Mais de 99% de pás eólicas exportadas pelo Ceará vão para os EUA: 'Impacto pesado e forte'

Tarifaço de Trump sobre as pás eólicas ocorre em meio à crise vivenciada pelo setor de energia eólica

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Redação producaodiario@svm.com.br
Foto que contém pás eólicas no Porto do Pecém
Legenda: Ceará exporta quase todas as pás eólicas para os Estados Unidos
Foto: Celso Thomaz/Cipp

setor de pás eólicas do Ceará será o segundo mais afetado pelo tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos, atrás somente dos pescados. A avaliação é da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) em estudo divulgado nessa quarta-feira (6).

De acordo com dados da Fiec, o Ceará exportou, até junho deste ano, US$ 11,48 milhões (R$ 62,2 milhões na conversão atual) em pás eólicas. Desse total, 99,5% foram para os EUA, sendo o terceiro produto cearense mais vendido para o país norte-americano.

O tarifaço sobre as pás eólicas ocorre em meio à crise vivenciada pelo setor de energia eólica, atualmente, a terceira maior fonte de energia do País. Essa questão envolve uma certa estagnação na área, causada, dentre outros fatores, pelo corte de geração (curtailment) e crescimento vertiginoso da energia fotovoltaica.

Dentre as solicitações da Fiec, está a inclusão das pás eólicas na lista de produtos isentos do tarifaço para os EUA. Elas entram no pedido como partes de aerogeradores.

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Setor eólico vive crise sem fim

Segundo Adão Linhares, consultor especializado em energia renováveis, há dois motivos principais para a crise do setor eólico. 

Um desses motivos é a competitividade da energia solar e crescimento da geração distribuída. 

 "Os equipamentos de energia solar tiveram uma redução de preço violenta. No plano decenal da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a energia eólica ficou estável, e a energia solar avançou, ou seja, é mais barato produzir energia solar do que a eólica. Houve um crescimento também da geração distribuída, enquanto a indústria de instalação de parques eólicos sofreu um abatimento", explica Linhares. 

O segundo motivo, conforme o especialista, é a redução de incentivos para a energia renovável. 

"O setor de energia e o mercado pressionam o Governo Federal no sentido de reduzir os incentivos relacionados com a energia renovável. A gente tinha uma redução de 50% da tarifa de uso do sistema de transmissão. Nas últimas revisões da legislação do setor, principalmente a última lei aprovada para o hidrogênio verde, continuaram com os incentivos para carvão e gás natural, mas retiraram e reduziram os incentivos para eólica e solar. A energia solar não sentiu muito impacto porque tem uma redução de custo muito grande", afirma.

Dependência do mercado norte-americano

Essas ações forçaram as empresas que produzem partes de aerogeradores, como a Vestas, de turbinas, e a Aeris, a buscar ainda mais o mercado externo. No caso da fabricante de pás eólicas, os Estados Unidos passaram a ser um destino mais frequente das exportações. 

Neste sentido, a taxação anunciada por Donald Trump, conforme Adão Linhares, "vai ter um impacto pesado e bem forte", principalmente pela competitividade que outras empresas ao redor do mundo devem fornecer, já que a tarifa mais elevada revelada pelo presidente dos EUA foi para o Brasil.

Foto que contém fachada da Aeris
Legenda: Aeris fabrica pás eólicas no Pecém
Foto: Davi Capistrano/Divulgação

"O cliente das pás eólicas foi os Estados Unidos. Não sei o nível de competitividade das pás do Ceará com relação às pás fabricadas nos EUA, mas muito dificilmente vai continuar vendendo pelo novo preço, porque deve aparecer outra mais competitiva", classifica.

Para Adão Linhares, as fabricantes de componentes de aerogeradores devem rever os contratos assinados com os clientes dos Estados Unidos, e negociações são esperadas para reduzir esses impactos.

"Eles têm contratos. Essas pás que estão indo para lá é porque tem cliente que comprou nos Estados Unidos. Deve estar sendo feita uma negociação, mas vai ter impacto. Não dá para saber se eles vão baixar o preço e continuar fornecendo as pás, reduzindo a margem deles", aponta.

Produção de pás eólicas no Ceará

Vivenciando uma das maiores crises da história, o setor de energia eólica tenta se firmar em meio a redução da cadeia produtiva, embora seja responsável por 16% da matriz energética brasileira atualmente, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

Aeris, uma das maiores empregadoras do Ceará, está no epicentro de uma intensa crise que continua se agravando. Essa questão é confirmada por meio do balanço da empresa, divulgado no fim da noite dessa quarta-feira.

Entre abril e junho deste ano, a companhia teve prejuízo líquido de R$ 174 milhões, uma alta de mais de 5.500% na comparação com o segundo trimestre de 2024 (prejuízo líquido de R$ 3 milhões).

"O período também foi marcado por uma desaceleração da atividade industrial na cadeia produtiva, impulsionada pela redução da demanda por novos contratos de longo prazo (PPAs), o que resultou em cortes de produção e demissões em empresas do setor", diz Alexandre Negrão, CEO da Aeris.

Os resultados ruins da empresa vêm acompanhados da alta expressiva na produção de pás eólicas para o mercado externo. Somente no segundo trimestre deste ano, subiu em 288% o valor produzido pela Aeris para exportação, chegando a R$ 94,6 milhões, superando a fabricação dos componentes para o setor nacional, que foi R$ 85,4 milhões.

Sobre o tarifaço, a empresa diz que não se manifesta sobre questionamentos relativos ao assunto. O CEO Alexandre Negrão limitou-se a informar, na divulgação dos resultados trimestrais, que a sobretaxação não muda por enquanto a produção da empresa.

"Apesar do anúncio de Donald Trump sobre o aumento de 50% nas tarifas aplicadas a produtos importados do Brasil, ainda não foram identificados impactos concretos para a Aeris. Seguimos com nosso cronograma de produção e sem alterações, monitorando de perto os desdobramentos dessa medida", afirmou. 

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