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Fim de uma era e debandada de políticos: o que esperar do futuro do PDT Ceará, segundo especialistas

Crise iniciada no ano passado vem escalando deste então. Nesta semana, Ciro Gomes criticou o ex-aliados, como Camilo Santana e Izolda Cela, e até o irmão, Cid Gomes

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Ciro e Cid
Legenda: Irmãos Ciro e Cid Gomes se afastaram desde as eleições do ano passado
Foto: Fabiane de Paula, Thiago Gadelha/Diário do Nordeste

A série de ataques do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) contra lideranças políticas cearenses — incluindo o próprio irmão Cid Gomes (PDT) e o ministro Camilo Santana (PT) — tem tudo para ser a “última pá de cal” na tentativa de reagrupamento do PDT Ceará. A avaliação é de acadêmicos que estudam o grupo Ferreira Gomes e de políticos do Estado.

Em entrevista exclusiva ao PontoPoder, na última quinta-feira (22), Ciro relembrou mágoas eleitorais, levantou suspeitas contra ex-aliados, apontou traições e questionou o processo de escolha do PDT Ceará nas últimas eleições.

“Essas falas foram basicamente uma pá de cal em qualquer bombeiro que se propusesse a apagar esse incêndio. O Ciro estava tentando manter uma certa distância da política, mas, com essa entrevista, ele apontou para todo mundo. Fez críticas ao Governo do Estado, ao Governo Federal, ao Cid, e, de certa forma, implodiu as pontes entre o PDT mais ligado ao Roberto Cláudio e o PDT mais ligado ao Cid e ao Evandro Leitão”
Cleyton Monte
Cientista político e professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Crise sem fim

O racha do PDT não é de hoje. Desde que aliados da então governadora Izolda Cela (sem partido) e do ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT) passaram a polarizar a disputa sobre quem deveria ser o nome indicado pela sigla para encabeçar a chapa governista no ano passado, a relação entre os correligionários só deteriorou.

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Somam-se isso duas derrotas amargas para o partido: Ciro Gomes ficou em quarto lugar na corrida pela Presidência da República, e Roberto Cláudio foi derrotado ainda no primeiro turno, ficando em terceiro na disputa pela sucessão de Izolda Cela. 

CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

No capítulo até então mais recente da crise, Cid Gomes resolveu demonstrar interesse em comandar o diretório estadual do partido, o que o colocou em rota de colisão com o atual presidente da legenda no Ceará, André Figueiredo (PDT), também comandante interino do diretório nacional.

Na conversa com os colunistas de Política do Diário do Nordeste Jéssica Welma e Inácio Aguiar, Ciro disse estar “preocupado” com o "monopólio de poder" que Camilo Santana “está querendo montar no Ceará”. Ele ainda disse que o ex-governador quer “todos os cargos” do Governo Elmano de Freitas (PT) para realizar "conchavos políticos". Sobre o irmão, Cid Gomes, afirmou que ainda sente a “faca ardendo” em suas “costas”.

“O que estamos vivenciando é o fim do ciclo dos Ferreira Gomes para um ciclo que, cada vez mais, é liderado pelo ministro Camilo Santana. Nessas transições de ciclos, você tem reposicionamento de discursos, traições, críticas e mudança de partidos. É comum, nessa transição, você ter mágoas reveladas porque há um reposicionamento político do Estado. Então, por exemplo, a figura política do Ciro enquanto líder político já não lidera a quantidade de políticos que ele liderava em outro momento”
Cleyton Monte
Cientista político e professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Dedo na ferida

Para o pesquisador, com tais declarações, Ciro se estabelece em uma situação de isolamento dentro do partido. “Ele abriu mais as feridas, feridas essas que foram abertas no processo eleitoral de 2022. Com isso, ele deixou bem claro que o grupo dele dentro do partido não é o mesmo grupo do Cid e do Camilo”, afirma o pesquisador.

Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres reforça essa análise, mas ressalta que ela é reflexo de um “reposicionamento de imagem” do ex-ministro iniciado ainda nas eleições de 2018, quando ele passou a se distanciar do presidente Lula (PT) e do petismo. 

