Na década de 1970, Paraipaba, que já havia sido um município, era somente um distrito da vizinha Paracuru. Apesar disso, já era destino certo de quem queria comprar e vender coco em todo o território cearense. Um deles foi Raimundo Dias, funcionário de banco aspirante a agricultor que, nos anos seguintes, se tornaria o "rei" do Estado na produção do fruto.

Seu Dias, como é conhecido na região, é natural do interior do Paraíba e, logo cedo, veio morar no Ceará. Em Fortaleza, chegou a trabalhar em bancos e na área da tecnologia, mas prosperou mesmo foi no campo. Ele aproveitou as condições de Paraipaba para começar a produzir coco e, no começo, era apenas mais um produtor rural no meio de centenas da região.

"Estamos em Paraipaba há 46 anos. Na década de 1970, praticamente só Paraipaba produzia coco no Ceará. Na década de 1980, chegamos aqui e começamos a fazer os primeiros plantios. Nós expandimos e, na época, éramos 800 pequenos produtores com uma produção extraordinária. Paraipaba era a opção que se tinha para comprar coco aqui no Estado, porque era onde as pessoas vinham comprar coco. Paraipaba abasteceu o Brasil com os cocos", conta.

Essa é a terceira e última reportagem da série “A revolução do coco de Paraipaba” que traz uma perspectiva sobre como o plantio e produção da cidade revoluciona a economia local. O terceiro conteúdo é sobre a Dikoko, maior empresa cearense de aproveitamento com o fruto.

De lá para cá, Paraipaba se emancipou e, se antes era classificada como uma cidade do litoral oeste do Ceará, tornou-se um município da Região Metropolitana de Fortaleza, a cerca de 100 quilômetros (km) de distância. O que não mudou foi o título de capital do coco. Desde o letreiro da entrada do local, cuja letra "i" é representada por um coqueiro, até as vastas plantações do fruto, tudo remete ao cultivo agrícola.

"Nossa preocupação é fazer a nossa missão bem feita. A gente já produz coco há mais de 35 anos, e nesse período a gente pode se apaixonar pela cultura, desenvolver mecanismos de conseguir maior produção e aqui a gente está na ideia da cultura do coco: de ter um produto que faz bem às pessoas, que o mundo caminha para uma vida mais saudável, o coco é tudo isso", evidencia Seu Dias.

Raimundo Dias Rei do Coco de Paraipaba
Legenda: Raimundo Dias, "rei do coco" de Paraipaba
Foto: Arquivo Pessoal

Necessidade de crescer produção cria império do coco no litoral oeste

Seu Dias plantava o fruto há alguns anos na Grande Fortaleza e comercializava para o Sudeste e Sul em forma de água. A venda, no entanto, era sazonal, pois a demanda reduzia bastante nos períodos mais frios. Bruno de Almeida, sócio-fundador e CEO da Dikoko, empresa fundada por ele e pelo "rei do coco", explica o cenário.

"A gente sempre foi produtor de coco. Chegavam momentos do ano em que a gente não tinha para quem vender. Chegou no momento que falei com o meu sócio e a gente decidiu agregar valor à fruta, e foi quando a gente montou essa fábrica. A gente começou a produzir a polpa do coco congelada, e fomos vender para os clientes. Nos primeiros cinco anos da fábrica, a gente vendia um único produto para um único cliente, e depois a gente foi agregando novos processos e produtos, inventando novos produtos", relembra.

Conforme dados de Bruno de Almeida, a Dikoko hoje é "a segunda maior indústria das Américas em derivados de coco", título corroborado pelo clima do litoral oeste do Ceará: "é quente, tem a quantidade de chuva anual que o coqueiro necessita e solo arenoso", enumera.

A fábrica fica localizada no distrito de Calumbi, a cerca de 10 km da sede de Paraipaba, e é atualmente a maior fábrica cearense de beneficiamento de coco. Quase todos os funcionários empregados são da própria localidade, conforme dados da empresa.

Surgimos em 2003. A gente emprega aproximadamente 300 empregos direto dentro da fábrica, fora os indiretos nas 14 fazendas, que ficam no litoral oeste do Ceará. Em Paraipaba e Itapipoca são as duas principais, mas também temos em Itarema e Camocim. Hoje a gente processa em coco seco, que é o coco maduro, que se faz o leite, coco ralado, óleo de coco, a gente processa em torno de 60 toneladas diariamente. No coco verde, a gente processa em torno de 200 mil frutos por dia.
Bruno de Almeida
Sócio-fundador e CEO da Dikoko

Fábrica da Dikoko em Paraipaba
Fábrica da Dikoko em Paraipaba
Fábrica da Dikoko em Paraipaba
Legenda: Fábrica da Dikoko em Paraipaba é a segunda maior das Américas no beneficiamento de coco verde e seco
Foto: Davi Rocha

O carro-chefe da indústria é a comercialização da água de coco, seja embalada com a marca da Dikoko ou em formato concentrado. Por ano, em média, é retirado o líquido de cerca de 50 milhões de unidades do fruto. 

