No Dia do Abraço, famílias relembram momentos antes da pandemia e buscam formas de matar a saudade

Serenatas, videochamadas para parentes em distanciamento, tudo é válido para amenizar a saudade de sentir um abraço de quem ama

Escrito por Redação ,
A microempresária Mariana preparou uma serenata de dias das mães neste ano para amenizar a saudade da mãe e avó
Legenda: A microempresária Mariana preparou uma serenata de dias das mães neste ano para amenizar a saudade da mãe e avó
Foto: Xodó Foto e Filme

Quanta falta faz um abraço? Seja acompanhado de um afago no cabelo, uma oferta para um cafézinho, ou a simples alegria de um reencontro, acompanhado de um sorriso que se estende aos olhos? Sem sequer pedir permissão, a pandemia subitamente tomou do mundo o afeto do toque. Após mais de um ano de saudade, ressignificar o sentido do abraço se mostrou uma alternativa à dura realidade.

Neste sábado (22), Dia Nacional do Abraço, a psicóloga Ana Ignez Belém destaca que, apesar de não substituir completamente a brandura do toque, há outras formas de demonstrar esse afeto: o acolhimento à distância, a solidariedade, as flores, as mensagens de carinhos, o gesto do abraço virtual. “Paradoxalmente, é um abraço. Não lhe abraço fisicamente, mas lhe abraço na solidariedade e no cuidado”, coloca a também professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

O abraço tem sentido de acolhimento, de aconchego, de vínculo, suporte, saber que você está junto, de proteção, tem o sentido de você poder contar com alguém, sentido de proximidade e de pertencimento”
Ana Ignez Belém
Psicóloga

Amenizando a saudade

A microempresária Mariana Araújo (39) lembra da forma que encontrou para diminuir a saudade da mãe, Maria Carmenzita Barbosa (67), e da avó, Rute Barbosa (84). No dia das mães de 2021, quando já se passava mais de um ano desde a última vez que pôde abraçar as duas sem preocupações com o coronavírus, Mariana resolveu organizar uma serenata.

“Elas conseguiram sentir a presença dos filhos dessa maneira”, disse. O momento foi transmitido para família que estava impedida de conviver com o carinho de Carmenzita e Rute por precaução com o contágio. Os almoços no domingo tiveram de ser deixados de lado em março de 2020, e as duas ficaram isoladas na casa onde moram.


 
Assim como a letra de uma das músicas escolhidas para compor a serenata, o clássico Qui Nem Jiló, de Luiz Gonzaga, Mariana vivia a sonhar em voltar "pros braços" da mãe e da avó. Videochamadas, visitas mantendo a distância e contato mediado por máscaras não é o suficiente para matar a saudade do carinho das duas.

“Apesar de ir lá ver, você vê de longe, você quer abraçar, beijar. Nós somos muito afetuosos, a gente gosta desse contato, desse toque, e por telefone é totalmente diferente”, lamenta. O abraço de Carmenzita e Rute, para Mariana, vai muito além apenas do contato físico. “Eu acho que o abraço talvez seja o amor. A gente só sente”.

Depois de ter a mãe e avó imunizadas, Mariana já pôde abraça-las uma vez, com os cuidados necessários
Legenda: Depois de ter a mãe e avó imunizadas, Mariana já pôde abraça-las uma vez, com os cuidados necessários
Foto: Arquivo pessoal

Depois que Carmenzita tomou as duas doses da vacina contra a Covid-19, o abraço das duas finalmente aconteceu. O momento de alegria ainda não se repetiu com a avó, tampouco voltou a ser rotina para a família. Mesmo com as duas imunizadas, Mariana ainda mantém os mesmos cuidados de distanciamento, como é recomendado nesta fase do plano de vacinação.

Pensando no futuro, quando houver uma segurança maior para a família conviver e mais membros vacinados, Mariana já imagina toda a alegria que sentirá voltando a abraçá-las sem preocupação. “É uma coisa que a gente sente muita falta, do carinho, do afeto, de estar perto de quem a gente ama”.

Atento aos cuidados

Moacir junto com os pais e a irmã, antes do período de pandemia da Covid-19
Legenda: Moacir junto com os pais e a irmã, antes do período de pandemia da Covid-19
Foto: Arquivo pessoal

Da mesma forma, o editor Moacir Marcos de Sousa Filho, de 32 anos, mesmo com os pais já vacinados há pouco tempo, ainda não se sente completamente seguro para voltar a convivência integralmente como acontecia até meados de março do ano passado.

A gente ainda não tá tranquilo. Mesmo com a vacina, ainda há um risco porque faz poucos dias, mas já dá um pouco mais de tranquilidade. Eu só vou ficar mais relaxado de verdade quando boa parte da população estiver vacinada”
Moacir Marcos de Sousa Filho
Editor

Moacir e a esposa estão isolados desde março devido às comorbidades dos pais. Durante esse mais de um ano de crise sanitária, o contato tem se dado pelas redes sociais e videochamadas. Para o editor, o distanciamento, não só da família, tem sido difícil de lidar.

“O que eu sinto muita saudade é da proximidade física. Saudade de abraçar, não só os meus pais, mas os amigos, no geral. É um costume que eu sempre tive. Meus pais me educaram de uma forma muito carinhosa e eu gosto de chamego mesmo. E ter esse cuidado que a pandemia impõe é algo muito difícil pra mim. Lembro que um hábito que eu tinha com a minha mãe era de deitar na rede com ela e ficar conversando”, relembra.

"É por amor a eles"

Isolada com o marido e a filha pequena há 15 meses, em Quixadá, no Sertão Central, a bibliotecária Rousianne da Silva Virgulino, de 40 anos, conta que tem muita saudade em poder dar um abraço seguro. 

"Saudade de estar junto, poder reunir os amigos para um chá da tarde, de rir com eles. Quando nos reuníamos, a primeira coisa que fazíamos era dar um abraço apertado e não poder fazer isso é triste. Sinto muita falta", relata, emocionada.

Rousianne com parte da família no dia do casamento, em 2015
Legenda: Rousianne com parte da família no dia do casamento, em 2015
Foto: Arquivo pessoal

A família decidiu pelo isolamento mais rigoroso por medo de transmitir a Covid-19 para os amigos e familiares, com idosos enquadrados no grupo de risco morando na Capital e em Petrolina, Pernambuco.

Como forma de matar a saudade, Rousianne tem usado de todas as tecnologias. "Faço ligações, uso as redes sociais, TV, ligação por vídeo, tudo".

"É por amor a eles que estamos no isolamento. Perdemos tantas pessoas próximas, então eu penso 'nossas vidam importam muito' e penso no futuro, em poder nos reunirmos em um abraço seguro novamente", coloca.

‘Sentido de aconchego e pertencimento’

Durante a pandemia, essa ausência do abraço somada às mudanças causadas pelo novo coronavírus teve um impacto na vida das pessoas, como o surgimento de angústias e ansiedades. “A pandemia nos jogou no desconhecido, medo, incerteza, e o abraço passou a trazer esse significado, de que se eu abraçar, posso contaminar o outro”, destaca psicóloga Ana Ignez Belém.

As alternativas encontradas foram um modo de minimizar esse impacto, trazendo para perto o que a pandemia tornou distância. “De certo modo, o abraço é tão importante, que a gente atribuiu novos sentidos para que pudéssemos seguir abraçando”, avalia Ana Ignez.

 

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