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Para ela, o ápice dessa estratégia do pedetista foi sua interferência na montagem do palanque da legenda no Ceará, defendendo a indicação de Roberto Cláudio para a disputa. “Parte da responsabilidade desse rompimento entre PT e PDT deve-se a esse interesse do Ciro de transformar o palanque aqui em um palanque puro e fiel a sua candidatura”, aponta.

“Portanto, eu tendo a concordar com essa análise de que ele corre o risco de ficar isolado. Quanto mais ele bate nesses antigos aliados, mais ele corre o risco de ficar cada vez mais isolado. Ao mesmo tempo, penso que, para ele, é uma escolha difícil, dado o investimento que fez de reposicionamento da imagem (...) mudar ou moderar o discurso nesse sentido de crítica, já que ele quer se tornar uma alternativa ao campo da esquerda”
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Aposta nacional, consequências no Ceará

O distanciamento forçado por Ciro com o PT e com Lula está no cerne desse impasse, segundo os cientistas políticos. Ainda na entrevista, o ex-ministro não poupou o petista. “O Lula dissipou muito rapidamente um capital político extraordinário que ele ganhou por ser a negação do Bolsonaro, a negação do autoritarismo, da falta de compostura, a negação de tudo”, comentou. 

Ciro ao lado de Lula e Camilo em 2020
Legenda: Ciro ao lado de Lula e Camilo em 2020
Foto: Divulgação

Conforme o cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o tom adotado por Ciro para fazer esse movimento no período pré-eleitoral e eleitoral pode explicar sua derrota na quarta tentativa de ocupar a cadeira de presidente do Brasil.

“O Ciro apostou muito alto na eleição porque ele tinha e tem um potencial muito bom. Ele tem ótima didática e uma comunicação muito boa, o problema é a aposta que ele fez. A aposta era a seguinte: ‘se eu ganhar, ganho muito, se eu perder, perco muito’. Como a tendência era de vitória do Lula, ele não teve como suprir as consequências”
Josênio Parente
Cientista político e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Cid e Camilo no alvo de Ciro

As declarações do pedetistas ocorrem, no Ceará, justamente em um momento em que seu agora ex-aliado, Camilo Santana, vive uma crescente de força política. Além de comandar o Ministério da Educação, o petista ainda conseguiu eleger Elmano no primeiro turno, sendo seu principal cabo eleitoral. 

O ex-governador do Ceará ainda atuou como cabo eleitoral de Lula no Estado, onde o presidente conquistou quase 70% dos votos no segundo turno.

“Quando o Ciro fala que o Camilo está monopolizando poderes, ele fala no sentido de atrair aliados do Ciro para o bloco do PT, mas isso é do jogo político, o Camilo está buscando se consolidar como liderança política (...) Daí a chamar de hegemonia já é muito difícil. Temos um quadro político no Ceará em que uma hegemonia política é muito complexa e ela é muito difícil de se estabelecer tamanho o nível de fragmentação das forças políticas do Estado”
Cleyton Monte
Cientista político e professor universitário

Monalisa Torres também reforça que, para ela, Camilo ainda “está se cacifando para ser uma liderança política”. 

“Ele emerge ao cenário político estadual a partir desse apadrinhamento do Cid Gomes, mas, no Governo do Ceará, começa a mostrar as habilidades próprias, embora ele tenha passado praticamente dois mandatos sem construção de um grupo político propriamente, o que acho importante para a construção de uma liderança política”, afirma.

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“Dadas as características e a própria história política cearense, um líder só consegue se consolidar como líder, como chefe político no Estado, a partir do momento em que ele consegue montar um grupo político fiel a ele. Foi assim com o Tasso e foi assim com Cid Gomes, para usarmos exemplos recentes”, acrescenta.

Futuro de Ciro e de seus aliados

Agora, com a crise em um nível de não-retorno, segundo os pesquisadores, as articulações até a próxima eleição serão definidoras para quem irá se sobressair do embate interno do partido.

