Qual a estratégia do Ceará ao barrar em 40% o capital estrangeiro em empresas públicas? Entenda

Medida publicada na última semana pode ser determinante para futuro da Cegás, já que empresa Mitsui não poderá aumentar sua participação

Escrito por Paloma Vargas , paloma.vargas@svm.com.br
Cegás tem participação de Mitsui barrada em 40% pelo Governo do Estado
Legenda: Cegás tem participação de Mitsui barrada em 40% pelo Governo do Estado
Foto: Divulgação/Governo do Estado do Ceará

Na última semana, o governador Elmano de Freitas (PT) sancionou uma lei que impõe limites à participação de capital estrangeiro em empresas públicas ou sociedades de economia mista integrantes da estrutura do Poder Executivo, prestadoras de serviço público de competência estadual. Com isso, empresas como a Companhia de Gás do Ceará (Cegás), por exemplo, só poderá ter até 40% de suas ações em posse de empresas estrangeiras.

[ATUALIZAÇÃO ÀS 9h25, DE SÁBADO, DIA 2 DE DEZEMBRO]: Anteriormente, a reportagem do Diário do Nordeste afirmou que, além da Cegás, o Complexo do Pecém poderia ser afetado pela lei. No entanto, a Cipp SA afirmou que lei sancionada pelo governador Elmano só atinge empresas que prestam serviços públicos. A reportagem entrou em contato com a Procuradoria Geral do Estado (PGE) para esclarecimentos sobre a lei. No entanto, não obtivemos resposta até a publicação da matéria e nem após a atualização do material.

O texto afirma que o objetivo é “assegurar a preservação e a harmonização dos interesses econômicos, da segurança nacional, da qualidade e da regularidade de serviços públicos essenciais à população”. Na resolução também está disposto que é considerada empresa estrangeira a pessoa jurídica cuja sede principal ou cujo controle acionário se localiza fora do território brasileiro.

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A lei Nº18.587 ainda determina que caberá à Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce) fiscalizar o seu cumprimento. Além disso, qualquer participação de empresas estrangeiras, incluindo o aumento das que já fazem parte das sociedades mistas, dependerá da aprovação da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e de uma manifestação prévia da Arce, que avaliará o interesse público do pedido.

O documento também prevê o pleno poder de gestão pelo Estado nas empresas e ainda regula que sejam nulas as cláusulas em acordo de acionistas que o contrariem.

Segundo o economista, vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec Brasil), Célio Fernando Melo, o novo regramento não é um problema para possíveis investimentos estrangeiros nos serviços públicos do Estado.

As circunstâncias da edição desta lei guardam, sem dúvida, uma visão estratégica para o horizonte de investimentos e financiamentos pensado pelo Estado como acionista majoritário. Rever a lei, em outro contexto, poderá ser interessante, conforme os melhores interesses do Estado e maturidade dos investimentos”
Célio Fernando Melo
Vice-presidente da Apimec Brasil

Ele explica que muitas vezes a limitação evita a diluição do capital. “As empresas precisam fazer investimentos e podem recorrer a financiamentos e não somente a capitalização.” E ainda pondera que, neste caso, “o grande ponto não é a participação e sim a governança”. 

“As alianças estratégicas construídas com Roterdã (Pecém) e Mitsui (Cegás), por exemplo, guardam o dever de orçamentos minimamente quinquenais, prática da boa governança e horizonte mínimo para apuração de valor com perpetuidade no 6º ano. Muitas vezes as decisões de curto prazo sem horizontes de médio e longo prazo destroem valor e podem afetar a estrutura de capital ótima para o pipeline de projetos que favorecem o desenvolvimento e crescimento sustentáveis de uma empresa.”

No caso do Complexo do Pecém - que não deverá ser afetado pela nova lei-, atualmente a administração é dividida entre 70% do Estado do Ceará e 30% do Porto de Roterdã. Este, que configura o capital estrangeiro, ocupa posições na diretoria executiva e nos conselhos Fiscal e de Administração. De acordo com a nova lei, essa participação estrangeira no porto ainda pode crescer até 10%.

Na Cegás, lei barra crescimento da Mitsui

Já no caso da Cegás, o capital estrangeiro já está acima do limite estipulado (41,5%) e não poderá crescer mais. Com a nova legislação, a empresa de origem japonesa Mitsui não precisará recuar no percentual de participação, mas também não poderá exercer o direito que tinha, até então, de comprar com prioridade parte da empresa que estava em poder da Commit Gás - uma subsidiária da Compass Gás e Energia.

O direito de prioridade de compra da parte da Commit também foi dado ao Governo do Ceará, mas este não manifestou se teria interesse ou não. Vale lembrar que a Cegás faz parte de um grupo de distribuidoras de gás natural localizadas no Nordeste que a Commit Gás possuía participação, mas que decidiu desinvestir.

Além da empresa cearense, estão nesta lista as localizadas em Alagoas (Algás), Pernambuco (Copergás), Rio Grande do Norte (Potigás) e Sergipe (Sergas). Estes ativos estão em negociação com o grupo Infra Gás e Energia, do Rio de Janeiro, que já tem contrato assinado, mas pode ficar sem nada, caso os governos estaduais e a Mitsui (que tem participação em todas essas distribuidoras) resolvam comprar os ativos. 

Questionada sobre a nova regra estipulada em lei, a Cegás informou em nota que “como concessionária de serviço público, sempre respeitou as regulamentações dos órgãos de controle e fiscalização, bem como a legislação pertinente à sua atuação”.

“Neste sentido, com a promulgação da Lei Estadual 18587/2023, a empresa informa que adotará medidas para adequar-se ao disposto na lei acima citada, buscando a excelência na entrega dos serviços aos seus clientes e à sociedade cearense.”

Estratégia é para barrar possíveis privatizações e controles externos

O engenheiro de petróleo e consultor de energia, Ricardo Pinheiro, avalia a medida do governo como uma estratégia política e de mercado. “Esse é um fechamento de questão em relação à possibilidade de privatização da Cegás e também de uma possibilidade de controle da empresa pela Mitsui."

“A lei não tem a necessidade de explicar o seu porquê e também não deixa claro se o Governo do Estado do Ceará vai adquirir mais uma fatia da Cegás ou não. O que fica claro é que o que a Mitsui não poderá fazer, que é aumentar a sua participação e tentar assumir o controle da operação.”

Pinheiro lembra ainda que essa medida não muda nada efetivamente no cenário atual da Cegás. "Ela é uma empresa extremamente enxuta, bem administrada, capitalizada. Então acredito que seja mais um posicionamento político do governo."

"Isso permite que a Cegás se mantenha como está, assim como outras empresas porque acredito que a lei não foi feita apenas pensando na Cegás, mas sim em dar segurança para o Estado manter o controle, como o caso do Porto do Pecém, como é o caso da empresa da água e o processo dessalinização que está se desenhando", diz o especialista dando exemplo da usina de dessalinização que deve ser instalada na Praia do Futuro.

Essa lei fecha uma porta muito forte em termos de privatizações no Estado para o futuro, porque ela poderia ser derrubada por outro governo, mas teria que passar por uma ampla discussão"
Ricardo Pinheiro
Engenheiro de petróleo e consultor de energia

Procurados, a empresa Mitsui e o Governo do Estado não se pronunciaram sobre o assunto até a publicação deste material.

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