Sete anos após epidemia de zika, gestantes ainda correm risco de ter crianças com microcefalia?
Vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti continua circulando e causando a doença no Ceará
Há cerca de 7 anos, uma epidemia de zika vírus no Ceará acendeu um alerta para além do adoecimento pelo vírus. Entre 2015 e 2016, dezenas de bebês gerados por mulheres que tiveram a arbovirose na gestação nasceram com microcefalia e outros problemas de desenvolvimento.
A ciência, depois, fecharia o diagnóstico em três palavras: Síndrome Congênita do Zika (SCZ), uma condição que afetou 106 bebês cearenses só entre 2016 e 2017, de acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).
Uma reportagem do Diário do Nordeste mostrou que entre 2018 e agosto do ano passado o Ceará não registrou mais nenhum caso da SCZ. Quais são, então, os riscos que o zika vírus ainda oferece às mães e bebês? O que uma mulher grávida diagnosticada com zika deve fazer?
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Zika em gestantes
Neste ano, 27 casos de zika já foram confirmados no Ceará, dos quais 5 atingiram mulheres grávidas. As gestantes foram diagnosticadas em três municípios: Aracati (2), Mauriti (2) e Icó (1). Os dados são da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), atualizados até dia 22 de outubro.
O médico e pesquisador André Pessoa, neurogeneticista do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), aponta que a probabilidade é de que a queda nos casos esteja ligada a uma “imunização de rebanho” ainda presente entre as cearenses.
A positividade na gestação diminuiu. O que se hipotetiza é que um percentual grande das mulheres em idade fértil tiveram contato com o vírus e adquiriram imunidade. Mas isso não quer dizer que daqui a um tempo novos casos não possam surgir.
André alerta que, já que o vírus continua circulando no Ceará, “podem vir outras ondas, talvez não tão fortes como a de 2016, mas que exigem os mesmos cuidados”. A prevenção, porém, é limitada, principalmente entre mulheres mais pobres, como avalia o médico.
“Ora contraída a zika, não havia medidas para diminuir a transmissão vertical ao bebê, como existem para outras doenças. Era sair menos de casa, passar repelente, só. Mães de famílias vulneráveis, por exemplo, tinham maior exposição ao mosquito, por questões sanitárias”, ilustra.
Assim, o neurogeneticista frisa: “a diminuição dos casos não é decorrente de melhora de manejo ou de condução, mas à imunidade de massa”.
Hoje, quando uma mulher cearense é diagnosticada com zika durante a gravidez, ela é encaminhada para realizar o pré-natal em unidades de saúde de referência. “E a criança deve ser seguida o mais precocemente possível por um neurologista”, destaca André.
Grávida do primeiro filho, a empresária Roberta Lopes, 31, confessa que o medo de contrair zika, apesar do atual cenário de baixa transmissão no Ceará, permanece. Ela lembra que a irmã estava grávida, no surto de 2016, o que mobilizou toda a família em cuidados.
“Ela mal saía de casa, só andava de roupas de manga comprida e calça, passava repelente direto. Graças a Deus, ficou tudo bem, mas aquilo ficou na minha cabeça. Vivo normalmente, mas passo repelente e uso um eletrônico no quarto. Previno como posso”, relata.
Crianças com microcefalia
O médico do Hospital Albert Sabin é um dos principais responsáveis pelo acompanhamento das crianças que nasceram com a Síndrome Congênita do Zika no Ceará. Segundo ele, cerca de 100 delas são atendidas rotineiramente na unidade.
“As crianças, de modo geral, têm sequelas cognitivas e motoras, com epilepsia e deformidades ortopédicas. Houve casos menos graves, em 2016, mas infelizmente são minoria”, pontua o médico.
A maior parte delas tem paralisia cerebral mais grave. De uma forma geral, são crianças bem comprometidas, que necessitam e necessitarão sempre de apoio multidisciplinar, com fonoaudiologia, terapia ocupacional e outras especialidades.
Para Ana Lis, 6, garantir o acesso às terapias tem sido “luta constante”, como relata a mãe, Luciana Arrais, 36 – que teve zika em 2016, no início da gestação. Moradoras de Apuiarés, no interior do Ceará, elas precisavam viajar a Caucaia duas vezes por semana para o tratamento numa policlínica, até o 3º ano de vida da menina.
Depois, passaram a contar com atendimento numa faculdade privada de Fortaleza – aí veio 2020. “Durante a pandemia inteira, estimulamos ela em casa. Agora, estamos voltando aos poucos à normalidade. Mas perdi o atendimento na policlínica e na faculdade”, diz Luciana.
Hoje, Ana Lis é atendida numa unidade municipal, aberta recentemente. Antes, não havia os profissionais necessários às terapias, como fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
O boom de casos passou e hoje não se fala mais sobre a síndrome. Os tratamentos são defasados, o acesso é difícil. A sensação é de que nossos filhos são só uma despesa pro governo.
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Grávida com zika: o que fazer?
Mulheres que tiveram zika durante a gestação são encaminhadas para o HIAS para acompanhamento, ainda que o bebê não apresente sintomas ou alterações iniciais, segundo explica o médico André Pessoa.
“Temos feito esse trabalho, mas não temos visto novos casos. Fazemos o seguimento de mães que tiveram positividade, mas as crianças sem sintomas; e também dos pacientes antigos, que são mais de 100 casos aqui no Sabin”, cita.
A reportagem questionou a Sesa sobre qual o protocolo de atendimento a mulheres grávidas que chegam a unidades de saúde com zika, o que mudou desde 2016, quais os atuais riscos do zika à mulher e ao bebê e quantos casos de SCZ há hoje no Estado. Não houve resposta até esta publicação.
Como prevenir zika na gestação
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lista medidas simples que podem ser adotadas para minimizar o risco de contrair o zika vírus:
- Telar portas e janelas;
- Usar mosquiteiros na cama;
- Usar roupas leves, que cubram o máximo possível do corpo;
- Usar repelentes.
5 sinais clínicos mais comuns da zika congênita
- Microcefalia;
- Atrofia cerebral com calcificações;
- Alterações na retina;
- Hipertonia precoce (rigidez);
- Alterações ortopédicas (quadris e problemas articulares graves).