"A gente atualmente está exportando para cinco países. O carro-chefe é a água de coco e água de coco concentrada. Nos tornamos exportadores para os maiores produtores do mundo. Estamos exportando para a Ásia, Estados Unidos, Colômbia, México", pontua Bruno de Almeida.

Essa água de coco concentrada é um produto resultante da retirada da água e da manutenção da "essência" do líquido em formato reduzido, geralmente em gel. Além de facilitar a exportação e a comercialização, chega ao mercado como água de coco reconstituída, embalagens vendidas por diversas marcas, até mesmo concorrentes da Dikoko.

Concorrência asiática é forte, mas tecnologia brasileira consolida Ceará

Indonésia, Filipinas, Índia e Sri Lanka são as maiores produtoras de coco do mundo, responsável por quase 75% da produção mundial do fruto. O Brasil fica somente na quinta posição, bem atrás dos países asiáticos, com cerca de 4% do mercado mundial em 2021. Os dados são do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), do Banco do Nordeste (BNB).

O coco chegou ao Brasil com a colonização portuguesa, sendo originário do sudeste asiático, onde as vastas produções dominam até o momento. Com melhorias genéticas, no entanto, o fruto brasileiro se consolidou de tal forma que fez o País se tornar o maior produtor de água de coco do planeta.

"Hoje o coco está bem implantado em todos os estados do Nordeste, especialmente o Ceará, são um celeiro de produção de coco", expõe Seu Dias.

O que diferencia o Ceará é o investimento em versões de coqueiros com melhoramento genético. Sabino Mesquita, engenheiro-agrônomo e gerente agrícola da Dikoko, explica os tipos de plantas mais comuns existentes do fruto.

O coqueiro-anão é um coqueiro mais precoce, especializado para a produção de cocos para água. Entre o final do segundo ano e o início do terceiro de plantio, já entra em produção. O híbrido começa a produzir no quarto ano e o gigante, com seis a sete anos. O coqueiro anão tem uma particularidade que tem produção o ano todo. A cada 23 dias, temos a produção de um cacho, portanto, 18 cachos de coco por ano.
Sabino Mesquita
Gerente agrícola da Dikoko

Coqueiro Dikoko 1
Coqueiro Dikoko 1
Coqueiro Dikoko 1
Legenda: Fazenda Calumbi da Dikoko em Paraipaba. Plantação é destinada à produção de água de coco
Foto: Davi Rocha

Nas fazendas da Dikoko, principalmente na de Paraipaba, predomina o plantio do coqueiro-anão, que em 2025 completa 100 anos de difusão no Brasil, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A segunda maior variante existente é a de plantas híbridas, mistura genética entre coqueiros anões e gigantes.

A grande vantagem do coqueiro-anão é a fácil adaptação dele para a produção de água. Logo após a planta pronta, ela começa a dar frutos em menos de um mês. Cerca de 30% do peso do coco verde é de líquido, retirado manualmente na fábrica por diversos operários. Em alguns cocos, o volume de água pode superar o meio litro.

"Normalmente se tira de 400 mililitros (ml) em média de água por fruto. Falando também de produtividade, o coqueiro anão produz na faixa de até 270 frutos por coqueiro por ano, ou seja, um coqueiro bem conduzido à disponibilidade de água pode chegar a produtividade acima de 40 mil frutos por hectare. Um hectare tem 250 plantas", diz Jairo Almeida.

Antes, durante e depois: vida de agricultor muda com o coco

O gerente de irrigação Marcos Souza foi agricultor, começando a trabalhar nas plantações de Seu Dias na fazenda de Paraipaba em 1998, e participou da fundação da empresa.

"Comecei a trabalhar com Seu Dias, na fazenda, e já fui logo ajudando a plantar e aprendendo também. Chegou um momento que já consegui plantar sozinho, como hoje a gente consegue fazer. Desde os 18 anos trabalho na Dikoko. Não sai nenhum mês. Vou fazer 27 anos de empresa. Coco, para mim, representa tudo e mais um pouco. Mantenho a minha família", define.

