Extrema pobreza cai com transferência de renda, mas Ceará tem menor redução no Nordeste

Número de nordestinos na faixa mais vulnerável de renda saiu de 10,1 milhões para 5,2 milhões

Escrito por Mariana Lemos , mariana.lemos@svm.com.br
foto de pessoa em vulnerabilidade social
Legenda: Cerca de 9,7 milhões de brasileiros saíram da situação de extrema pobreza entre 2021 e 2023
Foto: Diário do Nordeste/José Leomar

Cerca de 9,7 milhões de brasileiros saíram da situação de extrema pobreza, em que a renda é de até R$ 209 por mês, entre 2021 e 2023. Mais da metade das pessoas que deixou a faixa de maior vulnerabilidade social é do Nordeste, segundo um levantamento do FGV Ibre. O Ceará foi o estado da região com menor redução do índice.

O estudo aponta que mudanças nas políticas de transferência de renda no cenário pós-pandemia permitiram a queda acentuada nos índices de pobreza e extrema pobreza O Nordeste é destacado como a região que concentra a maior parcela da população pobre e mais dependente das transferências.

O número de pessoas em situação de extrema pobreza na região saiu de 10,1 milhões para 5,2 milhões entre 2021 e 2023, queda de 48,1%. No Ceará, a redução foi de 40,4%: o contingente de pessoas na faixa mais vulnerável saiu de 1,4 milhão para 866 mil.

Veja a variação da população em extrema pobreza nos estados do Nordeste

Os estados com maior redução, onde o número de extremamente pobres foi reduzido a menos da metade, foram Rio Grande do Norte (-56,9%), Paraíba (-55,6%) e Pernambuco (-52,7%). O estudo destaca um comportamento heterogêneo dos estados do Nordeste na superação da pobreza pré e pós-pandemia. 

A queda mais tímida do Ceará na comparação com os outros estados nordestinos difere, entretanto, do comportamento pré-pandemia. A população cearense foi a única com redução real do índice de extrema pobreza entre 2018 e 2019. O Estado teve redução de um ponto percentual, enquanto a região teve acréscimo médio de um ponto percentual.

gráfico da Variação no índice de Extrema Pobreza (pontos percentuais) no Nordeste.
Legenda: Variação no índice de Extrema Pobreza (pontos percentuais) no Nordeste
Foto: Reprodução/FGV

Os dois fenômenos estão relacionados e podem indicar dificuldades de penetração das ações de combate à pobreza em famílias cearenses com maior vulnerabilidade, explica Flávio Ataliba, doutor em economia e coordenador do Centro do Nordeste da FGV.

“Quando você retira a grande parte dessas pessoas da extrema pobreza no primeiro período, na pré-pandemia, aqueles que sobram têm necessidade de intervenções mais específicas. São pessoas que, mesmo com expansão dos benefícios sociais, não conseguiram ser resgatadas”, aponta. 

O especialista destaca a necessidade de políticas públicas mais abrangentes, que possam atacar todos as causas de pobreza. 

Existem características específicas dessas famílias que precisam de um olhar mais cuidadoso do poder público. A medida que você vai tirando grupos da população da extrema pobreza, saem primeiro aqueles com mais facilidade e ficam aqueles que exigem atenção mais especial
Flávio Ataliba
Coordenador do Centro do Nordeste da FGV

PROGRAMAS SOCIAIS TÊM MAIS PARTICIPAÇÃO NA RENDA

A superação da situação de extrema nos últimos anos está alinhada as mudanças nos programas sociais de transferência de renda, aponta a análise da FGV. O último marco apontado é o relançamento do Programa Bolsa Família, em março de 2023, com acréscimo de benefícios conforme a composição familiar. 

O fenômeno é observado principalmente no Nordeste, onde mais de um terço da renda familiar é de fontes além do trabalho, como aposentadorias, pensões e benefícios. A transferência de renda por programas sociais representa cerca de 10% da renda familiar per capita na região. 

O percentual é mais que o dobro da média nacional, de 3,7%. Essa é a segunda maior participação dos programas de transferência na renda do Nordeste desde 2012. 

Gráfico da participação percentual do rendimento de programas sociais na composição do rendimento médio mensal real domiciliar per capita – Brasil e regiões
Legenda: Participação percentual do rendimento de programas sociais na composição do rendimento médio no Brasil
Foto: Reprodução/FGV

A participação foi maior apenas em 2020, ano em que o mercado de trabalho passou por forte retração devido à pandemia de Covid-19: os programas sociais compuseram em média 12,8% da renda as famílias nordestinas. 

O levantamento alerta para risco de comprometimento do orçamento por flutuações conjunturais com a menor proporção do trabalho nas fontes de renda. Jair Araújo, professor de Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), reitera que as famílias beneficiadas podem voltar para a situação de pobreza caso dependam apenas da assistência.

Para que a população não volte à faixa da pobreza, o governo precisa investir em políticas públicas conjuntas, afirma o economista. “A primeira é ofertar serviços de educação de qualidade para as crianças beneficiadas, para que no longo prazo ela tenha proatividade maior no mercado de trabalho e saía da situação de pobreza. Outra política é ofertar investimentos privados e públicos para diminuir as taxas de desemprego”, aponta.

O especialista pondera que a diminuição da população em extrema pobreza registrada nos últimos anos está atrelada a queda no desemprego, além da reformulação das políticas sociais.

“A redução se dá também devido à melhora do mercado de trabalho. Nós tivemos aumento do número de pessoas empregadas, ou seja, uma diminuição da taxa de desemprego. O governo também mudou a valorização do salário mínimo, concedendo um aumento real”, afirma. 

DA EXTREMA POBREZA PARA A POBREZA

O número de pessoas em situação de pobreza no Brasil em 2023 é 12% menor que o registrado em 2012, início da série histórica analisada pelo estudo. No mesmo período, número de pessoas que saiu da linha de pobreza no Nordeste foi superior a 3,3 milhões. As maiores reduções foram registradas em Alagoas, Maranhão e Piauí. 

Durante esse período, o contingente de pobres e extremamente pobres passou por flutuações, analisadas pelo levantamento. 

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O período pré-pandemia foi caracterizado por forte recessão, com aumento de 18% do número de pessoas em extrema pobreza no Brasil entre 2012 e 2019. O número de pessoas na linha da pobreza, que vivem com cerca de R$ 667 por mês, caiu do Nordeste e no Sul, mas aumentou nas outras regiões. 

“Apesar das estimativas revelarem uma redução no número de pobres, se observou uma piora nas estimativas de extrema pobreza para o Nordeste. Isso reflete uma evidência de um fenômeno em que em domicílios que permaneceram com rendimentos abaixo da linha de pobreza, experimentaram uma piora de suas privações monetárias”, aponta o estudo sobre o período pré-pandêmico. 

Já entre 2021 e 2023, houve queda nos números de pessoas em pobreza (-22,9%) e extrema pobreza (-50,4) em todas as regiões do Brasil. O Nordeste foi a região com o menor avanço na superação da linha de pobreza no pós-pandemia, com queda de 16,5% na população pobre. 

Flávio Ataliba explica que a saída mais discreta dos nordestinos da linha da pobreza se deve ao grande contingente de pessoas nessa faixa de renda. “O Nordeste concentra muito mais gente na extrema pobreza. Então você consegue tirar grande parte das pessoas da extrema pobreza, mas elas continuam pobres, vão para categoria de pobreza”, comenta.

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