O que está em jogo no novo encontro regional do PDT em Fortaleza, um ano após racha com PT
Expectativa é de que o encontro coloque frente a frente correligionários que compõem alas diferentes no partido
Um ano após realizar um encontro regional em Fortaleza que acirrou os ânimos dentro da sigla, o PDT Ceará promove, nesta quinta-feira (22) e sexta-feira (23), uma nova reunião com lideranças regionais do partido na Capital. No entanto, o cenário agora é outro.
Desde aquela época, a sigla rachou com o impasse sobre lançar Izolda Cela (sem partido) como candidata à reeleição ao Governo do Estado, ou o ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT) para encabeçar a chapa governista. Com a escolha do ex-prefeito, as divergências ficaram evidentes com trocas de acusações e discussões públicas.
Veja também
O partido ainda acumulou duas derrotas simbólicas: Ciro Gomes (PDT) ficou em quarto lugar na disputa pela Presidência da República, e Roberto Cláudio ficou em terceiro na corrida pelo Governo do Estado. Soma-se a isso o distanciamento entre Ciro e o senador Cid Gomes (PDT), seu irmão, as duas principais lideranças do partido, pós-disputa eleitoral.
Com a crise instalada e pública, a Executiva nacional do partido, sob liderança do deputado cearense André Figueiredo, que também comanda o diretório estadual, convocou um novo encontro regional para debater “temas da atualidade e promover um projeto político, partidário e eleitoral”.
A expectativa é da presença massiva de vereadores, prefeitos, deputados e dirigentes do partido. Lideranças locais também esperam a presença de Ciro e Cid Gomes com as duas alas da sigla. Cada um com seus aliados, os irmãos devem ficar frente a frente para tratar dos impasses que só crescem dentro da legenda ao longo dos últimos 12 meses.
O Diário do Nordeste reúne as principais discussões que cercam o PDT na véspera de novo encontro partidário.
Cid ou Figueiredo: quem comandará o PDT Ceará?
Um dos focos recentes de tensão entre as duas alas do partido envolve o comando do diretório estadual. Atualmente, André Figueiredo, alinhado à ala de Ciro Gomes, lidera os diretórios estadual e nacional do PDT. A dupla função já foi motivo de crítica de alguns filiados. Contudo, a maior ameaça tem vindo de Cid Gomes, que planeja assumir a cadeira de comando no Estado.
Quem aponta essa disputa como um dos principais impasses atualmente na legenda é o cientista político Raulino Pessoa Júnior, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca). Para ele, após o silêncio de Cid Gomes na eleição do ano passado, a tendência é que a ala dele, hoje majoritária no partido, tente assumir o comando da legenda.
Veja também
“Faz total sentido esse afastamento dele da política cotidiana, mas, percebendo que há um horizonte de novas eleições, com o mandato dele chegando à segunda metade, é importante articular uma base (...) Além disso, o partido passou por esse fiasco com o rompimento com o PT e a base camilista (ligada ao senador Camilo Santana, do PT) dentro do partido acabou se saindo melhor”, afirma.
“Hoje, o Cid tem menos a oferecer que o Camilo para seus aliados. Além disso, o Camilo tem a liderança do Elmano, então o Cid, já antevendo isso nas próximas eleições, tem se posicionado da melhor maneira para garantir essa influência sobre lideranças locais”
Em meio às disputas internas, o senador chegou a ser cortejado por outros partidos. Ele, no entanto, tem negado o interesse pela mudança e, para reforçar esse argumento, sinalizou o interesse em comandar o partido.
“Estou cada dia mais motivado no PDT. Ocupo hoje a liderança do PDT no Senado, feliz, animado e entusiasmado com essa responsabilidade. Tenho um desejo, acho que não por vaidade pessoal, acho que represento hoje o sentimento majoritário do PDT aqui, no Ceará, em relação aos assuntos cearenses, e tenho a pretensão de vir a presidir o partido. Quem tem essa motivação, obviamente não está pensando em sair", disse o senador em entrevista ao Diário do Nordeste no início de maio.
