Demanda por oxigênio em cilindros cresce até 2.000% no Ceará e empresas temem desabastecimento
Municípios do interior do Estado seriam os principais prejudicados, conforme pontuam as empresas distribuidoras consultadas pela reportagem
Diante do crescimento exponencial na ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) em decorrência do avanço do coronavírus no Estado, as distribuidoras de oxigênio medicinal, que é utilizado no tratamento da doença, temem um colapso - sobretudo nos municípios do Interior do Estado - nos próximos dias, período que coincide justamente com a estimativa para o pico de casos no Ceará (12 a 22 de março). Empresas relatam que a busca pelo produto saltou até 2.000% na comparação entre fevereiro e março.
É o caso a A&G Gases. Em nota enviada ao Sistema Verdes Mares, a empresa pontuou que a demanda segue crescendo com o passar dos dias. "A demanda cresceu aproximadamente 2.000%. Órgãos que consumiam 300 metros cúbicos de oxigênio semanal, hoje estão com um consumo de 5.600 metros cúbicos semanais, o que vem crescendo constantemente", explica o texto.
De acordo com a empresa distribuidora, o problema da alta demanda em decorrência da expansão da doença é agravado pelo fechamento de algumas empresas de produção e distribuição de oxigênio do Ceará. "A dificuldade de abastecimento de oxigênio vem sendo percebida pela empresa desde o final de novembro, quando ocorreu o fechamento de algumas empresas responsáveis, direta ou indiretamente, pela produção e a distribuição de oxigênio do estado do Ceará".
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A nota cita que um dos negócios mais atuantes do setor no Estado foi um dos que teve as atividades encerradas e "atendia cerca de 75% da demanda de cilindros de oxigênio do mercado cearense, vendendo para órgãos públicos e revendedores que atendem órgãos de saúde não só no Estado, mas também no Piauí e no Maranhão".
O fechamento ocorreu a partir da Operação Oxida, do Ministério Público do Ceará (MPCE), deflagrada no fim de novembro do ano passado. A operação teve como objetivo combater o fornecimento de oxigênio adulterado para pacientes, clínicas e hospitais públicos de quase 20 municípios em todo o Ceará. À época, onze mandados de busca e apreensão foram expedidos.
"Após o fechamento dessas empresas, ficamos na dependência de duas multinacionais, sendo que uma delas cortou o nosso fornecimento sem motivos e explicações aparentes, e a outra continuou a nos atender, mas de forma precária. A chegada da segunda onda de covid-19 agrava o quadro de desabastecimento", detalha a nota da A&G Gases.
Obstáculos de logística
Infelizmente, recorrer a outros estados também não é uma alternativa cogitada pela distribuidora, já que, de acordo com a A&G, isso compromete a logística da empresa. "Em média, perde-se uma semana somente no deslocamento dos cilindros para o local de envase do oxigênio medicinal. Além disso, não temos estoque de cilindros o suficiente para o retorno imediato do oxigênio", frisa a nota.
A A&G Gases atende unidades de saúde em 14 municípios cearenses, sendo boa parte na região do Maciço de Baturité. Segundo a empresa, cerca de 90% dos municípios cearenses consomem o oxigênio em cilindros, o que exige a atuação de outras empresas para envasar o insumo e fornecer às unidades da rede pública municipal.
A empresa à qual se refere a A&G Gases na nota é a multinacional White Martins. Procurada pela reportagem, a White informou que mantém o fornecimento de oxigênio líquido aos seus clientes das redes de saúde pública e privada no Ceará, conforme estabelecido em contrato.
A White Martins possui uma fábrica em Pecém com capacidade nominal de produzir até 180 mil metros cúbicos de oxigênio por dia e atualmente possui um estoque de cerca de 4 milhões de metros cúbicos de produto. Durante o recente colapso do coronavírus em Manaus, a empresa enviou parte da produção ao Norte do País para tentar conter a onda de mortes provocada pela doença.