“A depender do grupo vitorioso, podemos ter um PDT em processo de esvaziamento, o que não seria novidade na política cearense. Quando um líder enfraquece ou quando um grupo internamente enfraquece, a ala descontente tende a procurar abrigo em uma outra legenda que possa lhe oferecer maiores vantagens. No caso de a ala cirista ser a vencedora dentro do PDT estadual, eu não me surpreenderia com lideranças se desfiliando do PDT e migrando para outras siglas. Esse é um movimento que precisamos observar agora, neste ano, dado também às próprias estratégias que estão sendo montadas pensando já nas eleições municipais do ano que vem. E o futuro do PDT? Eu consideraria um futuro incerto”
Monalisa Torres
Pesquisadora e professora da Uece

Desde o ano passado, lideranças políticas locais ligadas a Camilo e a Cid começaram a deixar o PDT. Com a escolha de Roberto Cláudio ano passado, prefeitos de municípios estratégicos se desfiliaram da sigla.

O silêncio dos atingidos

Desde a entrevista exclusiva de Ciro ao PontoPoder, seus antigos aliados ainda não se manifestaram. Em nota, o Partido dos Trabalhadores (PT) repudiou as falas do pedetista contra o ministro da Educação. 

A legenda criticou os ataques contra o ministro, que classificou como "declarações levianas e revanchistas". A sigla ainda "reitera seu reconhecimento à integridade, ao espírito público e ao extraordinário desempenho de Camilo”.

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O governador Elmano de Freitas foi outro que, mesmo citado por Ciro, evitou escalar os ataques. "Eu vou acolher o conselho que o ministro Camilo me deu: trabalhar, trabalhar e trabalhar", respondeu o petista.

Também nesta sexta-feira (23), o presidente do PDT, o deputado federal André Figueiredo, reconheceu que o partido "realmente vivencia um momento difícil" no Ceará. 

"O PDT realmente vivencia um momento difícil, ontem se acentuou isso, e nós temos que lutar até o fim pela unidade. Mas se não tiver unidade, o que a gente pode fazer? Vamos para o enfrentamento. Isso é muito ruim. Não posso dizer que estou confortável com essa situação, porque verdadeiramente não estou"
André Figueiredo (PDT)
Presidente do PDT Ceará e do PDT Nacional

Respostas a Ciro

Parlamentares aliados de Cid e de Camilo saíram em defesa da dupla diante das falas de Ciro. 

“O Camilo é o nosso grande líder realmente, então temos que ter muita responsabilidade de fazer o que a população deu condição e acreditou, que é trabalhar. Eu vou seguir a linha dele e os conselhos também”, disse a senadora Augusta Brito (PT) reforçando a fala do governador Elmano de Freitas de que irá “trabalhar, trabalhar e trabalhar”. 

Vice-líder do Governo na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Agenor Neto (MDB) se disse entristecido com as falas de Ciro. “Ele sabe como foram construídas as políticas públicas deste Estado de forma participativa, transparente, inclusiva e esse posicionamento surpreendeu a todos nós, até mesmo porque foi ataque ao maior líder natural deste Estado, que é o Camilo de Santana”, comentou.

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Vice-prefeito de Juazeiro do Norte, Giovanni Sampaio (PSD) disse que Ciro “destila ódio e ressentimentos”. “Quem era Ciro Gomes quando chegou à Assembleia? Suplente de deputado estadual, Tasso se engraçou de vossa excelência e lhe fez prefeito de Fortaleza, lhe fez governador e ministro de Fernando Henrique, e você ficou contra o Tasso Jereissati. A faca não entra só nas suas costas, a mesma faca que você fala entrou nas costas de Tasso, que lhe fez”, declarou.

A deputada estadual Larissa Gaspar (PT) disse que “Ciro está bem perdido”. “Está fazendo uma política pautada no ódio e na inveja. Acho que está muito perturbado com a derrota que teve em 2022 e com o risco iminente de perder o maior foco de poder que eles têm hoje, que é a Prefeitura de Fortaleza”, disse.

“Eu sou uma pessoa contra brigas, sempre tento buscar um consenso, mas está cada vez mais difícil. Tanto no evento regional do PDT quanto nas entrevistas, têm sido claro o comportamento de algumas lideranças importantes do partido, que partiram para esse enfrentamento. Lamento muito, acho isso muito ruim, o Ciro é uma pessoa que eu admiro bastante, sempre votei nele, sempre o apoiei, mas é uma situação difícil. O momento deveria ser de diálogo, de união e não de acirramentos e de acusações”, disse o vereador de Fortaleza Júlio Brizzi, do PDT.

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