No início deste mês, uma publicação feita por Figueiredo sobre obras paralisadas no Estado gerou questionamentos entre correligionários sobre o real alvo dos ataques, já que ele citou obras como o Metrofor e o Acquário, iniciadas no Governo Cid.
Contudo, o próprio deputado tratou de se explicar em nova publicação. “Impressionante a obsessão em fazer uma intriga minha com o senador Cid Gomes. Minha postagem sobre as obras paradas em Fortaleza são muito claras. Cid deixou de ser governador há 9 anos. Seus sucessores fizeram o que em obras estruturantes que ele iniciou? Absolutamente nada”, disse.
Sarto 2024
Eleito com um amplo arco de apoio em 2020, o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), foi um dos mais impactados, na prática, com o racha no PDT. O mandatário viu sua base na Câmara Municipal ser reduzida e chegou a receber um “puxão de orelha” público de Cid Gomes.
Enquanto isso, ele tenta se manter como o candidato natural à reeleição mesmo diante dessa perda de apoio de aliados e de críticas de eleitores pela aprovação de pautas impopulares, como a Taxa do Lixo.
“O prefeito tentou até alterar a sua agenda, ensaiou um programa de obras e inaugurações bastante significativo, mas isso não conseguiu alterar a imagem que boa parte da população tem dele. Mais que isso, não conseguiu atrair aliados de peso, de importância (...) Isso faz com que o PDT cirista e mais ligado a Roberto Cláudio seja um PDT cada vez mais isolado, restrito e tenha dificuldade com alianças”
No fim de fevereiro, Cid alertou que as ações do Município não podem "ficar na Aldeota". Na fala, o senador faz menção à necessidade de um viaduto na região da Avenida José Bastos, como exemplo. "Ele tem que trabalhar e parecer que está trabalhando. Ele tem que ser flagrado cinco horas da manhã no cruzamento da José Bastos", disse Cid em entrevista ao podcast “As Cunhãs”.
A fala fez de Cid alvo de vereadores de Fortaleza do PDT, com alguns questionando inclusive a capacidade de avaliação dele. Já Sarto tem evitado entrar em rota de colisão com o senador. O político, na verdade, se diz “vítima” da crise.
“Quero lhes dizer que eu me sinto o único, vamos dizer assim, a vítima dessa história, porque logo quando eu sou prefeito resolvem brigar, gente, que coisa, hein?”, declarou ao Diário do Nordeste em fevereiro deste ano.
Veja também
“A outra dificuldade que se tem para o grupo do Sarto e do Roberto Cláudio é a conjuntura nacional, que aproxima muito o PDT do PT com o PDT sendo governo. Isso dificulta o apoio do diretório nacional às críticas ao governador e ao presidente”, acrescenta Cleyton Monte.
Já Ciro tem sido um dos principais defensores do nome de Sarto. Em palestra recente, o ex-ministro disse que o prefeito tem feito um "trabalho extraordinário". "Muitas vezes com uma discrição que eu acho que está errada, porque ele precisa fazer a pabulagem, porque Fortaleza não pode cair de volta em demagogia", disse.
O futuro político de Ciro Gomes
Derrotado nas urnas em 2022, em sua quarta tentativa de virar presidente da República, Ciro Gomes amargou outros resultados ruins no pleito. Nacionalmente, ficou em quarto lugar na disputa. No Ceará, ficou em terceiro lugar no primeiro turno, inclusive em Sobral, seu berço político.
O ex-governador adotou a reclusão após as eleições, viajando para o exterior e fazendo aparições públicas somente nas últimas semanas. Em palestra neste mês para empresários e lojistas de Fortaleza, ele disse que a viagem foi para “lamber as feridas e sarar as machucaduras”.
Em outro trecho da palestra, Ciro disse que pretende encerrar suas investidas eleitorais. "(Posso) falar com liberdade de quem não precisa agradar mais ninguém porque o meu cliclo eleitoral, meu apetite eleitoral acabou. Antes, eu me sentia obrigado a representar uma espécie de corrente de opinião que tirava 10%, 12%, e agora praticamente me deixaram falando só. Então, eu tô agora falando só por mim, o que me dá uma liberdade muito grande", disse Ciro.