Desde o início, o processo não foi fácil. Morando perto da Dikoko, todos os dias o gerente de irrigação se fazia presente na empresa. Cuidando passo a passo, desde o plantio das sementes, passando pelo crescimento do coqueiro e pelo solo molhado para a frutificação dos coqueiros, Marcos Souza conta que a vida melhorou bastante com a cocoicultura.

Iniciei aqui, eu andava à pé na fazenda inteira. Naquela época, as coisas eram difíceis. Passaram os anos, consegui comprar minha bicicleta, trabalhando, até chegar em um ponto que melhoramos de vida, tenho moto e minha casa. Hoje, estamos em um patamar melhor à vista do que era antes. 
Marcos Souza
Gerente de irrigação da fazenda Calumbi da Dikoko

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Legenda: Marcos Souza, gerente de irrigação da Dikoko, trabalha com Seu Dias desde 1998
Foto: Davi Rocha

Na visão dele, é um "privilégio" trabalhar na empresa que está desde a fundação, e encoraja os mais jovens a voltarem ao campo em um contexto de redução de mão de obra no agronegócio.

"Penso que tenho muita garra e amor, porque é pertinho. Todos da minha família estão a favor. Hoje sou pai de dois jovens e a gente consegue querer ensinar. Tenho o dom de ensinar, trabalho com muitos jovens, espero que eles aprendam enquanto a gente está vivo para ensinar", vislumbra.

Vasta plantação e presença nacional e internacionalmente

O engenheiro-agrônomo Sabino Mesquita ainda elenca a plantação atual da Dikoko no Ceará, que supera os 650 mil coqueiros, sendo 350 mil anões e 300 mil híbridos. Além disso, ele exalta o fruto como importante para a economia de Paraipaba.

"O coqueiro gera renda, não só renda municipal, mas movimenta os negócios e melhora a vida das pessoas daquela localidade. Para cada pessoa contratada, deve gerar três ou quatro empregos indiretos. Gera impostos também", acentua.

Com uma produção anual que ultrapassa a marca de dezenas de milhões, seja de coco na modalidade verde ou seco, a Dikoko entrou no mercado com força. Atualmente, processa o fruto e comercializa inclusive com concorrentes, como a Sococo, alagoana que é maior empresa das Américas de beneficiamento da planta. 

20 milhões de litros
Essa é a quantidade de água de coco verde, em média, que é processada pela Dikoko por ano, se considerado que cada fruto tenha cerca de 400 ml de água.

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Legenda: Retirada da água de coco é feita manualmente pelos operários
Foto: Davi Rocha

"Para entrar os grandes clientes mundialmente, é exigido volume de produção e de capacidade produtiva. A planta que começou, em 2003, aumentou em mais de 10 vezes. Para gente, esse crescimento é um grande motivo de orgulho, não só para esse distrito onde estamos em Paraipaba, mas também para o Brasil", celebra Bruno de Almeida.

O CEO da Dikoko destaca que a empresa "ainda tem muito a crescer": "As plantações da Ásia estão muito velhas, e o nosso forte aqui é uma espécie de coqueiro anão. Recebemos, no ano passado, várias visitas de pessoas da Indonésia, Índia, Singapura, querendo entender como a gente produzia tanta água", frisa.

Seu Dias quer "florestas de coco" no Ceará

Em junho deste ano, a Dikoko anunciou uma nova fábrica em Itapipoca com investimento de quase R$ 200 milhões. A ideia é processar ainda mais coco, seja verde ou seco. Para Seu Dias, é a oportunidade de transformar o litoral oeste do Ceará em um oásis ainda maior de coqueiros.

"Nossa principal missão é cuidar da agricultura, montar florestas de coco. Esse ano, estamos concluindo um projeto de 1 mil hectares (ha) plantados e totalmente tecnificados, com energia solar e tudo o que é necessário para a planta poder ter um bom desenvolvimento", conclui.

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Legenda: Raimundo Dias observa plantação de coco em Paraipaba
Foto: Arquivo Pessoal e Davi Rocha

Questionado sobre o título de "rei do coco" de Paraipaba, o ex-bancário ri e rechaça com bom humor o título. Segundo ele, é muito mais importante difundir o fruto paraipabense pelo mundo.

"Não sou nem nobre, quanto mais um rei. Sou um plantador de coco, agricultor que ama o que faz: plantar coco. Vou produzir e plantar e plantar e plantar. Minha grande satisfação é ver os produtos da região oeste abastecer o Brasil e parte do mundo. As titularidades nascem e morrem, sem muita importância", arremata.