza Medeiros.

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