Para o cientista político Cleyton Monte, o ex-ministro deve ter um papel coadjuvante nas próximas eleições e isso já deve aparecer no encontro regional. “Ele sabe desse isolamento e me parece que não vai ser um fator de destaque na eleição municipal. Ele não vai ser um protagonista da eleição, isso vai ficar muito a cargo do Roberto Cláudio. Esse grupo político sabe da importância de ganhar em Fortaleza e sabe da conjuntura do PDT”, aponta.
Saída de prefeitos
Outro desafio para os pedetistas é frear a evasão de prefeitos que se estabeleceu no partido desde o ano passado. Em meio ao impasse sobre a candidatura ao Governo do Ceará no ano passado, mais de dez mandatários deixaram a sigla insatisfeitos com a escolha de Roberto Cláudio para a missão.
A legenda, que elegeu 63 prefeitos em 2020, perdeu inclusive gestores de municípios estratégicos, como Chorozinho, liderado por Júnior Castro, presidente da Aprece (associação de municípios do Ceará), Jaguaribara, comandado por Juju, vice-presidente da entidade, além de Barbalha, de Dr. Guilherme; e Aracati, de Bismarck Maia, que passou a comandar o Podemos mais recentemente.
Conforme o cientista político Raulino Pessoa Júnior, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), isso é um reflexo da tendência “governista” que há entre os prefeitos cearenses.
“Nossa política é marcada pelo forte governismo, isso faz com que quem se situa na oposição perca aliados. Quando PDT ou uma parte dele se afasta do Governo do Estado, isso faz com que lideranças políticas, principalmente prefeitos do Interior, migrem para outras siglas”
Segundo Raulino, é baseada nisso a estratégia de parte da sigla de alçar Cid Gomes ao comando do diretório estadual. “É o caminho para renovar o partido e se aproximar de Elmano e Camilo”, conclui.
Quem também endossa essa análise é o professor Cleyton Monte. Para ele, o distanciamento dos prefeitos com a sigla ficou evidente no ano passado, com Ciro e Roberto Cláudio assumindo o papel de estrategistas da campanha estadual.
“É lógico que se esses prefeitos do PDT — lembrando que o PDT tem o maior número de prefeituras — tivessem apoiado Ciro e Roberto Cláudio, nós não teríamos tido essa votação que registrou Roberto Cláudio e registrou Ciro Gomes. Então, já não houve esse apoio, ou seja, esses prefeitos, apesar de serem oficialmente do PDT, são na verdade camilistas, seguem orientação do ministro Camilo Santana”, aponta.
Relação com o Governo Elmano
Um dos efeitos práticos do racha do PDT tem sido a “independência” em relação ao Governo Elmano de Freitas. Com muitos deputados da sigla rejeitando a candidatura de Roberto Cláudio e apoiando o petista no último pleito, o partido, até hoje, não assumiu uma unidade sobre o Governo do Estado.
Na Assembleia Legislativa, por exemplo, três deputados — Antônio Henrique, Cláudio Pinho e Queiroz Filho — têm agido como oposição, enquanto a maioria da bancada do partido compõe a base do Governo, inclusive com Romeu Aldigueri (PDT) sendo líder do Governo Elmano.
Enquanto Cid Gomes tem apoiado o Estado, o ex-prefeito Roberto Cláudio tem sido um dos mais críticos ao Governo Elmano.
“A relação entre PT e PDT fica cada vez mais estremecida com esse racha. Tanto que tivemos, na semana passada, uma fala do Guimarães (José Guimarães, deputado federal) reforçando que o PT terá candidatura própria em Fortaleza. Não é qualquer liderança, o Guimarães faz parte do diretório nacional, é a figura de destaque do PT estadual, então ele deixa claro que o PT vai ter um candidato ou candidata, isso coloca mais pressão sobre o PDT”