"A companhia tem informado aos seus clientes e às autoridades de saúde locais sobre variações de consumo de oxigênio. Nestas oportunidades, a empresa solicitou que sejam comunicadas formalmente e em tempo hábil as necessidades de acréscimo no fornecimento do produto bem como a previsão da demanda, de modo que a empresa possa ajustar a logística de fornecimento por conta da necessidade de mais veículos na operação", diz a nota da White Martins.
Ainda conforme a fornecedora de oxigênio líquido, as autoridades "são responsáveis pela gestão da saúde e têm acesso a dados que compõem o panorama epidemiológico da covid-19, como o índice e a velocidade de contágio da doença, o crescimento da taxa de ocupação de leitos, a abertura de novos leitos, a implantação de hospitais de campanha, a quantidade de pacientes atendidos, bem como a classificação dos casos".
"A White Martins – como qualquer fornecedora deste insumo – não tem condições de fazer qualquer prognóstico acerca da evolução abrupta ou exponencial da demanda", arremata a nota.
'Consumo cinco vezes maior'
Os problemas relatados pela A&G convergem com os relatos da distribuidora C A Lima. De acordo com Fabiana Lima, que administra o negócio, houve um avanço significativo da demanda nos últimos 15 dias: antes do novo avanço da pandemia, a empresa distribuía cerca de 100 cilindros/dia. Hoje, são cerca de 200 cilindros/dia circulando.
"Mas em todas as rotas que eu tenho, se tivesse local para encher esses cilindros, talvez eu rodasse 400/dia, porque a demanda está alta, tanto que abri mão de alguns hospitais para os quais eu distribuía. Muitas empresas distribuidoras também não estão conseguindo atender e isso é reflexo da demanda", diz Fabiana.
Ela também cita o encerramento das atividades de empresas do ramo no fim do ano passado como um agravante. "Nós estamos sentindo uma pressão maior, porque antes nós tínhamos mais alternativas", pontua Fabiana.
"E a White Martins não quer nos vender. Temos uma outra fornecedora, a Messer, e uma empresa em Recife, mas buscar em Recife é viável em um cenário normal, mas diante dessa situação, distância e tempo são os nossos inimigos", lamenta Fabiana Lima.
"A nossa grande dificuldade é que nós não temos onde encher os cilindros, então nós gostaríamos que a White Martins nos desse uma solução. Nós estamos nos mobilizando para que não ocorra o que aconteceu em Manaus", alerta a administradora da C A Lima.
Procurada novamente, a White Martins reforçou que mantém normalmente o fornecimento de oxigênio líquido aos seus clientes das redes de saúde pública e privada no Ceará, conforme estabelecido em contrato.
A C A Lima atende em 33 hospitais em todo o Ceará, com destaque para a região jaguaribana. "Nós distribuímos Itaitinga, Pacajus, Chorozinho, Trairi, Pentecoste, Jijoca", diz Fabiana.
Reunião
De acordo com Fabiana, uma reunião entre as empresas distribuidoras de oxigênio em cilindros e representantes do Governo do Ceará, além de prefeitos, está marcada para amanhã, às 14h. O objetivo, conforme ela, é justamente discutir o abastecimento do produto no Estado.
Em nota, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) informou que "estabeleceu um planejamento de suprimento de oxigênio hospitalar e emitiu comunicado oficial para as empresas fornecedoras do insumo garantindo o fornecimento do gás para todas as unidades da rede Sesa, quer seja na Região de Fortaleza ou nas outras quatro regiões de Saúde do Ceará".
A Pasta destacou que o suprimento de oxigênio tem como base de cálculo "números cinco vezes maiores que a demanda máxima do pico da pandemia de covid-19 do ano passado, considerando manutenção do abastecimento por 90 dias" e convocou os prefeitos e demais gestores municipais e da Rede Sesa a fazerem o mesmo planejamento, garantindo o abastecimento das unidades.
A Sesa informou que se dispõe a orientar sobre o planejamento "ou em situações emergenciais como tem feito até hoje, assim como a colaborar com empréstimos, transferências de pacientes e ajustes na condução terapêutica para garantir o completo e adequado tratamento de toda a população cearense".